26 de dezembro de 2024

Jornalistas relembram 35 anos da lenda da boneca da Xuxa possuída que levou multidão ao Centro de Sorocaba


Caso ocorreu em novembro de 1989 e gerou repercussão em todo o Brasil. G1 foi ao bairro onde havia de relatos de que os casos ocorreram. Boato de boneca possuída levou multidão de pessoas à catedral de Sorocaba, em 1989
Jornal Cruzeiro do Sul/Reprodução Fantine Rodrigues/Divulgação
A lenda de um uma boneca da Xuxa que estaria possuída pelo demônio e que precisou ser exorcizada levou uma multidão ao Centro de Sorocaba (SP), em novembro de 1989. O caso, que está prestes a completar 35 anos, ganhou repercussão em todo o Brasil e ainda vive no imaginário de muitos moradores.
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Sempre negada pela igreja, a história foi assunto de reportagens durante semanas. Neste Dia das Bruxas – ou Halloween, celebrado mundialmente no dia 31 de outubro -, o g1 conversou com os jornalistas que cobriram o caso e também foi aos bairros onde as crianças teriam sido agredidas pelo brinquedo.
O jornalista Miguel Ramos era repórter de polícia na época, e lembra exatamente como desenrolou toda a situação. “Eu trabalhava à tarde no Diário de Sorocaba, e quando eu entrei naquele dia, havia um burburinho de que uma boneca que tinha sido possuída por um demônio e tal, e que tinha matado uma menina na época”, conta.
“Daí o Zé Benedito, que era o chefe da redação, falou para eu dar uma passadinha lá na catedral, que tinha um tumulto lá. ‘As pessoas querem saber da boneca’”, lembra.
Chegando ao Centro de Sorocaba, onde está a catedral, a situação era assustadora. “Realmente tinha um tumulto lá do pessoal querendo ver a tal boneca e entrar na igreja. Na época, o padre era o Mauro Vallini, que já faleceu. Ele trancou a porta da igreja, pra ninguém entrar. Chamou até a polícia, porque o tumulto era grande. Todo mundo queria saber da tal boneca, que estaria lá na igreja. E, na época, a igreja tinha, no mezanino, um museu de arte sacra. Pelos comentários que estavam, que o Mauro Vallini tinha colocado a boneca escondida nesse museu”, relembra.
“A imprensa toda foi chamada. Nós, como repórteres, fomos convidados pelo Mauro Vallini a entrar na igreja, subir até até o museu e ver que não tinha nada lá pra colocar no jornal do outro dia. Então, a gente realmente entrou, não vimos nada.”
Jornal Diário de Sorocaba, de Sorocaba (SP), deu destaque para caso de boneca possuída, em 1989
Reprodução/Diário de Sorocaba/Projeto Memória Jornal Cruzeiro do Sul
Ele lembra que chegou a conversar com o padre, que negou que teria ido a um bairro da cidade para buscar a boneca. Havia o boato de que uma criança havia morrido após ser atacada pela tal boneca, mas tudo foi negado. Mesmo assim, o assunto repercutiu durante uma semana e foi destaque da imprensa nacional.
“Ficou uma semana o boato na cidade. Todo mundo falando disso. Eu tentei repercutir, fiquei em cima do caso, só que não tinha informação de onde era essa menina”, comenta. Ele diz ainda ainda que, na época, estava no auge o filme “Brinquedo Assassino”, onde um assassino, antes de morrer, “transfere” sua alma para um boneco.
Ele falou sobre o perfil das pessoas que faziam parte da multidão. “A maioria é pessoal de família, mulheres com crianças, jovens que estavam lá de especulação só, mas a maioria era, pelo menos as que eu entrevistei, era mulher.”
O jornalista Benedito de Almeida Gomes também trabalhou no caso em 1989, mas como editor. Ele se recorda do tumulto no Centro. “Lembro me, porém, da tarde em que um grupo de estudantes adolescentes do Padilha montou-se junto ao portão de acesso às galerias superiores da Catedral aos gritos de ordem querendo ver a tal boneca”, comenta.
