19 de outubro de 2024

Infecção em mutirão de catarata foi causada por falha de higienização e esterilização no ambiente cirúrgico, diz Ministério Público

Operações aconteceram nos dias 27 e 28 de setembro em Parelhas, a 245 km de Natal. Dos 20 cirurgiados no primeiro dia, 15 foram infectados e nove perderam o globo ocular. Sobe para 9 o número de pacientes que perderam o globo ocular em mutirão de cirurgias de catarata, diz Prefeitura de Parelhas (RN)
Reprodução/TV Globo
Uma falha na limpeza e esterilização no ambiente onde foi realizado o mutirão de cirurgias de catarata que resultou na infecção de 15 pacientes em Parelhas, a 245 km de Natal, é dada como certa pelo Ministério Público do Rio Grande do Norte, que abriu um inquérito sobre o caso.
A declaração foi feita nesta sexta-feira (18) pela promotora de justiça substituta no município, Ana Jovina de Oliveira Ferreira. De acordo com ela, no entanto, ainda não é possível dizer se a falha foi na esterilização de um equipamento específico, ou, por exemplo, na paramentação de um dos profissionais envolvidos.
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“O que já se desenha nessa coleta inicial é que de fato houve uma falha na higienização e esterilização do ambiente cirúrgico. Não se pode ainda afirmar com a máxima precisão qual instrumento, ou se foi falha de origem humana no trato da paramentação, ou se nos instrumentos, mas obviamente sagra-se como evidência que houve, sim, falha na esterilização do ambiente cirúrgico”, afirmou.
A promotora Rosane Moreno, do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça (Caop) do Ministério Público para a área da Saúde, afirmou que “houve algumas falhas” e que o órgão recebeu nesta quinta-feira (17) parte da documentação, como os termos da inspeção da Vigilância Sanitária.
“A gente precisa fazer essa análise técnica para entender qual foi a falha que ocorreu, para tentar direcionar os próximos encaminhamentos. No ambiente hospitalar, a gente sabe que, além do ambiente, tem todo um instrumental que é utilizado nessas cirurgias, existe todo o protocolo que tem que ser cumprido, a esterilização de todo esse instrumental antes das cirurgias, saber como é que foi feita essa esterilização, como foi feita no decorrer, porque foram várias cirurgias, qual é o protocolo utillizado neste momento e qual falha ocorreu. Porque alguma falha ocorreu, se não a gente não teria esse resultado trágico” pontuou.
As cirurgias aconteceram nos dias 27 e 28 de setembro na Maternidade Dr. Graciliano Lordão, em Parelhas. Porém as infecções ocorreram apenas com pacientes do primeiro dia. Dos 20 pacientes operados na sexta-feira (27), 15 tiveram uma endoftalmite – infecção ocular causada pela bactéria Enterobacter cloacae. 9 deles perderam o globo ocular.
De acordo com a promotora, mesmo que a investigação ainda esteja em andamento, é possível dizer que o município tem responsabilidade civil objetiva e por isso deverá idenizar os pacientes.
“A gente está falando de um dano irreparável. No âmbito da responsabilidade civil do estado, a nossa constituição e ordenamento jurídico nos dá uma grande segurança para buscar uma indenização proporcional ao tão grave dano experimentado por essas vítimas”, afirmou.
O Ministério Público confirmou que o órgão ainda investiga o mutirão sobre outro aspecto: os promotores buscam saber se houve crime eleitoral, já que as cirurgias foram realizadas 10 dias antes das eleições municipais.
O QUE SE SABE E O QUE FALTA SABER: veja detalhes sobre mutirão de cirurgias de catarata que deixou pacientes sem globo ocular no RN
ENTEROBACTER CLOACAE: bactéria que infectou 15 pacientes em mutirão no RN é comum no intestino
DIRETOR DA MATERNIDADE: ‘não se sabe ao certo como esse material foi limpo’
PACIENTES: ‘Fui na esperança de enxergar’
Pacientes que tiveram infecção após cirurgia: Maria Izabel (esquerda), Rita de Cássia (centro) e Vitória Dantas (direita)
Divulgação
9 pacientes perderam o globo ocular
Nesta quinta-feira (17), a prefeitura de Parelhas confirmou que subiu para nove o número de pacientes que perderam o globo ocular após serem infectados por uma bactéria em um mutirão de cirurgias de catarata. Até então, eram oito pacientes nessa situação.
Segundo a prefeitura, dos 15 pacientes que tiveram complicações após as cirurgias de catarata, outros 4 fizeram cirurgia de vitrectomia, e 2 estão em casa sendo acompanhados “com boa evolução do quadro, com mais de 80% do quadro infeccioso já solucionado, mas ainda não conseguem enxergar”.
