23 de outubro de 2024

Bondinho do Pão de Açúcar funciona sem regulação há 25 anos; entenda o impasse entre União, Estado e Rio

O último contrato venceu em 1999 e desde então o serviço não é regulado. Segundo a Justiça, o bondinho é um meio de transporte e por isso o serviço deve ser licitado. A empresa alega explorar um serviço turístico de natureza privada. Após ser questionada pela reportagem, a Prefeitura do Rio disse que vai iniciar estudos para realizar uma nova licitação. Fotografia do livro “Pão de Açúcar: monumento natural”
Rafael Duarte/Divulgação
O bondinho do Pão de Açúcar – teleférico mais antigo do mundo – segue funcionando sem regulação desde 1999. São 25 anos desde o fim do último contrato que regulamentava o transporte de passageiros entre a Praia Vermelha e os morros da Urca e Pão de Açúcar, na Zona Sul do Rio.
O impasse sobre a nova licitação do bondinho envolve a Prefeitura do Rio, o Governo do Estado e o Governo Federal, além da Companhia Caminho Aérea Pão de Açúcar, responsável pela gestão do serviço desde 1909. A empresa entende que não precisa de um novo contrato de concessão, por realizar uma atividade privada voltada ao turismo.
O RJ2 ouviu especialistas para entender a disputa que dura mais de duas décadas, já teve decisão da Justiça contra a empresa e segue sem definição. Após ser questionada pela reportagem, a Prefeitura do Rio informou que “vai iniciar os estudos para a elaboração de uma licitação para o licenciamento do transporte”.
Acesso restrito
Segundo especialistas, a falta de uma nova licitação que possa estabelecer as regras para a utilização do espaço provoca instabilidades no serviço prestado aos usuários.
Bondinho do Pão de Açúcar fecha para turistas em um sábado
Há um mês, no dia 21 de setembro, a empresa que administra o Bondinho do Pão de Açúcar fechou o local para a realização de um casamento e impediu o acesso de turistas e cariocas ao bondinho em pleno sábado de sol. A cidade estava lotada por conta da realização do Rock In Rio.
O noivo do casamento é um funcionário de alto escalão da empresa que administra o bondinho, o Grupo Iter. Na época, a empresa não viu problemas em fechar o principal ponto turístico da cidade.
O diretor de relações institucionais do Grupo Iter, Paulo Gontijo, disse ao RJ2 que além do casamento o espaço precisava passar por manutenção e por isso o parque seria interditado.
“A gente tinha dois eventos acontecendo importantes. Um evento privado e uma manutenção que era necessária e que ia interditar o parque também. A gente sabia que isso ia ter um impacto”, disse o diretor.
Na opinião do professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Felipe Ponte, empresas que ocupam espaços públicos precisam ser submetidas a regras, inclusive sobre a definição do valor que será cobrado pelo serviço.
“Como acontece em outros equipamentos públicos também, você não deve fechá-lo pra uso privado. (…) Estamos falando aqui de um imóvel que é público. Aqueles imóveis pertencem à União. Agora, esse serviço, seguramente deveria se submeter às regras de universalidade, de modicidade tarifária”, explicou o professor.
“No modelo que tá hoje, por exemplo, a empresa pode cobrar o quanto ela quiser de tarifa”, afirmou Ponte.
Serviço público ou privado
No início do século XX, as reformas urbanas lideradas pelo então prefeito Pereira Passos mudaram a cara da cidade. Em 1908, ele começou a estruturar o projeto do teleférico. A ideia foi do engenheiro Augusto Ferreira Ramos.
Imagem antiga do Bondinho do Pão de Açúcar
Divulgação / Bondinho
O engenheiro conseguiu apoio e dinheiro de empresários e logo, em 1909, o prefeito Serzedelo Correia permitiu a construção do bondinho. A Companhia Caminho Aéreo Pão de Açúcar ganhou autorização para explorar o serviço por 30 anos.
Três anos depois, o bondinho começou a funcionar. Em 1939, a autorização foi renovada por mais três décadas. Em 1969, houve a primeira licitação. A empresa não teve concorrentes e obteve o direito de ficar por mais 30 anos.
Em 1999, a Prefeitura do Rio abriu mais uma licitação. Contudo, a Companhia Caminho Aéreo Pão de Açúcar não concordou e entrou na Justiça. A disputa nos tribunais durou quase 20 anos.
