26 de dezembro de 2024

Zé Maria do Tomé: o ambientalista cearense assassinado por combater o uso de agrotóxicos no Ceará


Zé Maria do Tomé foi morto com 25 tiros em abril de 2010. Dos seis suspeitos do crime, apenas um foi julgado e condenado. Apesar disso, atuação do agricultor levou a aprovação de lei que proíbe pulverização aérea no Ceará. Líder comunitário e ambientalista cearense José Maria Filho, conhecido como Zé Maria do Tomé
Melquíades Júnior/SVM
Foram 14 anos entre o assassinato do líder comunitário José Maria Filho, o Zé Maria do Tomé, em 2010, e a condenação de um dos acusados pelo seu homicídio, no início deste mês de outubro de 2024, pelo tribunal do júri.
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O Ministério Público do Ceará (MPCE) apresentou uma denúncia do caso em 2012, a partir do inquérito policial. No entanto, ainda foi necessário esperar mais 12 anos para a Justiça convocar o agricultor Francisco Marcos Lima Barros a sentar no banco de réus. Ele foi sentenciado a 16 anos de prisão.
A sentença de Marcos Lima chegou após uma longa disputa judicial que envolveu duas mudanças de cidade de julgamento, o impronunciamento de dois réus e a morte de outros três suspeitos de envolvimento antes mesmo que pudessem ser julgados.
Quando Zé Maria foi morto com 25 tiros, no dia 21 de abril de 2010, ele tinha 44 anos e já era considerado a liderança mais destacada na luta contra a prática de pulverização aérea de agrotóxicos no perímetro agrícola da Chapada.
Ele também era um dos principais defensores da redistribuição de terras do chamado Perímetro Irrigado do Jaguaribe-Apodi, uma área pertencente ao Departamento Nacional de Obras Contra as Secas e disputada por pequenos e grandes produtores rurais da região.
O assassinato de Zé Maria aconteceu em uma estrada erma, entre bananais, no município de Limoeiro do Norte, na região da Chapada do Apodi, interior do Ceará na divisa com o Rio Grande do Norte.
A chapada é considerada uma espécie de oásis no semiárido: a região é um destaque na fruticultura, com produção de frutas como pitaya, mamão, melão, figo, melancia, goiaba, ata (fruta-do-conde), uva, acerola e banana.
Em 2023, o local produziu um milhão de quilos de sementes de milho. Até mesmo trigo e algodão são colhidos ali. Por lá, dividem o espaço pequenos agricultores rurais, latifundiários e multinacionais agrícolas.
Chapada do Apodi, no Ceará, é a principal produtora de sementes de milho do Ceará
Honório Barbosa/Diário do Nordeste
Sua atuação havia causado ondas de choque na região. Ele tinha o hábito de filmar e fotografar as pulverizações, bem como reunir provas dos impactos que a prática causada no solo, na vegetação e até mesmo nas famílias que moravam nas proximidades.
Ele vinha alertando que a pulverização aérea estava contaminando a água usada para consumo humano – alerta este que foi confirmado por uma série de pesquisadores da Universidade Federal do Ceará (UFC) que estudaram a região.
Sua militância o colocou em confronto com grandes agricultores da chapada, que se opunham tanto à redistribuição de terras quanto ao fim da pulverização aérea de agrotóxicos, considerada por eles essencial para a fruticultura de larga escala.
Em novembro de 2009, a Câmara Municipal de Limoeiro do Norte chegou a aprovar uma lei que proibia a pulverização aérea de agrotóxicos em regiões agrícolas do município. O ato foi considerado uma vitória de Zé Maria e do seu movimento. Cinco meses depois da aprovação, o ambientalista foi assassinado, e a lei, revogada.
De lá para cá, a pauta do ambientalista, que era local, se tornou estadual e chegou até mesmo ao Supremo Tribunal Federal, onde recebeu sinal verde. Entenda a história:
Zé Maria, da comunidade do Tomé
José Maria Filho, ou Zé Maria, como era conhecido, era morador da comunidade do Sítio Tomé, na zona rural de Limoeiro do Norte. No local, ele possuía uma pequeno comércio – ainda hoje tocado por sua esposa – e alguns lotes de terra, herdados do pai.
À época, a fruticultura estava em plena expansão na região, e com ela houve o aumento do uso de agrotóxicos. O que chamava atenção, no entanto, era uma prática específica: a pulverização aérea. Nela, os agrotóxicos são despejados nas lavouras por meio de aeronaves especializadas.
