Proposta de filme da roraimense Glycya Makuxi, de 30 anos, está entre as 20 selecionadas em às 600 inscrições feitas ao projeto Laboratório de Narrativas Negras e Indígenas da Globo. Glycya Makuxi nos estúdios Globo
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A professora de História, psicóloga e comunicadora indígena roraimense Glycya Makuxi, de 30 anos, agora pode dizer: “mãe, tô na Globo”. Isso porque ela está entre as 20 pessoas selecionadas para participar do Laboratório de Narrativas Negras e Indígenas para Audiovisual (LANANI), promovido pela Globo, em parceria com a Festa Literária das Periferias (Flup).
Glycya é da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, no município de Normandia, região Norte de Roraima. A família dela faz parte da histórica e emblemática luta dos povos indígenas pela demarcação do território, em 2005.
Selecionada para a 8ª edição do projeto em meio as mais de 600 inscritos, Glycya quer aproveitar para aprender tudo sobre roteiro audiovisual e colocar em prática a história do território sobre a percepção da própria família.
“Acredito que carrego a responsabilidade de continuar e contribuir com o legado de quem veio antes de mim, aos parentes e parentas que já estão no meio, que batalham todos os dias para terem espaço nesse mercado competitivo”, disse ela, acrescentando que:
“Senti que as vozes amazônidas estão chegando cada vez mais longe no audiovisual, e fico feliz em participar disso”.
O título da ideia de longa-metragem que pretende produzir ainda é uma surpresa. Mas, ao g1, Glycya adiantou que se trata da história de uma professora determinada a combater as consequências socioculturais e ambientais do garimpo ilegal na Raposa Serra do Sol, local em que a comunicadora nasceu, mas que no roteiro será uma comunidade fictícia.
“Quero contar a história do nosso ponto de vista, sem personagens com a síndrome do ‘branco salvador’ e mostrar que nós temos voz e podemos nos defender. O título ainda é surpresa, até para mim. Estamos no processo de escrita do argumento e, ao fim, espero que consigamos vê-lo nas telinhas”.
Durante o Laboratório na Globo, ela vai ter aulas e mentorias sobre roteiros e produções audiovisuais. O pontapé inicial foi um encontro presencial nos Estúdios Globo, o “Projac”, no Rio de Janeiro, entre os dias 7 a 11 de outubro.
“Conhecer o que tem por trás de todos os projetos que a gente vê na TV foi como se eu estivesse indo para Disney. Sabe aquela criança que sonha ir para Disney? Então, eu estava na minha Disney”, relembrou.
A comunicadora Gleycy Makuxi foi até o Rio de Janeiro conhecer o “Projac”
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Desenvolvimento para roteiristas
Ao longo do Laboratório, os participantes terão 10 aulas, todas online. O projeto iniciou no dia 16 de setembro e segue até o dia 1 de dezembro. A ideia é que seja um processo de desenvolvimento para roteiristas, com o objetivo abrir a porta do mercado para autores negros e indígenas, como é o caso da Glycya.
A personagem central do material produzido por Glycya é uma professora, o que também reflete a história dela com a educação indígena.
“A inspiração vem da minha família, que é composta por professores e professoras indígenas, a maioria em lugares de liderança”, conta.
Glycya é filha do professor Telmo Ribeiro, que em 2020 ficou conhecido nacionalmente por percorrer 30 Km e atravessar igarapé com água no pescoço para imprimir atividades de alunos indígenas no interior Roraima.
Ela também relembrou que durante a demarcação da Raposa ela e seu pai foram ameaçados. “A gente contou com auxílio policial, segurança policial. Então, minha história começa na Raposa Serra do Sol. Por isso digo que sou filha de lá.”
A irmã dela, Ellie Makuxi, protagonizou uma série na Globo sobre a luta dos povos originários e ancestralidade – e foi com ela que Glycya começou na área de produção de roteiros, fazendo conteúdo para as redes sociais.
“A gente começou a fazer os vídeos dela, roteirizar, pensar nas histórias, e ali eu fui conhecendo outro lugar da comunicação. Outro lugar do audiovisual indígena, fui conhecendo outras pessoas”, relembrou ela, que também administra o perfil “Levante Indígena”, voltado para informações sobre os povos originários. Glycya também comunicadora popular na Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab).
Glycya Makuxi conheceu as cidades cenográficas dos Estúdios Globo
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Ao longo das sete adições anteriores, o LANANI revelou inúmeras potências artísticas, que contribuem para o mercado audiovisual mais diverso. Exemplos recentes de talentos oriundos do projeto são Cleissa Regina (Terra e Paixão, As Five 2 e 3), Hela Santana (Histórias Impossíveis e Encantado’s), Renata Sofia (Vai na Fé e No Rancho Fundo), Kariny Martins (Espécie Invasora) e Dione Carlos (Guerreiros do Sol).
Na edição deste ano, Glycya e os demais colegas participam de mentorias com roteiristas consagrados na emissora, entre eles Jorge Furtado, Rosane Svartman e Antonio Prata.
“Eles estão treinando, nos capacitando para entrar nesse mundo, porque por mais que no final eles não comprem o nosso projeto, a gente já vai estar mais capacitado e vai entrar no banco de talentos deles”, conta a jovem roteirista.
8º Laboratório de Narrativas Negras e Indígenas para Audiovisual
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Outra roraimense nos Estúdios Globo
Em 2023, outra roraimense foi selecionada para participar do projeto LANANI: a pesquisadora de línguas e culturas dos povos indígenas, graduada pelo curso de Gestão Territorial Indígena da Universidade Federal de Roraima, e ativista indígena, Jama Wapichana, de 27 anos.
À época, ela se inscreveu com o projeto “A Jornada da Mulher Kanaimé”. O trabalho foi escolhido, desenvolvido e vendido para a Globo.
“A Jornada da Mulher Kanaimé” conta a história de uma jovem indígena Macuxi que retornou ao seu lugar de origem ao se tornar advogada. Ela queria investigar a morte de seu avô por um Kanaimé – um espírito indígena. Nisso, a jovem se envolve com o caso e começa a descobrir mais sobre si mesma e sua identidade familiar.
Atualmente, Jama segue com o trabalho de desenvolver filmes com narrativas indígenas. Ela faz parte da Associação Roraimense de Cinema (Arcine).
“Venho de uma caminhada de outros laboratórios, mas para mim, a Globo foi muito definitiva. Um olhar agregador”, resume Jama.
Ela conta que o LANANI possibilitou que reafirmasse as suas origens e a preparou para o mercado audiovisual.
“Pude conhecer grandes cineastas. Tive mentores. Entrei com propósito também, as nossas narrativas têm propósito”, afirmou.
Jama Wapichana participou do Lanani em 2023
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*Estagiária sob supervisão e edição de Valéria Oliveira, do g1 RR
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