27 de dezembro de 2024

‘Se Trump vencer, ele fará dos EUA um perdedor global ao derrubar a ordem internacional que existe’


Jacob Heilbrunn, editor da revista de política externa The National Interest, explica como ele espera que os EUA e o mundo mudem com uma eventual nova presidência do candidato republicano. ‘Trump adere a uma mentalidade anterior à Segunda Guerra Mundial’, diz Heilbrunn.
Getty Images via BBC
Como alguém que pesquisou a direita política dos EUA e suas influências globais, Jacob Heilbrunn está convencido de que um segundo governo de Donald Trump seria muito diferente do primeiro.
“Trump se radicalizou nos últimos quatro anos”, argumenta Heilbrunn, que é editor da publicação de política externa The National Interest e membro do Eurasia Center do think tank americano Atlantic Council.
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Na sua opinião, o candidato republicano à presidência quer evitar o que considera serem erros do seu primeiro mandato (2017-2021) — e realizaria “uma presidência revolucionária, tanto na política interna quanto externa”.
Se Trump for reeleito, “ele entrará para a história como um dos presidentes mais influentes, porque vai derrubar a ordem internacional que existe nos últimos 70 ou 75 anos”, afirmou Heilbrunn em entrevista à BBC News Mundo, serviço de notícias em espanhol da BBC.
O problema, segundo ele, é que “isso seria um bumerangue, tanto econômica quanto militarmente” — e “prejudicaria a posição privilegiada de que os EUA desfrutam”.
A seguir, você confere um resumo da entrevista por telefone com o autor de America Last (“Estados Unidos por último”, em tradução livre), livro publicado neste ano sobre “o romance centenário da direita (americana) com ditadores estrangeiros”.
BBC News Mundo – O que você espera da política externa dos EUA se Donald Trump for reeleito?
Jacob Heilbrunn – Esperaria uma revisão drástica dos últimos 70 anos da política externa americana, que desde a Segunda Guerra Mundial tem se baseado no livre comércio e em alianças na Ásia e na Europa.
Trump adere a uma mentalidade anterior à Segunda Guerra Mundial. Ele acredita que os Estados Unidos podem funcionar como uma fortaleza que não necessita de alianças com países democráticos, e que o livre comércio internacional é prejudicial à economia americana.
BBC News Mundo – Trump já foi presidente dos Estados Unidos. Mas parece que você não espera uma continuação do que foi a política externa do seu primeiro mandato, mas uma mudança fundamental…
Heilbrunn – Sim. No primeiro mandato, ele ultrapassou os limites, atacou a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e se aproximou da Coreia do Norte e da Rússia, mas não cortou nossos laços tradicionais na Ásia ou na Europa. Ele ameaçou fazer isso. Desta vez, a ameaça se tornaria realidade.
Acho que ele abandonaria formalmente a Otan ou simplesmente declararia que não acredita no artigo 5 (do tratado da Otan), que compromete a defesa mútua.
Na Ásia, ele deixou claro que está cada vez mais impaciente com a Coreia do Sul. E também levantou dúvidas sobre se defenderia Taiwan no caso de uma invasão da China.
Portanto, acho que veríamos o caos no exterior.
EUA: Economia é desafio para Donald Trump e Kamala Harris atraírem votos
BBC News Mundo – Você mencionou a possibilidade de os EUA deixarem a Otan com Trump de volta à Casa Branca. Mas o Congresso americano aprovou uma lei em dezembro que torna isso mais difícil para um presidente, porque ele precisaria de uma maioria especial no Senado ou de uma nova lei. Isso não limita as chances de saída?
Heilbrunn – Não. Trump não precisa sair oficialmente. Ele só precisa anunciar na Casa Branca que não defenderá os países bálticos se eles forem invadidos pela Rússia. Ele pode anular o compromisso dos EUA com a Otan simplesmente fazendo essa declaração.
Ele pode dizer: “Continuamos sendo membros, mas não vamos cumprir estas obrigações que existem porque os países da Otan não estão cumprindo suas obrigações”. Ele dirá que eles não estão gastando o suficiente em suas defesas, e que não é um dever dos EUA compensar isso.
Toda essa questão dos gastos militares é um pretexto para Trump. Na verdade, não acredito que ele se importe muito se os países da Otan gastam ou não o mínimo de 2% (de seu Produto Interno Bruto em defesa).
Ele sempre criticou a nossa aliança na Europa. Disse que nossos aliados nos enganam e riem de nós, tanto na Europa quanto na Ásia. Em um novo mandato, ele poderia agir de acordo com essas convicções.
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BBC News Mundo – Você está dizendo que essa mudança de política decorreria de uma crença de Trump sobre a posição dos Estados Unidos no mundo e o papel dos homens fortes na política externa, e não da influência de seus assessores?
Heilbrunn – Sim, embora deva-se ter em mente que, em um segundo mandato, ele teria conselheiros mais alinhados com seus pontos de vista.