“Ele começa a perceber que todas as vezes que tinha essa pulverização, que tinha essa chuva de veneno, a própria família dele, as filhas dele se coçavam, os peixes morriam, animais morriam, e aí que ele começa nessa mobilização para dizer para as pessoas que aquilo dali estava fazendo mal para a comunidade”, conta a advogada Geovana Patrício.
Geovana é membro do coletivo jurídico Zé Maria do Tomé da Campanha Contra os Agrotóxicos e Pela Vida e atuou como assistente de acusação no julgamento que levou à condenação de um dos réus pela morte do ambientalista.
Também àquela época, ele já participava da mobilização popular de pequenos agricultores que pediam terras do Perímetro Irrigado do Apodi-Jaguaribe para que pudessem plantar. Além disso, a comunidade denunciava que grandes agricultores constantemente dificultavam a produção dos pequenos, o que os levava a acabar por vender suas terras para os latifundiários.
“Os pequenos agricultores que chegaram a receber o terreno não conseguiam se manter lá porque não tinham apoio governamental e acabavam vendendo seus terrenos para as grandes empresas”, explica Geovana. “Então, as grandes empresas faziam algo que era ilegal, que era sair juntando várias terras [redistribuídas] e criando um grande latifúndio, que não seria a proposta do perímetro.”
Pulverização aérea de agrotóxicos foi proibida no Ceará em 2019 pela Lei Zé Maria do Tomé
Agência Brasil
Uma coisa estava ligada à outra. A água fornecida à comunidade pelo SAAE (Sistema Autônomo de Água e Esgoto) de Limoeiro do Norte era retirada justamente dos canais do Perímetro Irrigado do Apodi-Jaguaribe.
A pulverização aérea de agrotóxicos nestas terras, por sua vez, acabava contaminando as fontes de água do perímetro, que além de serem usadas para a agricultura, eram utilizadas para consumo humano.
Em 2011, inclusive, Ministério Público do Ceará ingressou com uma ação civil pública na Justiça para pedir a suspensão imediata da entrega dessa água aos moradores, solicitando a sua substituição por água potável.
Chuva de agrotóxico
Em 2006, a professora Raquel Rigotto, do curso de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC), foi procurada por representantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e da Pastoral da Terra para denunciar a intoxicação de habitantes da Chapada do Apodi por agrotóxicos.
Nos anos seguintes, ela passou a visitar a região com o Núcleo Trabalho, Meio Ambiente e Saúde, o grupo Tramas, da faculdade. Em 2007, o grupo iniciou uma pesquisa com moradores e trabalhadores da chapada. Em uma das reuniões com um grupo de pequenos agricultores da comunidade do Tomé, ela conheceu Zé Maria.
“Ao terminar essa reunião, o Zé Maria me convidou para o quintal lá da casa dele, e me pediu que cheirasse umas roupas que estavam no varal. Eu achei um pouco estranho, mas cheirei, e elas tinham realmente um cheiro muito forte. Eu falei, ‘o que é isso, Zé Maria?’ E ele falou assim, ‘é um avião que está passando aqui de madrugada derrubando veneno por cima de nós tudo aqui’. E aí contou que uma vizinha tinha perdido galinhas, outro vizinho tinha perdido cabras, que levaram essa chuva de veneno durante a madrugada, e que eles passavam muito cedo, que as pessoas não tinham visto, mas que esse era um problema que eles estavam tendo lá”
A pesquisa do grupo Tramas na Chapada de Apodi foi de 2007 a 2011. Entre as vertentes de investigação estavam a contaminação da água da região. Foram colhidas 23 amostras de água de diferentes pontos – do aquífero da região, da água fornecida à comunidade, entre outros pontos.
Os testes revelaram que todas amostras tinham presença de diferentes ingredientes ativos de agrotóxicos. Havia amostras em que havia 12 ingredientes químicos diferentes. Entre os tóxicos encontrados, estavam fungicidas – geralmente despejados a partir da pulverização aérea.
Os efeitos da presença constante de agrotóxicos, conforme a professora, era sentido não só por moradores da comunidade do Tomé, mas também por visitantes, por pequenos agricultores e, inclusive, pelos funcionários das empresários que aplicavam os produtos químicos.
