19 de outubro de 2024

Lagartos usam ‘bolha de ar’ durante respiração embaixo d’água

Espécies do gênero Anolis têm seu próprio “reservatório de oxigênio”, o que permite que esses fiquem submersos por maiores períodos para escapar de predadores Lagartos usam seu próprio “reservatório de oxigênio” para respirar debaixo d’água
Pesquisas recentes revelaram que lagartos semi-aquáticos do gênero Anolis desenvolveram uma incrível habilidade de armazenar oxigênio em sua pele. Semelhante a um mergulhador, mas com seu próprio reservatório de oxigênio, esses répteis mergulham quando ameaçados e, enquanto estão submersos, produzem uma bolha de ar sobre suas narinas.
Inspirados por observações de história natural no Haiti e na Costa Rica, os pesquisadores conduziram experimentos para documentar a respiração rotineira baseada em uma respiração subaquática em várias espécies do gênero, que apesar de não serem proximamente relacionadas, demonstraram essa habilidade.
Um primeiro documento, publicado em 2021 pela Universidade de Binghamton, revela que estes lagartos não só geram uma bolha de ar para manter o oxigénio enquanto estão submersos, mas também respiram repetidamente a partir desta bolha, prolongando o seu tempo debaixo da água.
“Quando eles pulam na água, além da pele deles ser repelente à água, esses espaços (na pele) acumulam um volume de oxigênio e fazem com que fique com aquela camada toda por fora. Quando existe um vácuo, ele cria uma pressão e joga o ar para dentro da boca, e na hora que ele mergulha, ele faz uma pressão com a língua e esse ar sai na direção da narina, formando aquela bolha”, explica o herpetólogo, Willianilson Pessoa.
De acordo com Willianilson, são conhecidas 19 espécies que possuem esse comportamento, mas isso não significa que outras não possam fazer, apenas não foi registrado ainda.
Lagartos utilizam próprio “tanque de oxigênio” para respirar embaixo d’água
Lindsey Swierk/Redes sociais
Esses anoles semi-aquáticos vivem ao longo de riachos neotropicais e frequentemente mergulham para buscar abrigo ou alimento, podendo permanecer submersos por até 18 minutos. Enquanto estão embaixo d’água, esses lagartos expiram e “re-inspiram” bolhas de ar nasal de forma interativa, um processo de “re-respiração” subaquática.
O ar “re-respirado” é utilizado, pois a pressão parcial de oxigênio nas bolhas diminui com o tempo de submersão experimental. Os não aquáticos ocasionalmente respiram quando submersos, mas exibem comportamentos da técnica mais rudimentares.
Essa respiração é facilitada por uma fina camada de ar sustentada pela pele rugosa do animal ao submergir. Análises filogenéticas presentes no documento sugerem que a re-respiração especializada é adaptativa para os anoles que vivem em habitats semi-aquáticos.
“Apenas as espécies que ocorrem perto da água utilizam esse recurso, geralmente, porque o bicho está ali próximo da água, então ele só vai ter como fazer isso se ele cair na água. Às vezes, outra espécie pode até fazer isso, mas se ela não estiver perto da água, ela não tem como executar”, diz Willianilson.
Espécies conseguem respirar através de uma fina camada de ar sustentada pela pele rugosa do animal ao submergir
Lindsey Swierk/Redes sociais
Ainda segundo o herpetólogo, o lagarto não permanece por longos períodos submerso, sendo apenas uma porcentagem a mais do que ele conseguiria se ele usasse só o ar que já está presente em sua corrente sanguínea. Isso permite que um predador simplesmente espere que ele ressurja se o anole ainda estiver visível, mesmo que embaixo d’água.
“É como se a gente fosse mergulhar com um cilindro com dois litros de oxigênio. A gente, além da nossa capacidade, ainda teria esses dois litros a mais, mesmo jeito que funciona com eles”, compara o especialista.
Em um novo estudo publicado em setembro de 2024, a pesquisadora Lindsey Swierk investigou exclusivamente a espécie Anolis aquaticus, que vive perto de riachos florestais no sudoeste da Costa Rica e oeste do Panamá.
Para observar mais de perto o método de respiração com bolhas dos lagartos, Swierk capturou animais da espécie A. aquaticus na Estação Biológica de Las Cruces, na Costa Rica. Em um grupo de anoles, os pesquisadores aplicaram uma fina camada de emoliente hidratante nas cabeças e focinhos dos répteis (sem cobrir as narinas) para impedir que as bolhas de ar grudassem em suas cabeças. Em seguida, os cientistas mergulharam os anoles e os filmaram enquanto permaneciam submersos até que emergissem.
Anolis aquaticus ocorrem no sudoeste da Costa Rica e oeste do Panamá.
Mason S./iNaturalist
Nos experimentos, os lagartos que utilizaram as bolhas para respirar ficaram submersos por uma média de 3 minutos e meio, um tempo aproximadamente 32% maior em comparação com aqueles que tiveram a formação de bolhas de ar bloqueada pelo uso do emoliente.
No grupo que não recebeu o emoliente, todos os anoles formaram grandes bolhas que eles usaram repetidamente para respirar, com uma frequência média de seis vezes por minuto. Alguns dos lagartos no grupo tratado com o emoliente também formaram bolhas, mas estas eram bem menores e não aderiam à pele dos répteis como as que podiam ser inaladas.
Essa experiência trouxe à tona novas dúvidas: será que os anoles fazem uso das bolhas de ar de forma similar aos insetos que possuem guelras físicas? Insetos, com uma demanda menor de oxigênio, conseguem respirar debaixo d’água através de bolhas, aproveitando a difusão de oxigênio da água ao seu redor? No entanto, como os anoles são muito maiores, é improvável que dependam exclusivamente desse processo para respirar.
Estudos ainda precisam ser feitos para responder algumas perguntas curiosas sobre esse comportamento, como por exemplo, como essas espécies fazem para expelir o gás carbônico de seus corpos.
Gênero Anolis
O gênero Anolis ocorre bem distribuído nas Américas, desde a América do Norte até a América do Sul. Já os “lagartos mergulhadores” são pertencem à América Central, entre Costa Rica, Panamá e países da região. Em geral são arborícolas, se alimentando basicamente de insetos.
“Como são animais arborícolas, esses bichos não tendem a entrar na água voluntariamente para caçar. Ele bebe água quando chove, a água fica nas gotículas das folhas. Então, esses bichos não tem outro motivo para cair na água a não se fugir de predador”, informa o herpetólogo.
Anolis oxylophus é uma das espécies de ‘lagartos mergulhadores’
Sam Maddison/iNaturalist
Aprisionar o ar em bolhas para respirar debaixo d’água é um movimento praticado também por alguns tipos de insetos e aracnídeos, como besouros aquáticos e aranhas d’água. Até agora, os anoles são os únicos animais com espinha dorsal conhecidos por respirar usando bolhas.
*Texto sob supervisão de Lizzy Martins
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