28 de outubro de 2024

Os bastidores da investigação que expôs centenas de abusos sexuais na Igreja Católica

O assunto veio à tona em 2002, em uma série de reportagens publicadas pelo jornal The Boston Globe. Um trabalho minucioso que ilustra a importância do jornalismo investigativo. Time de jornalistas investigativos revelou o mais notório escândalo de abuso sexual na Igreja Católica
Neste mês de outubro, a Arquidiocese de Los Angeles, nos Estados Unidos, se comprometeu a indenizar mais de 1,3 mil vítimas de abuso sexual praticado por mais de 300 padres. O total pago por apenas essa diocese ultrapassa R$ 8, 5 bilhões. Este é mais um escândalo sexual enfrentado pela Igreja Católica americana.
O mais notório deles veio à tona em 2002, em uma série de reportagens investigativas publicadas pelo jornal The Boston Globe. Um trabalho minucioso, que ilustra a importância do jornalismo profissional para a sociedade. O Fantástico foi a Boston contar os bastidores dessa história que marcou épica e virou filme vencedor de Oscar. Veja no vídeo acima.
O início da investigação
Em 2001, no primeiro dia de Martin Baron como editor-chefe do Boston Globe, uma coluna de Eileen McNamara chamou sua atenção. A coluna relatava mais de 80 denúncias de pedofilia contra um padre em cinco paróquias da Arquidiocese de Boston ao longo de 28 anos.
“Quando eu li aquilo, meu instinto foi perguntar: a gente pode encontrar a verdade?”, diz Marty Baron, ex-editor-chefe do Boston Globe
Martin Baron decidiu que o jornal entraria na Justiça para ter acesso aos documentos, surpreendendo a equipe ao sugerir processar a Igreja Católica. A equipe do Spotlight – holofote, em português, um pequeno núcleo de jornalismo investigativo do jornal, foi encarregada da investigação.
O passo a passo dessa investigação é mostrado em: “Spotlight, Segredos Revelados”, vencedor do Oscar de melhor filme em 2016.
“Nenhum de nós sabia quão grande aquela história era. A gente começou investigando um padre e achou que era uma história importante. E logo ficamos sabendo de mais cinco ou seis padres”, conta Michel Rezendes.
“Spotlight, Segredos Revelados”, vencedor do Oscar de melhor filme em 2016
Reprodução/TV Globo
Relatos de vítimas
Para cada padre pedófilo identificado, também apareciam muitas vítimas. Uma delas foi Alexa Macpherson. Desde os 18 anos, quando resolveu denunciar publicamente o abuso que sofreu, ela tem sido uma das principais ativistas contra a pedofilia na igreja.
O caso dela está detalhado em um site que reúne centenas de relatos e documentos. Lá estão o nome e as fotos do padre Peter Kanchong, que abusou de Alexa e de dois irmãos dela.
“Quando eu tinha três ou quatro anos, esse padre tailandês chegou à paróquia. Minha mãe era muito religiosa. Meus pais convidaram o padre para jantar e ele passou a frequentar a nossa casa. E durante anos e anos e anos, ele abusou não só de mim, mas de dois irmãos meus. Eu fui molestada e estuprada repetidas vezes”, relata a vítima.
Quando denunciado, o caso foi abafado pelas autoridades locais.
“A polícia, promotores, a justiça, todas essas instituições foram cúmplices, acobertando casos de abuso sexual”, ressalta Rezendes.
Caso Alexa Macpherson
Reprodução/TV Globo
Acobertamento dos casos pela igreja
O esquema chegava à maior autoridade da igreja em Boston: o cardeal Bernard Law. Os repórteres do Boston Globe conseguiram descobrir um arquivo com a anotação “licença médica” ao lado dos nomes de padres acusados de pedofilia. Mas eles simplesmente eram transferidos para outras dioceses, onde ninguém sabia que um abusador havia chegado, e tinha acesso às crianças.
“O grande impacto da investigação jornalística foi comprovar com documentos que a igreja sabia, o cardeal sabia. E não só sabia como estava trabalhando ativamente para acobertar os casos, e garantir que os religiosos pedófilos não fossem alcançados pela Justiça”, destaca Bridi.
A edição do Boston Globo em 6 de janeiro de 2002 foi devastadora, com relatos de vítimas, pilhas de documentos e provas de acobertamento. O Cardeal Law renunciou à arquidiocese de Boston, mas foi nomeado pelo Papa João Paulo II para uma das mais importantes igrejas de Roma.
Cardeal Bernard Law
Reprodução/TV Globo
Novos casos revelados
Desde o Spotlight, centenas de casos de abuso foram revelados, na igreja católica e em outras religiões. O próprio Rezendes conseguiu, no ano passado, provas de que a igreja Mórmon oferecia fortunas para calar vítimas de abuso.
A igreja católica fez reformas, mas continua sendo cobrada.
Procurada pela reportagem, a arquidiocese de Boston disse, em nota, reconhecer que trabalho profundo da imprensa levou a igreja a reconhecer seus crimes e pecados. E que o jornalismo abriu uma porta pela qual a igreja tem passado, respondendo às necessidades dos sobreviventes.
“Esse caso mostrou como o jornalismo investigativo é difícil e o que é preciso para fazê-lo da forma correta. E mostrou como jornalistas e toda a sociedade precisam ouvir pessoas que não têm poder, porque elas geralmente têm coisas poderosas a dizer”, afirma Boron.
Escândalo sobre pedofilia na igreja católica
Reprodução/TV Globo
Outras investigações
No Boston Globe, um novo time de repórteres, liderado por Brendan MacCarthy, continua fazendo investigações profundas que mudam leis e salvam vidas.
“A gente tem esse mantra, uns adesivos que dizem “fatos importam”. E isso é uma coisa que anos atrás eu não acreditava que a gente precisaria reiterar ou repetir. Mas fatos são nossa moeda, nosso patrimônio”, diz Brendan.
Depois do Boston Globe, Martin Baron dirigiu a redação do Washington Post — jornal cujas revelações já haviam acelerado o fim da Guerra do Vietnã e levado um presidente americano à renúncia.
“A palavra-chave aqui é examinar. Significa que não somos datilógrafos. Não estamos aqui para transcrever o que as pessoas dizem e publicar. Nosso trabalho é examinar. Olhar atrás da cortina, debaixo da superfície”, pontua.
Em um livro sobre a venda do jornal ao bilionário Jeff Bezos e o mandato de Donald Trump, Baron revela que teve de dobrar o número de jornalistas que separam o fato do fake.
“A democracia não sobrevive sem as organizações de imprensa que possam oferecer os fatos para que as pessoas possam tomar decisões. Então, se a imprensa não sobrevive, a democracia também não sobrevive. Eu tenho fé no jornalismo. Tenho fé na reportagem dos fatos, em seu poder, seu impacto e sua capacidade de fazer do mundo um lugar melhor”, destaca Rezendes.
Investigações revelam crimes em igrejas
Reprodução/TV Globo
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