“Muitos juravam de pés juntos terem visto [a boneca] no museu, nessa época, aberto diariamente à visitação pública.”
Ele conta também que muitas pequenas imagens eram expostas no local e especula o que pode ter acontecido, já que algumas pessoas sustentavam terem visto a boneca na igreja. “Talvez até uma de Maria Menina, como aquela até hoje venerada na igreja do Mosteiro de Santa Clara, que se assemelha realmente a uma boneca”, diz o jornalista.
“Recordo-me também dos posicionamentos firmes de monsenhor Mauro Vallini desmentindo toda a boataria.”
Jornais de Sorocaba (SP) também deram destaque para “boneca satânica”, em 1989
Reprodução/Jornal Cruzeiro do Sul
O professor e historiador Carlos Cavalheiro não estava presente no dia do tumulto no Centro de Sorocaba, mas esteve nos dias após o evento. Ele conta que a situação foi encarada como uma grande brincadeira.
“Saiu um boato na cidade de que na catedral havia uma boneca da Xuxa que tinha sido capturada por conta de um trabalho de exorcismo e tal e que levaram para o local porque o demônio estava dentro dela e coisas assim. Obviamente que isso depois virou piada. Lembro bem de um pessoal ali da banca que fica bem em frente da catedral. Começou a entrar um pessoal e fazia piada disso”, conta
“Mas era para dizer que a boneca tinha se exorcizado, que o demônio tinha entrado na boneca, e que o bispo da época tinha mandado levar a boneca lá para dentro da catedral para evitar algum outro problema. Eu não sei o que o imaginário pensou que seria feito depois da boneca, mas em suma essa é a história”, lembra.
Origem do boato?
Parque São Bento, na zona norte de Sorocaba (SP), seria um dos bairros onde o boato de brinquedo possuído
Marcel Scinocca/g1
O g1 foi aos dois bairros citados nas reportagens da época e onde as histórias macabras teriam acontecido. Pouca gente sabe falar sobre a situação. Uma delas é a dona de casa Maria Madalena da Camargo Vincoleto.
Ela conta que morava em Pilar do Sul (SP) quando a lenda se originou em Sorocaba. No Parque São Bento, um dos bairros onde o caso teria ocorrido com a boneca, ela mora há mais de 30 anos, mas soube da lenda quando trabalhava em uma fazenda em outra cidade.
“Lá em Pilar do Sul eu fiquei sabendo da história aqui de Sorocaba. Diziam que as crianças ficaram doentes. Ouvi dizer também que a boneca ‘unhava’ as crianças”, afirma.
Maria Madalena da Camargo Vincoleto morava em outra cidade quando ficou sabendo do boato em Sorocaba (SP)
Marcel Scinocca/g1
Embora não acredite na lenda, ele diz que preferiu não dar a boneca para as filhas. “É uma lenda, né. Resumindo disso, minhas filhas e netas não gostam da boneca.”
O Marco Antonio de Lima também já ouviu falar da história no bairro. Conforme ele, a situação no bairro se originou por causa do cinema. “É mentira. Nem acredito que ela foi lá [na catedral] pra ser exorcizada. É lenda como as outras. Só acredito em Deus.”
Bobagem
Mulher que coleciona bonecas da Xuxa em Sorocaba (SP) diz que lenda sobre demônio no brinquedo é bobagem
Divulgação
A vendedora Fantine Rodrigues, de 38 anos, é colecionadora de bonecas, incluindo vários modelos da Xuxa. Da Rainha do Baixinhos são 20 brinquedos na coleção. Para ela, que é fã da Xuxa desde criança, tudo isso é uma bobagem. Ele descarta também que o boato tenha sido criado por empresas que concorriam com os brinquedos da apresentadora, como chegou a ser cogitado na época.
“Não acho que seria isso. Sei lá, é coisa que o povo inventa pra poder falar mal da Xuxa de alguma forma”, diz.
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