Ele já disse que não vai cometer o mesmo erro do primeiro mandato, que foi nomear assessores do establishment.
Se ele for reeleito, será uma presidência revolucionária, tanto na política interna quanto na política externa. Ele entrará para a história como um dos presidentes mais influentes, porque vai derrubar a ordem internacional que existe há 70 ou 75 anos.
Ele acredita que os EUA estão sendo enganados, e deixou explícito que prefere trabalhar com autocracias em vez de democracias.
A saída da Otan começaria pelo abandono da Ucrânia. Ele forçaria uma negociação de paz cortando o fornecimento de armas à Ucrânia. Obrigaria a Ucrânia a chegar a algum tipo de acordo com a Rússia. Basicamente, entregaria a Ucrânia à Rússia, e esse seria o início do processo.
BBC News Mundo – Trump descreve o presidente Biden como um líder fraco, e promete uma política externa que fortaleça os EUA: um vencedor global que manteria o mundo sob controle. Isso seria esperado se ele fosse reeleito?
Heilbrunn – Não, como destaco no meu livro, acho que isso coloca os Estados Unidos em último, e não em primeiro lugar. A ideia de que não nos beneficiamos das nossas alianças no exterior ou do livre comércio é profundamente equivocada.
Trump aniquilaria as vantagens que os EUA desfrutam, incluindo essas alianças que multiplicaram seu poder militar no exterior, fizeram o dólar funcionar como moeda de reserva mundial e desencadearam uma era de ouro de proezas econômicas.
Heilbrunn acredita que a estratégia dos EUA em relação à Ucrânia pode mudar radicalmente com Trump na Casa Branca.
Getty Images via BBC
Acho que essa é uma receita para voltarmos ao caos da década de 1930, quando tivemos a Grande Depressão, que começou com as tarifas altíssimas que Trump promete reintroduzir.
As tarifas desempenharam um papel importante na geração da Grande Depressão, e acredito que Trump desencadearia uma recessão novamente, se não uma depressão.
BBC News Mundo – Você poderia falar mais sobre as consequências de os EUA reconsiderarem seu apoio à Otan e às suas alianças na Europa e na Ásia?
Heilbrunn – O problema com a abordagem de Trump é que, sem os EUA na Europa, haveria um retorno à situação anterior à Segunda Guerra Mundial, na qual o nacionalismo floresceria, a Rússia se tornaria uma potência mais agressiva e cada nação tentaria se defender.
Por exemplo, a Polônia muito provavelmente tentaria desenvolver uma arma nuclear para se proteger da Rússia. Já há vozes em Moscou pedindo que a Rússia ataque a Polônia e os países bálticos.
Não acredito que esse tipo de desordem internacional beneficie os EUA.
BBC News Mundo – O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, disse em junho que Trump corre o risco de se tornar um “presidente perdedor” se for reeleito e aprovar um acordo de paz ruim com a Rússia. Isso seria possível quando Trump construiu sua carreira política e empresarial com base na imagem de um vencedor?
Heilbrunn – Bem, Trump sempre passou a imagem de um vencedor, seja ela real ou não. Ele foi à falência pelo menos seis vezes, mas se apresenta como um empresário de grande sucesso.
Seu objetivo não é alcançar um acordo que preserve a Ucrânia. Ele já disse que a Ucrânia como nação acabou.
Ele acredita que o país deve ser incorporado pela Rússia, e que um acordo de esferas de influência pode ser criado: se der à Rússia os Estados Bálticos e a Ucrânia, e talvez se der à China Taiwan, cria-se essas esferas de influência em que cada grande potência controla sua própria vizinhança.
BBC News Mundo – Trump criticou a ajuda do governo Biden à Ucrânia. Mas até que ponto está claro como ele agiria como presidente em relação à Ucrânia e à guerra contra a Rússia? Porque ele não disse exatamente o que faria…
Heilbrunn – Seu companheiro de chapa, J.D. Vance, delineou de forma mais metódica o que eles planejaram, que é basicamente ceder às exigências de Vladimir Putin, dar a ele (a região ucraniana de) Donbas, não levar a Ucrânia para a Otan e dar um respiro a Putin. Ou seja, absorveria Donbas e ficaria com todos os territórios que conquistou até agora, se não mais.
E então, se Putin atacasse dentro de um ou dois anos para tomar o resto da Ucrânia, Trump simplesmente daria de ombros.
BBC News Mundo – E o que você esperaria da política de Trump em relação à China, especialmente no caso de a China invadir Taiwan?
Heilbrunn – Ele tem sido ambíguo sobre se defenderia Taiwan ou não. E acho que Trump manifestou sua admiração por Xi Jinping.
Ao mesmo tempo, ele vê a China como um concorrente econômico. Por isso, acredito que ele tentaria desafiar a China mais economicamente do que militarmente.
BBC News Mundo – De fato, quando era presidente, Trump iniciou uma guerra comercial com a China. E Biden aplicou tarifas em novos setores, como o de veículos elétricos. Como você imagina a política comercial dos EUA sob outro governo de Trump?