Foi nesta época que o ativista social e ambiental Reginaldo Ferreira conheceu Zé Maria. Reginaldo vive no bairro Cidade Alta, que concentra trabalhadores agrícolas de Limoeiro do Norte. “Quando o Zé Maria ainda era vivo, a gente organizava as lutas junto com ele lá contra a pulverização aérea em Limoeiro do Norte”, conta.
Ele acompanhou, em novembro de 2009, a aprovação pela Câmara Municipal de Limoeiro do Norte da lei 1.478, que proibia a pulverização aérea de agrotóxicos em regiões agrícolas do município e multava quem descumprisse a legislação.
O ato foi considerado uma vitória do movimento encabeçado pelos por Zé Maria e Reginaldo e um marco no país – até o momento, nenhuma outra cidade ou estado havia tomada uma decisão semelhante.
Em abril de 2010, exatamente cinco meses depois da aprovação, Zé Maria foi assassinado a tiros. E em maio de 2010, um mês após sua morte, a mesma legislatura votou a lei 1.511, que definia a política ambiental de Limoeiro do Norte.
O texto tratava desde assuntos como poda das árvores até qualidade da água e uso do solo. Entre suas disposições, ela também revogava a lei 1.478, permitindo o retorno da prática de pulverização aérea no município.
Câmara de Limoeiro do Norte chegou a proibir a pulverização aérea no município, mas revogou a lei meses depois
Reprodução
Problemas de saúde
A exposição por agrotóxicos pode causar uma série de problemas de saúde. No caso das intoxicações agudas, aquelas que acontecem até 72 horas após a exposição, os sintomas podem ser:
irritação de vias aéreas superiores
coceira nos olhos e nariz
tosse, espirros e pruridos
náuseas, vômitos, dor de cabeça, tontura
diarreia
Já nos quadros crônicos, relacionados à exposição prolongada a agrotóxicos, o leque de problemas se amplia e se agrava.
“Nós temos os cânceres, que podem ser hematológicos, leucemias, linfomas, de próstata, de cérebro, são vários cânceres relacionados. Nós temos um grupo de alterações neurológicas, inclusive em crianças, com déficit cognitivo, dificuldade de aprendizado, irritabilidade. Temos também quadros hepáticos [que prejudica o fígado]”, lista Raquel Rigotto.
Zé Maria do Tomé: o ambientalista cearense assassinado por combater o uso de agrotóxicos
Disputa com empresários
Conforme o inquérito policial e a denúncia do MP, o principal responsável pela pulverização aérea de agrotóxicos na Chapada do Apodi era o empresário João Teixeira Júnior, dono de uma empresa agrícola.
Conforme contou em depoimento à polícia, ele mesmo contratava o avião pulverizador, que vinha de outro estado, e comprava os produtos químicos. A área pulverizada incluía outras terras além das suas. Depois, ele cobrava dos outros produtores rurais o valor devido por hectare pulverizado.
Ao longo dos anos, Zé Maria teve uma série de desentendimentos com João Teixeira e José Aldair Gomes Costa, que trabalhava como gerente na empresa de Teixeira. Eles discutiam pelo uso de agrotóxicos e pela questão das terras no perímetro irrigado.
O ativista Reginaldo Ferreira afirma que, desde o princípio, a ideia do perímetro irrigado do Dnocs era realizar uma distribuição de terras. Ele diz, no entanto, que “projeto só desenvolveu para os grandes, os pequenos não foram contemplados”.
Semanas antes do seu assassinato, Zé Maria do Tomé e João Teixeira participaram de uma reunião na sede do Dnocs em Fortaleza justamente para tratar da redistribuição de terras, mas o encontro terminou sem acordo.
Poucos dias antes da morte, Zé Maria havia filmado um avião decolando para realizar a pulverização na Chapada – isso durante o período em que a prática esteve proibida pela Câmara Municipal. Ele foi flagrado por Aldair fazendo as imagens, e os dois teriam discutido.
As ações dos dois – o histórico de enfrentamento com Zé Maria e as provas colhidas no inquérito – fizeram o Ministério Público apontá-los como os mentores intelectuais do assassinato do ambientalista, e os maiores beneficiados com a morte dele.
A Justiça, no entanto, entendeu que não havia materialidade para acusá-los de envolvimento na morte de Zé Maria, e o caso contra eles foi arquivado (leia mais abaixo).
