23 de outubro de 2024

Com líderes dos Brics tensionando relações com Ocidente, posição do Brasil fica ‘delicada’, apontam especialistas

Estudiosos ouvidos pelo g1 dizem que, em um contexto global acirrado, os Brics correm o risco de parecer, aos olhos de grandes potências, uma aliança ‘anti-ocidente’. Isso representa desafio para o papel do Brasil. Xi Jinping, Putin e Narendra Modi durante encontro dos Brics na Rússia.
Alexander Kryazhev/Brics via Reuters
Anfitrião da Cúpula dos Brics esta semana, o presidente Vladmir Putin, da Rússia, recebe presidentes para a plenária dos chefes de Estado, nesta quarta-feira (23), na tentativa de mostrar à comunidade internacional de que não está isolado e que tem o apoio de relevantes líderes globais.
A posição de Putin e o caminho que os Brics estão tomando nos últimos anos — em um contexto agravado pela invasão russa à Ucrânia e o protagonismo da Rússia e da China no bloco — tem transformado o grupo, segundo especialistas, em um desafio para a política externa brasileira.
Se, por um lado, o Brasil enxerga no Brics um importante instrumento para uma nova governança global — uma das demandas diplomáticas mais caras ao presidente Lula —; por outro, o país ainda depende de suas alianças com lideranças ocidentais. As potências ocidentais são cada vez mais desafiadas por Putin e Xi Jinping, presidente da China. Ambos são líderes influentes dos Brics.
O Brics, formado originalmente por Brasil, Rússia, China e Índia (África do Sul entrou num segundo momento), foi criado na tentativa de promover o crescimento das economias emergentes e uma reforma em instituições internacionais dominadas por potências ocidentais, com pouco espaço para demandas dos países em desenvolvimento, no entendimento do grupo.
No início do ano, outros países aderiram aos Brics: Egito, Etiópia, Irã e Emirados Árabes Unidos. A Arábia Saudita também integra a lista, mas não concluiu os trâmites para uma adesão formal.
Segundo especialistas ouvidos pelo g1, em um contexto global acirrado, os Brics correm o risco de parecer, aos olhos de grandes potências, uma aliança “anti-ocidente”.
Essa visão que coloca o Brasil em uma “posição delicada no tabuleiro internacional”, já que tradicionalmente o país é ligado ao Ocidente. É o que aponta o professor Guilherme Casarões, de Relações Internacionais da Fundação Getulio Vargas (FGV).
“A presença do Brasil bloco pode dificultar a manutenção de canais de diálogo com países ocidentais, sobretudo em temas ligados aos conflitos contemporâneos (Ucrânia, Gaza e, cada vez mais, Venezuela) e esse será um grande desafio brasileiro para os próximos anos”, avalia o especialista.
“Ainda assim, o governo Lula tem conseguido manter uma abordagem construtiva na política internacional, o que se evidencia nos trabalhos do G20, cuja cúpula ocorrerá no Rio de Janeiro, em novembro deste ano”, destaca Casarões.
Começa em Kazan, na Rússia, reunião de cúpula do Brics
É com essa premissa que o presidente deve se dirigir aos demais chefes de Estado do grupo na manhã desta quarta, por videoconferência. Lula viajaria para a Rússia para participar do encontro, mas teve a viagem cancelada por um acidente doméstico.
Países ‘parceiros’
Durante a reunião, o Brics vai discutir a criação de uma categoria de países parceiros. Cerca de 30 nações desejam ingressar pelo novo formato, entre eles Venezuela, Nicarágua, Bolívia, Cuba, Turquia, Nigéria, Marrocos e Argélia.
Por pressão do Brasil, no entanto, a Venezuela e a Nicarágua ficaram de fora da lista de possíveis parceiros do Brics.
O presidente Lula durante reunião no Alvorada nesta segunda-feira (21)
Ricardo Stuckert/ Palácio do Planalto
A entrada de países pouco democráticos no novo arranjo pode lançar dúvidas sobre os reais objetivos do grupo. Além disso, os Brics já contam, desde a fundação, com Rússia e China, países autoritários.
“Historicamente, somente Brasil e Índia (somados, posteriormente, à África do Sul) são regimes democráticos. Esse quadro se agravou ainda mais com a recente expansão no bloco, que incorporou regimes abertamente autoritários, como Irã, Egito, Arábia Saudita e Emirados Árabes”, afirma Guilherme Casarões.
Segundo Vanessa Braga Matijascic, professora de Relações Internacionais da FAAP, “todos os países podem ser candidatos em detrimento de regimes políticos serem democráticos ou autoritários”.
“O que resta a países defensores da democracia, como o Brasil, é tentar minimizar a presença de autoritarismos vindos da própria região e envolvidos em crises políticas, como Venezuela e Nicarágua, o que explica o recente posicionamento do governo Lula de se opor à entrada desses países”, reitera Casarões.
Presidência do Brasil
Ao mesmo tempo, especialistas afirmam que a entrada de novos membros pode fazer com que o grupo diminua a sua “operabilidade”.
De acordo com o professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), Roberto Goulart Menezes, o Brasil acredita que um grupo muito grande é inoperável e que o peso do país poderá diminuir o movimento de entrada de outras nações.
Na visão dele há, de fato, pontos conflitantes dentro do bloco. Mas, a posição de um país não costuma ser vista pela comunidade internacional como uma visão do grupo em geral.
“A China tem como objetivo aumentar o Brics e projetar seu poder global. O que a China quer é que haja um maior número possível de países, para projetar usa influência. A Rússia tem esse desejo [de contrapor as potências ocidentais], para tentar romper o cerco que sofre hoje por conta da guerra. Enquanto outros países, como Brasil e Índia, não querem ser vistos como ‘anti-Estados Unidos'”, explica.
Segundo ele, o Brics é um bloco geopolítico, “que não converge em todas as posições”.
No próximo ano, o Brasil assume a presidência do Brics e deverá pautar temas que considera as próprias prioridades para política externa. Como combate à fome, desenvolvimento sustentável e redução da desigualdade.
Mas, na visão de Vanessa Braga, o Brasil assume uma “posição pragmática” e busca outros relacionamentos alternativos globais para verificar quais serão as futuras vantagens.
“Contudo, assume o risco de sofrer retaliações comerciais e possível perda de competitividade na venda de produtos para a exportação, como é o exemplo da pressão que a Arábia Saudita sofreu por parte dos Estados Unidos que compra um volume importante de petróleo deste país do Oriente Médio”, destaca a especialista.

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