Segundo o Município, os pacientes infectados são 8 homens e 7 mulheres, com faixa etária entre 43 a 80 anos.
A prefeitura também informou que realizou uma reunião com pacientes, nesta quinta (17), falou “sobre a aquisição de próteses oculares e se colocou à disposição dos advogados das famílias presentes na reunião para seguir com a referida indenização”.
Diretor de maternidade questiona limpeza de material
Diretor da maternidade onde ocorreu um mutirão de cirurgias de catarata, Manoel Marques Bezerra Neto afirmou que não sabe como a empresa contratada para realizar as operações fez a limpeza dos equipamentos antes do primeiro dia.
De acordo com ele, as cirurgias foram realizadas no local por uma empresa contratada pela prefeitura municipal, e a maternidade apenas cedeu o espaço do centro cirúrgico. Ele ressaltou que não era responsabilidade da maternidade a limpeza e esterilização dos equipamentos, nem a cessão de equipamentos ou de pessoal para as cirurgias.
“Nós tivemos informações, inclusive constam em autos, que a empresa responsável pelo mutirão trouxe esse material até a maternidade, no primeiro dia, e, chegando aqui, solicitou a um funcionário do hospital municipal [anexo à maternidade] que fosse colocado na autoclave [equipamento usado para esterilização]. Assim foi feito”, disse.
Vigilância Sanitária investiga o que provocou a infecção em pacientes que participaram de cirurgias de catarata no interior do RN
Empresa diz que equipamentos foram lavados
A empresa Oculare Oftalmologia Avançada, responsável pelas cirurgias, afirmou em nota que o mutirão foi conduzido por “oftalmologista experiente, tendo seguido os protocolos médicos e de segurança exigidos”.
Ainda no comunicado, a empresa disse que realizou o mutirão na maternidade por indicação do município, “utilizando-se de sua estrutura para tanto (sala cirúrgica, cubas, iodo, sala de esterilização, autoclave e panos estéreis das mesas de operação)”.
“Sobre os materiais utilizados durante as cirurgias, destacamos que os instrumentos foram lavados e entregues à equipe técnica da Maternidade Graciliano Lordão para a devida esterilização em autoclave. Após o processo de esterilização, os instrumentos foram encaminhados para a sala cirúrgica e organizados para início das atividades”, informou por meio de nota.
No entanto a empresa não informou onde os materiais foram lavados. A empresa ressaltou que não possuía registros de infecções em cirurgias realizadas. “O oftalmologista responsável pelas cirurgias em Parelhas/RN possui em seu histórico mais de 2.000 cirurgias realizadas com sucesso e satisfação, lamentando o ocorrido (em investigação)”.
Investigação aponta falha em procedimentos, diz Sesap
Uma investigação da Secretaria de Estado da Saúde Pública do Rio Grande do Norte (Sesap) apontou que a infecção bacteriana tem indícios de ter sido causada por contaminação em procedimentos como higienização e esterilização.
A avaliação foi divulgada pela coordenadora de Vigilância em Saúde do RN, Diana Rêgo, na quarta-feira (16), após uma inspeção realizada pela equipe na cidade.
“Percebemos que, pelas características clínicas de infecção dos pacientes, uma vez que nesses pacientes que tiveram adoecimento os primeiros sintomas aconteceram 48 horas após o procedimento, isso é muito sugestivo de contaminação de procedimento, relacionado às boas práticas”, disse.
“Então fica, assim, relacionado à forma de procedimento dos profissionais que executaram as cirurgias”.
Os problemas de procedimento apontados na investigação, segundo Diana Rêgo, são relacionado à esterilização de equipamentos e higienização dos profissionais e do ambiente, por exemplo.
“Processo de esterilização e de procedimento de fluxos, realmente. Higienização das mãos, higienização de ambientes…São procedimentos necessários pra garantir a segurança do procedimento cirúrgico. E aí a gente não teve a garantia desses procedimentos”, explicou.
Município também investiga caso
A prefeitura de Parelhas também instaurou um inquérito para investigar as circunstâncias e responsabilidades no caso. As audiências com técnicos, médicos e a empresa responsável pelos procedimentos foram iniciadas na terça-feira (15).
O Municípío informou que encaminhou uma notificação formal à empresa Oculare Oftalmologia Avançada, responsável pelas cirurgias oftalmológicas no município, “exigindo esclarecimentos imediatos”.
“A Prefeitura reitera que as cirurgias foram realizadas dentro da legalidade, e o Município está arcando com todos os atendimentos e procedimentos médicos necessários aos pacientes, inclusive pagando por consultas particulares em alguns casos, para que todos possam ter o melhor acompanhamento possível”, informou o município por meio de nota enviada ao g1.
Além da assistência médica, o município disse que tem mantido suporte psicológico, monitoramento contínuo e cobertura de tratamento e consultas.
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