Heilbrunn – Trump falou sobre a imposição de tarifas de 60% a 80% sobre os produtos chineses. Acredito que isso teria um efeito devastador sobre a economia dos EUA porque, quer ele reconheça ou não, isso é um imposto sobre o consumidor americano.
Trump ‘tentaria desafiar a China mais economicamente do que militarmente’, avalia Heilbrunn.
AFP via BBC
Os países estrangeiros não pagam essas tarifas. São os americanos que fazem isso, as empresas americanas que importam esses produtos.
BBC News Mundo – Com a escalada das guerras no Oriente Médio, será que Trump adotaria uma nova abordagem em relação à região e ao apoio dos EUA a Israel?
Heilbrunn – Acho que o apoio dele seria mais aberto.
Biden alertou contra a escalada, tentando moderar o conflito. Trump disse publicamente a Benjamin Netanyahu há alguns meses, se referindo à guerra na Faixa de Gaza: “Acabe com isso”.
A tendência de Trump seria aumentar a aposta, ir com tudo e provavelmente fazer com que Israel atacasse as instalações nucleares do Irã. E isso seria muito perigoso.
BBC News Mundo – Você também prevê grandes mudanças nas relações dos EUA com o México e a América Latina em geral se Trump voltar à Casa Branca?
Heilbrunn – Sem dúvida girariam em torno da questão da imigração e dos produtos importados do México.
Trump, em seu primeiro mandato, queria lançar ataques militares contra os cartéis de droga mexicanos. Então, a pergunta seria: ele vai tentar enviar forças militares americanas para o México? Vai tentar bombardear o México?
BBC News Mundo – Bombardear o México?
Heilbrunn – Em seu primeiro mandato, ele falou em tentar eliminar os cartéis de drogas no México. E ele mostrou interesse em usar o Exército americano. É claro que isso seria uma violação da soberania mexicana. Seria um ato de guerra.
BBC News Mundo – O que você descreve supõe uma mudança fundamental na posição dos EUA no mundo e em seus pontos fortes como potência global. Você diria que Trump, se implementar essas políticas, será lembrado como um vencedor? Ou como um perdedor global, algo que, como você sugeriu, ele abomina?
Heilbrunn – Quando escrevi isso no New York Times, previ que transformaria os EUA em um perdedor global.
Acho que agora somos de fato um vencedor. Mas ele está tentando virar de cabeça para baixo a ordem internacional que existe, e o que ele está falando não é tanto de isolacionismo, mas de unilateralismo: deixar os EUA fazerem o que quiserem, onde quiserem.
Para mim, isso seria um bumerangue, tanto econômica quanto militarmente. Isso prejudicaria a posição privilegiada de que os EUA desfrutam.
BBC News Mundo – Você poderia explicar isso?
Heilbrunn – Se você introduzir esse tipo de mudança radical, cada país vai tentar priorizar seus próprios interesses. Você vê isso na Áustria, onde se fala em colocar a Áustria em primeiro lugar. O México vai dizer: ‘Por que não deveríamos colocar o México em primeiro lugar’? A Polônia vai dizer que deve priorizar seus próprios interesses. A falta de cooperação internacional é uma receita para o caos e o conflito.
A ideia da União Europeia não é se parecer com o Oriente Médio, mas que todos cooperem.
BBC News Mundo – Isso não seria possível sem o apoio dos EUA?
Heilbrunn – Acho que a Europa voltaria ao nacionalismo, e veríamos muito mais conflitos. Também na Ásia.
BBC News Mundo – Você disse que a Europa voltaria ao nacionalismo. Mas não é isso que já está acontecendo?
Heilbrunn – Definitivamente, há um aumento do nacionalismo, mas ele não provou ser a força mais poderosa nessas sociedades.
Os franceses mantiveram a estabilidade nas eleições. Na Alemanha, está aumentando, mas ainda não é maioria. Acho que se você tirar os EUA, o fator estabilizador, tudo pode acontecer.
Na Europa, os EUA atuam como um ‘fator estabilizador’, diz Heilbrunn. Sem a sua presença, ‘tudo pode acontecer’.
AFP via BBC
Foi somente a presença dos EUA que conseguiu gerar uma paz estável na Europa Ocidental. É uma anomalia na história do continente.
A presença dos EUA também foi necessária para acabar com as guerras dos Bálcãs na década de 1990.
BBC News Mundo – Concentramos esta entrevista em Trump sob a suposição geral de que um governo de Kamala Harris seria uma continuação da política externa do presidente Biden. É isso que você espera?
Heilbrunn – Acho que ela seria mais agressiva que Biden, porque é mais jovem e não tem a memória da Guerra Fria, quando ocorreu o confronto nuclear entre a União Soviética e os Estados Unidos.
Portanto, espero que ela apoie a Otan, mas seja mais agressiva do que Biden na ajuda à Ucrânia. Acho que ela pode confrontar mais a China e pressionar mais Israel do que Biden para conter suas aventuras militares no Oriente Médio.

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