21 de outubro de 2024

Como cura de um Yanomami que teve parte da cabeça arrancada por onça contribuiu para canonização do padre José Allamano

Sorino Yanomami, à época com cerca de 40 anos, foi atacado por uma onça em 1996. Perdeu parte do cérebro no ataque e, mesmo desiludido por médicos, se recuperou sem sequelas. Missionáira Felicita Muthoni, com Sorino Yanomami, recuperado após ataque de onça em 1996
Reprodução/Diocese de Roraima
O que era para ser uma caçada comum na região do Catrimani, na Terra Yanomami, em fevereiro de 1996, ficou marcada na vida de Sorino Yanomami, então com cerca de 40 anos. Ele foi atacado por uma onça, que lhe arrancou parte da cabeça. Desacreditado pela equipe médica, sobreviveu após ser cuidado por missionárias, que pediram sua recuperação em orações ao padre José Allamano.
Sorino, hoje com cerca de 68 anos (o povo Yanomami não costuma contar idades e anos), vive sem sequelas do ataque e a recuperação foi reconhecida pela Igreja Católica como um milagre atribuído ao padre.
👉 Allamano foi canonizado pelo Papa Francisco neste domingo (20) por conta do reconhecimento deste milagre. Ele é fundador da congregação dos Missionários da Consolata — grupo que socorreu o indígena e o transportou para o Hospital de Boa Vista.
Papa Francisco canoniza religioso por milagre realizado na Amazônia
Ataque da onça
De acordo com a Diocese de Roraima, Sorino caçava na floresta quando se deparou com uma onça que estava com filhotes. O ataque aconteceu por trás, arrancou o couro cabeludo e abriu o crânio do indígena expondo “grande parte do cérebro”, segundo testemunhas.
O grupo de caçadores Yanomami tentou socorrê-lo e, devido à gravidade dos ferimentos, pediu ajuda às religiosas que viviam nas proximidades. Sorino foi socorrido pelas enfermeiras Felicita Muthoni, de origem do Quênia, Maria Silva, e Rosáuria, que faziam parte da congregação de Missionários da Consolata, onde eram conhecidas como Irmãs Missionárias da Consolata.
Felicita notou que Sorino estava com parte da massa cerebral fora da cabeça — desprendida do restante. Ela chegou a lavar a parte que estava para fora e empurrou para dentro da cabeça novamente e enrolou com uma camisa.
Sorano Yanomami, hoje com cerca de 68 anos, acompanhado de missionárias da Consolata em Boa Vista
Divulgação/Diocese de Roraima
Após os primeiros socorros, as enfermeiras ligaram solicitando ajuda e pedindo para levar o indígena ao hospital em Boa Vista, mas a Terra Yanomami é um local que só pode ser acessado de avião. O veículo foi enviado na tarde daquele dia.
Já em Boa Vista, o indígena foi atendido pela equipe médica, que chegou a avaliar não haver chances de sobrevivência sem graves sequelas devido ao dano no cérebro causado pelo ataque. Até disseram, segundo testemunhas, que a morte do paciente era iminente.
Sorino Yanomami com missionários católicos no território Yanomami
Divulgação/Diocese de Roraima
De acordo com a diocese, em meio ao desespero, as missionárias pediram a intercessão de José Allamano por meio de preces e orações, acreditando que “apenas um milagre poderia proporcionar esperança”.
“Os pajés me diziam que, se Sorino morresse fora da aldeia, não encontraria nunca mais seus antepassados. A porta ficaria fechada ao seu espírito. No final, conseguimos convencê-los que havia chances de ele sobreviver”, relembrou a missionária Felicia.
Sorino vive sem sequelas na comunidade Catrimani. Ele recebe até hoje visita das missionárias da Consolata que o ajudaram — principalmente de Maria Silva, que ainda atua na missão dentro da Terra Yanomami.
Sorano Yanomami e Maria Silva, missionária católica, na comunidade Catrimani na Terra Yanomami em 2024
Divulgação/Diocese de Roraima
Para o médico neurocirurgião Mario Santacruz, que atendeu Sorino, não há explicação científica para esta recuperação do indígena.
Considerando a perda da substância cerebral, ele teria um déficit muito grande com danos motores, paralisia e problemas intelectuais. Fizemos todos os exames e constatamos que ele voltou ao normal, sem sequelas
Canonização de José Allamano
Imagem do padre José Allamano, canonizado pela igreja católica
Divulgação/Diocese de Roraima
O papa Francisco proclamou 14 novos santos neste domingo (20), durante a Missa na Praça de São Pedro. Entre eles, está o italiano José Allamano. Nascido em 21 de janeiro de 1851 em Castelnuovo D’Asti, Itália, foi um notável sacerdote católico que dedicou a vida ao serviço religioso e à expansão do trabalho missionário.
Allamano era reconhecido pelo trabalho missionário e fundou o Instituto Missões Consolata dos padres e irmãos em 1900, seguido pelo Instituto das Irmãs Missionárias da Consolata em 1910. Essas iniciativas expandiram o trabalho para várias regiões africanas e outros países ao redor do mundo — como o território Yanomami. Allamano morreu em fevereiro de 1926.
Na apresentação da canonização de José Allamano no sábado (19), na sala de imprensa do Vaticano, também estava presente Júlio Ye’kwana, presidente da Associação Wanasseduume Ye’kwana (Seduunme) e líder indígena do território Yanomami em Roraima.
Missão na Terra Yanomami
Pista de pouso clandestina feita por garimpeiros em terra indígena Yanomami
Reprodução/TV Globo
A Missão Catrimani com os missionários de Consolata na Terra Yanomami, que leva o nome do rio brasileiro ao oeste do estado de Roraima, foi criada pelo Concílio Vaticano II durante a década de 1960.
O bispo de Roraima e presidente da rede Eclesial Pan-Amazônica, dom Evaristo Spengler — que está em Roma para acompanhar a canonização de Allamano — destacou a importância da missão na crise sanitária vivida pelos Yanomami causada pela invasão do garimpo ilegal.
“Especificamente na Terra Yanomami, a missão não é de anúncio explícito do evangelho. Foi criada para o diálogo, valorização da cultura e do respeito à forma religiosa que o povo indígena vive, sem fazer proselitismo”, afirmou.
Crise Yanomami sem precedentes
Garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami sofreu uma redução entre março e agosto.
Com 9,6 milhões de hectares, a Terra Yanomami é o maior território indígena do Brasil em extensão territorial e enfrenta uma crise de saúde devido ao avanço do garimpo ilegal, com casos graves de indígenas com malária e desnutrição severa.
A Terra Yanomami está em emergência de saúde desde janeiro de 2023, quando o governo federal começou a criar ações para atender os indígenas, como o envio de profissionais de saúde e cestas básicas. Além de enviar forças de segurança a região para frear a atuação de garimpeiros.
Apesar das atividades de combate ao garimpo na região deflagradas em fevereiro de 2023, os invasores continuam em atividade. O Ministério dos Povos Indígenas estimou em março deste ano que 7 mil garimpeiros permanecem na região.
Leia outras notícias do estado no g1 Roraima.

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