A empresa alegava não explorar um serviço público, mas sim um serviço turístico de natureza privada. E por isso, segundo a companhia, o município não poderia fazer uma licitação. Contudo, O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) teve outro entendimento sobre o caso.
Justiça autoriza licitação
A decisão da Justiça afirma que o bondinho é um meio de transporte, tanto que o preço dos serviços era, até então, fixado pela Secretaria de Transportes como tarifa.
Ainda segundo a decisão, “não se pode agora pretender modificar a natureza da relação jurídica à qual a empresa se submeteu, há cerca de um século, nem se tornar dona de todo o complexo”.
Bondinho do Pão de Açúcar com a lua cheia ao fundo
Marcos Serra Lima/G1
Depois de muitos apelos e recursos, em 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) deu a palavra final e decidiu a favor da prefeitura. Ou seja: o município poderia fazer uma nova licitação.
Contudo, mesmo depois de seis anos, e dois prefeitos a frente do cargo, a licitação nunca foi realizada. E o teleférico mais antigo do mundo – em funcionamento – permanece sem uma regulação.
Prefeitura estuda licitação
Questionada pela reportagem sobre a falta de licitação para o serviço no bondinho, a Prefeitura do Rio informou que o Morro da Urca pertence a União e que caberia ao Governo Federal realizar a licitação.
Já a União, em nota, respondeu que, apesar das áreas serem federais, a competência pela concessão de transporte público e de eventos não é do Governo Federal. Segundo eles, essas atividades estão sujeitas à legislação estadual e municipal.
Por outro lado, a Companhia Caminho Aéreo Pão de Açúcar reafirma que não se trata de contrato de concessão, mas de uma atividade privada voltada ao turismo.
Nesta terça-feira (22), após questionamentos feitos pelo RJ2, a Prefeitura do Rio de Janeiro enviou uma nova nota, onde informa que o município vai “iniciar os estudos para a elaboração de uma licitação para o licenciamento do transporte”.
Enquanto não há uma definição por parte das autoridades, a empresa que administra o espaço e o bondinho pode continuar atuando, determinando valor de tarifa e definindo os dias de fechamento do parque.
O que dizem os citados
Nota da Prefeitura do Rio:
“O processo em questão foi iniciado em 2004 e concluído em 2018. Ao assumir em 2021, a atual administração não foi comunicada sobre a possibilidade de concessão do serviço de transporte do bondinho. Após análise do processo, o município vai iniciar os estudos para a elaboração de uma licitação para o licenciamento do transporte, ressaltando que o terreno pertence à União”.
Nota da União:
“A Secretaria do Patrimônio da União, por meio da Superintendência do Rio de Janeiro, esclarece que as áreas denominadas Morro Pão de Açúcar e Estação do Bondinho do Pão de Açúcar, localizadas na Urca, Rio de Janeiro/RJ, estão regularizadas sob regime de Inscrição de Ocupação em nome da CIA Caminho Aéreo Pão de Açúcar. Essas áreas estão em dia com os pagamentos anuais das taxas de ocupação”.
“É importante ressaltar que essa regularização não se refere à concessão de transporte público, nem a eventos realizados na área, que estão sujeitos à legislação estadual e municipal. Além disso, não existem ações judiciais propostas pela Superintendência do Patrimônio da União no Rio de Janeiro nas quais a CIA Caminho Aéreo Pão de Açúcar figure como réu”.
Nota do Bondinho:
“O Parque Bondinho esclarece que não se trata de contrato de concessão, mas de atividade privada voltada ao turismo”.
Em outra nota, os gestores do Parque Bondinho argumentaram que “o direito de ocupação foi reconhecido definitivamente pela Justiça após amplo debate em várias instâncias. E que a questão foi examinada pelo Tribunal Regional Federal da segunda região, pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo Supremo Tribunal Federal, em ações que envolveram tanto o município do Rio quanto a União.
Segundo a empresa, a ações “transitaram em julgado em favor da Companhia Caminho Aéreo Pão de Açúcar. E o conjunto de decisões judiciais reconheceu de forma definitiva a Companhia como legítima ocupante da área em questão, reforçando que não se trata de uma concessão de serviço público de transporte e sim de atividade privada de turismo, não passível de licitação ou concessão”.

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