Ganhos do candidato republicano nas pesquisas recentes aumentam temores sobre um possível aumento de tarifas, emissão de dívidas e piora do cenário de combate à mudança climática. Donald Trump, ex-presidente e candidato a um novo mandato na Casa Branca, durante comício em Michigan
Carlos Barria/Reuters
Crescimento baixo, alto endividamento e a escalada das guerras foram os principais temas da agenda oficial das reuniões anuais do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial que aconteceu na semana passada.
Entre as temáticas, no entanto, uma despontou: a crescente preocupação dos líderes financeiros com os possíveis impactos de um retorno de Donald Trump ao poder nos Estados Unidos, após as eleições presidenciais de novembro.
Os ganhos do candidato republicano nas pesquisas recentes conseguiram apagar grande parte da vantagem inicial de sua oponente democrata, a vice-presidente Kamala Harris — e fizeram parte de quase todas as conversas entre autoridades financeiras, banqueiros centrais e grupos da sociedade civil que participaram das reuniões em Washington na última semana.
Entre as preocupações, estava o potencial de Trump de revirar o sistema financeiro global com aumentos de tarifas, trilhões de dólares a mais em emissão de dívidas e uma reversão do trabalho de combate à mudança climática em favor de mais produção de energia a partir de combustíveis fósseis.
“Todos pareciam preocupados com a grande incerteza sobre quem se tornará o próximo presidente e quais políticas serão adotadas pelo novo presidente”, disse o chefe do Banco do Japão, Kazuo Ueda.
Outro banqueiro central, falando sob condição de anonimato, descreveu as preocupações de forma mais direta: “Está começando a parecer que Trump vai ganhar”.
Trump prometeu impor uma tarifa de 10% sobre as importações de todos os países e 60% sobre as importações da China. Isso atingiria as cadeias de oferta em todo o mundo, provavelmente provocando retaliações e aumentando os custos.
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O ministro das Finanças da Alemanha, Christian Lindner, disse à Reuters na sexta-feira que só haveria perdedores em uma guerra comercial entre os EUA e a União Europeia.
Trump também procurou seduzir os eleitores dos EUA com ofertas de várias isenções fiscais, desde a extensão de todos os cortes de impostos individuais de 2017 até a isenção de renda de gorjetas, pagamento de horas extras e benefícios de aposentadoria da Previdência Social.
Analistas orçamentários dizem que isso acrescentaria pelo menos mais US$ 7,5 trilhões (R$ 42,9 trilhões) em novas dívidas dos EUA ao longo de uma década, além dos US$ 22 trilhões (R$ 125,7 trilhões) em crescimento da dívida estimados anteriormente pelo Escritório de Orçamento do Congresso até 2034.
Uma vitória de Kamala, por outro lado, está sendo vista pelas autoridades financeiras como uma continuação da reaproximação vista nos últimos quatro anos da gestão do presidente norte-americano, Joe Biden, na cooperação multilateral de vários temas relevantes, como o clima, impostos corporativos, alívio da dívida e reformas dos bancos de desenvolvimento.
A leitura é que os planos de Harris também aumentem a dívida, mas muito menos do que os de Trump.
Biden manteve em vigor as tarifas anteriores do republicano sobre importações de aço, alumínio e produtos chineses — chegando a aumentar bastante as taxas sobre as importações chinesas em novos setores, como veículos elétricos e energia solar. Kamala endossou essa abordagem “direcionada” e criticou os amplos planos tarifários de Trump.
Mercados apostam em Trump
Os mercados financeiros estão vendo um retorno das negociações sob o fator Trump em ativos, desde ações até bitcoin e peso mexicano, que apostam em uma vitória do republicano à medida que seus números nas pesquisas melhoram.
O dólar registrou seu maior ganho mensal em mais de dois anos e meio. Steve Englander, analista do Standard Chartered, atribuiu 60% do movimento de alta da moeda norte-americana às perspectivas melhores para a vitória de Trump nos mercados de apostas.
O presidente do Banco Central do Brasil, Roberto Campos Neto, disse que as apostas do mercado pró-Trump já estão tendo um impacto inflacionário sobre os juros futuros de longo prazo nas economias sensíveis ao dólar, acrescentando que tanto os planos fiscais de Trump quanto os de Kamala têm elementos inflacionários.
As preocupações sobre uma reviravolta de Trump em relação ao comércio e aos gastos surgiram quando o FMI declarou que a batalha global contra a inflação havia sido amplamente vencida sem grandes perdas de empregos, já que a força dos EUA estava compensando a fraqueza da China e da Europa.
A diretora-gerente do FMI, Kristalina Georgieva, pediu às autoridades que comecem a reduzir a enorme pilha de dívidas induzidas pela Covid-19 ou enfrentarão um futuro de baixo crescimento que deixará as populações cada vez mais insatisfeitas.
Questionada sobre como o espectro de um retorno de Trump impactou as reuniões e as recomendações do FMI, Georgieva disse que as discussões se concentraram em resolver os problemas econômicos em questão.
“O sentimento dos membros é que as eleições são para o povo norte-americano”, disse Georgieva em uma coletiva de imprensa. “O que cabe a nós identificar é quais são os desafios e como o FMI pode enfrentá-los de forma construtiva.”