20 de outubro de 2024

Pesquisa revela que 78% dos lixos plásticos encontrados nas areias das praias do Ceará vieram da África

Conforme a pesquisa revelou, o lixo chegou até a costa cearense trazido pelas correntes marítimas do oceano Atlântico Praia do Futuro, em Fortaleza, foi uma das praias pesquisadas pelo projeto Detetive Plástico
Fabiane de Paula/Sistema Verdes Mares
Uma pesquisa da Universidade Federal do Ceará (UFC) revelou que 78% do lixo plástico encontrado nas areias das praias cearenses tem origem em países africanos. O dado foi obtido pelo projeto Detetive Plástico, do Instituto de Ciências do Mar (Labomar).
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De acordo com o projeto, esse lixo plástico encontrado nas areias vem de países como Costa do Marfim, África do Sul, Camarões, Angola, Nigéria e Gana. Há também registro de lixo de países como Alemanha e China. No entanto, a maior parte vem da República Democrática do Congo.
Conforme a pesquisa revelou, o lixo chegou até a costa cearense trazido pelas correntes marítimas do oceano Atlântico. O trajeto dos plásticos do continente africano até o litoral do estado leva entre 6 e 11 meses.
Conforme a pesquisa, o lixo coletado tinha origem:
África: 78,5% (desse porcentagem, cerca 90% era da República Democrática do Congo)
Brasil: 15,7%
Ásia (Índia, China e Emirados Árabes Unidos) e Europa (Alemanha e Itália): 5,8%
Segundo o projeto Detetive Plástico, entre os itens comumente encontrados nas areias das praias estão canudinhos, copos descartáveis, embalagens de picolé, tampinhas de garrafa e garrafas pets.
Lixo vindo da África é encontrado nas praias do Ceará
E foi justamente ao observar uma tampinha que surgiu a ideia da pesquisa. Em novembro de 2022, o professor visitante do Labomar, Tommaso Giarrizzo, estava na Praia do Porto das Dunas acompanhando o monitoramento do óleo quando notou uma embalagem distinta.
“Me deparei com algumas tampinhas de garrafa com cores e com marcas que são totalmente diferentes das que são encontradas nas nossas praias, [das] que são consumidas, que são vendidas nas nossas praias”, contou ao g1.
Para embasar a pesquisa, o grupo coletou amostras de lixo em três praias distintas do litoral cearense:
Praia do Porto das Dunas, em Aquiraz, na Região Metropolitana de Fortaleza, onde há grande concentração de resorts;
Praia do Futuro, em Fortaleza, onde há grande ocupação residencial
Parque Nacional de Jericoacoara, a cerca de 320 quilômetros das outras duas praias, considerado de acesso mais remoto e mais protegido
Da África para o Brasil
Com as tampinhas, garrafas pet e outras embalagens em mãos, o grupo passou a pesquisar a origem das marcas encontradas. Entre elas, empresas como Festa, Zest e Swissta. Todas da República Democrática do Congo (RDC).
Os índices surpreenderam os pesquisadores. É que a República Democrática do Congo – diferente da República do Congo – possui um litoral de apenas 37 quilômetros de extensão, uma área pequena para uma quantidade relevante de despejo de lixo. A explicação, porém, estava na água do rio Congo.
Tampinhas e garrafas de plástico colhidas pelo projeto nas praias têm logos de empresas que não funcionam no Brasil
Leonardo Igor/g1
O rio é um dos dez maiores do mundo, e o segundo maior da África. Ele possui uma extensão de mais de 4.700 quilômetros, atravessando a maior parte do território da República Democrática do Congo (RDC).
No caminho até sua foz, na fronteira da RDC com a Angola, o rio acaba sendo destino de boa parte dos despejos de lixo plástico do país. O destino final das águas do rio Congo – e o lixo trazido com elas – é justamente o Oceano Atlântico.
“Através da nossa pesquisa, com a modelagem matemática, foi possível comprovar que uma porção desse plástico que é exportada pelo rio Congo consegue chegar até o litoral nordeste do Brasil, descendo até Alagoas e subindo até o Pará”, explica o professor Tommaso Giarrizzo. “Pelas correntes norte, esse plástico pode chegar até o Caribe ou sul dos Estados Unidos”.
O estudante de doutorado e membro do projeto, Lúcio Brabo, que co-escreveu o artigo, destaca que o lixo que chega até as praias do Ceará é apenas uma pequena parcela do que é despejado na costa da África – a maior parte permanece na costa do continente.
No entanto, essa quantidade de plásticos tem sido suficiente para alcançar o litoral do Nordeste e compor a maior parte do material encontrado nas areias. O grupo vem realizando o monitoramento do plástico há um ano e seis meses, e todos os meses eles têm encontrado plásticos do exterior.
“A gente achava que era um evento esporádico, um evento na África que chegou ao oceano e porventura chegou até aqui”, pontua. No entanto, a frequência mostrou que se tratava de um fenômeno recorrente. “Esse despejo lá na África está acontecendo periodicamente, e periodicamente está chegando aqui”, afirma Lúcio.
Correntes marítimas do Oceano Atlântico ajudam lixo jogado na costa do continente africano a chegar ao Brasil
Projeto Detetive Plástico
Alerta para praias e para a saúde
Apesar de ter identificado a origem e a proporção desse lixo nas praias cearenses, a pesquisa não pôde precisar a quantidade de material plástico que pode ter chegado aqui nos últimos anos, uma vez que não há programas de monitoramento público voltados para o lixo nas praias – seja na esfera municipal, estadual ou federal.
Os pesquisadores alertam que o lixo, encontrado em pequenas porções, mas com abundância nas areias, pode trazer riscos à saúde de quem vai à praia e afetar as atividades turísticas do Ceará, que pode ver os turistas procurarem outros destinos.
Imagina um plástico que tá vindo de outro continente, é transportado por vários meses, anos na água, se associando talvez a organismos marinhos, como algas, como às vezes você encontra pequenas cracas, e associado a isso podem estar também associados patógenos, que podem chegar aqui. Patógenos que nem se encontram aqui no nosso país
De acordo com os integrantes do projeto Detetive Plástico, os resultados da pesquisa servem de alerta para a necessidade de se criar uma política para monitorar a qualidade das praias.
“A gente não tem a balneabilidade, que são as análises que se faz da qualidade da água? Por que não fazem das praias? No final das contas, quando se vai na praia, se passa mais tempo na praia ou na água?”, questiona o professor.
Embalagem de cosmético produzido na Costa do Marfim, no continente africano
Projeto Detetive Plástico
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