Francis Ford Coppola pagou US$ 120 milhões em filme descontrolado que só poderia ser feito por um dos maiores diretores de todos os tempos. Obra estreia nesta quinta (31). Somente um dos maiores diretores de todos os tempos, como Francis Ford Coppola (“O poderoso chefão”), poderia fazer “Megalópolis” – uma obra megalomaníaca, autoindulgente, exageradamente teatral e incrível, pelo menos como experiência (sensorial? Artística?).
Para a realização de seu sonho de longa data, o cineasta responsável ainda por clássicos como “Apocalypse now” (1979) e “Drácula de Bram Stoker” (1992), financia do próprio bolso o orçamento estimado em cerca de US$ 140 milhões.
Sem as amarras das sessões de teste e da aversão a riscos dos executivos de grandes estúdios, Coppola cria algo que talvez não funcione tão bem como um filme, mas esse não parece o objetivo.
A produção tem uma estrutura irregular, atuações e diálogos exagerados e diversos problemas técnicos, mas ao contrário de muitos de seus contemporâneos em momento algum pode ser acusado de ser tedioso – alguém aí falou “Coringa: Delírio a dois”?
“Megalópolis” estreia nesta quinta-feira (31) nos cinemas brasileiros como uma jornada alucinante e sem freios pelas ambições e desejos de um mestre. A falta de restrições provoca diversos obstáculos e, às vezes, é difícil saber se o público ri de Coppola ou junto do diretor.
Quem liga? Assistir ao filme nos cinemas é certamente uma experiência única – uma pena que o para lá de mediano “Venom: A última rodada” tenha tomado todos os espaços nas maiores telas.
Assista ao trailer de ‘Megalópolis’
O que é de Cesar
Inspirado pela tentativa frustrada de golpe de um senador romano décadas antes de Cristo, Coppola conta a história da decadência de uma versão dos Estados Unidos disfarçada como Nova Roma.
No futuro próximo do roteiro, uma espécie de arquiteto governamental (Adam Driver) enfrenta políticos, banqueiros e seus próprios sentimentos para criar uma metrópole utópica.
Assim como o cargo do protagonista, muito pouco é explicado ou sequer contextualizado – parte da magia da “fábula”, como o próprio diretor define o filme.
Em uma imensa ironia, a narração na voz profunda de Laurence Fishburne (o Morpheus, de “Matrix”) mais confunde que esclarece.
Giancarlo Esposito em cena de ‘Megalópolis’
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Com o tempo, no entanto, o espectador mais desencanado aprende que é melhor abandonar a busca por pistas ou significados e se deixar levar pela montanha-russa montada pelo cineasta.
Aqueles que conseguem têm tudo para aproveitar um dos passeios mais divertidos do ano – caso contrário, podem realmente ser longas duas horas e 18 minutos.
Defeitos que ajudam
Assim como a atração de um parque de diversões, a estrutura da trama é irregular e cheia de altos e baixos. Também há um quê de circo no exagero das atuações e dos diálogos.
Passada a estranheza, a maioria absoluta do elenco tremendo – de Driver (da última trilogia de “Star Wars”) a Giancarlo Esposito (“Breaking Bad”) e Aubrey Plaza (“White Lotus”) – se aproveita do absurdo para atingir interpretações inegavelmente lúdicas.
A grande exceção é Nathalie Emmanuel (“Game of thrones”). Apesar de ser uma das protagonistas, a britânica simplesmente não exibe alcance suficiente para acompanhar os companheiros, sempre uns dois níveis abaixo dos demais.
Aubrey Plaza em cena de ‘Megalópolis’
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Mesmo com o orçamento de um blockbuster contemporâneo, quem também sofre são os departamentos de arte e de efeitos visuais, talvez pelo estilo de filmagem do diretor, conhecido por uma participação mais direta – e arredia – em diferentes aspectos da produção.
Cenários que tentam improvisar uma suposta opulência e modernidade em uma sala simples e meio vazia são comuns e invariavelmente provocam certa tristeza, só superada pelas cenas grandiosas prejudicadas por computações gráficas gritantes.
No fim, até os defeitos são incorporados quase que sem querer na alma kitsch do filme. Tudo é meio ridículo, meio improvisado, 100% exagerado, mas deliciosamente divertido.
“Megalópolis” é a fábula sobre o sonho de utopia de um artista apaixonado, que não liga para detalhes como limites ou até a oposição de terceiros para atingir seu projeto-fetiche – e Coppola transmite isso na tela como só um dos maiores poderia fazê-lo.
Cartela resenha crítica g1
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Cena de ‘Megalópolis’
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