Zé Maria do Tomé, de amarelo, em movimento onde denunciava a ação dos agrotóxicos na região de Limoeiro do Norte, interior do Ceará
Movimento 21
O assassinato e os delatados
De acordo com a denúncia do Ministério Público, apresentada em 2012, José Maria Filho foi assassinado com 25 tiros de armas de fogo no dia 21 de abril de 2010. Ele estava andando em uma motocicleta, em uma estrada pouco movimentada, quando sofreu uma emboscada e atingido.
Segundo o MP, a arma usada no crime era de Westilly Hytler, conhecido como Boião. Ele teria sido responsável pelos 25 disparos. E, conforme laudo da Perícia Forense do Ceará (Pefoce), todos os disparos partiram da mesma arma, de calibre 0.40, à época de uso restrito.
A investigação chegou a Westilly por meio de outro crime: em julho de 2010, o criminoso e um comparsa foram ao município de Banabuiú para matar um policial militar envolvido com milícias. O miliciano reagiu, houve troca de tiros, e Westilly e o comparsa morreram.
Ao fazer o exame balístico do crime, a Perícia descobriu que a arma usada por Westilly era de calibre 0.40. Os peritos comparam as cápsulas encontradas em Banabuiú com as encontradas no assassinato de Zé Maria e descobriram que vinham da mesma arma.
Após isso, a Polícia pediu a quebra de sigilo telefônico de Westilly e encontrou uma série de ligações entre ele e moradores de Limoeiro do Norte, mais tarde indiciados como suspeitos de envolvimento no crime.
De acordo com o Ministério Público, a morte de Zé Maria teria sido encomendada pelo empresário João Teixeira, que teria ordenado a seu gerente, José Aldair, que organizasse o crime. Aldair teria Antônio Wellington Ferreira Lima, que recomendou o pistoleiro Westilly Hytler para executar o crime e teria intermediado o contato dos dois.
Conforme o MP, Francisco Marcos Lima Barros, o único condenado pelo crime, morava na comunidade do Tomé, assim como Zé Maria. Marcos e Wellington possuíam terras no perímetro irrigado – área pleiteada por Zé Maria para ser redistribuída.
Segundo a denúncia, Marcos e seu pai, Sebastião Dantas de Barros, teriam repassado as informações para Wellington e Westilly para ajudar na execução do crime, como os locais que Zé Maria costumava frequentar, hábitos e horários. A quebra de sigilo telefônica, inclusive, apontou que Marcos Lima trocou telefones com o executor do crime na véspera do assassinato de Zé Maria.
Ao fim, o Ministério Público apontou seis envolvidos:
João Teixeira Júnior, empresário e fazendeiro apontado como mandante do crime; acusação contra ele foi arquivada e o caso, encerrado
José Aldair Gomes Costa, gerente da empresa de João Teixeira, apontado como organizador do crime; acusação contra ele foi arquivada e o caso, encerrado
Westilly Hytler Raulino Maia, apontado como dono da arma e atirador que disparou todos os tiros contra Zé Maria; morto em confronto
Antônio Wellington Ferreira Lima, morador da mesma comunidade de Zé Maria, teria mediado o contato de Hytler e Aldair; morto em confronto com a polícia
Francisco Marcos Lima Barros, único condenado do caso, acusado de repassar informações para ajudar na morte
Sebastião Dantas de Barros, pai de Francisco Marcos Lima, suspeito de ter ajudado o filho e repassado informações para ajudar na morte de Zé Maria; foi encontrado morto em um matagal
Em 2015, a Justiça fez o pronunciamento de João Teixeira, José Aldair e Marcos Lima. O pronunciamento é um movimento jurídico que leva os réus a serem julgados por um tribunal do júri – o que só ocorre em casos de crimes contra a vida, como homicídios.
Em 2016, os réus entraram com recurso no Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJCE) contra o pronunciamento, e em 2017 o tribunal despronunciou João Teixeira e José Aldair, mantendo apenas o julgamento do agricultor Marcos Lima pelo júri.
O Ministério Público ingressou com recursos no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no Supremo Tribunal Federal (STF) contra o despronunciamento de Teixeira e Aldair. Os tribunais superiores, no entanto, mantiveram a decisão do TJCE, e o caso contra os dois foi encerrado em 2020.
Fórum Clóvis Beviláqua
Natinho Rodrigues/SVM
Julgamento
Com as reviravoltas judiciais, o agricultor Francisco Marcos Lima Barros, acusado de repassar informações para a execução do crime e de colaborar com o pistoleiro, é até o momento o único condenado pela morte de Zé Maria. O Ministério Público do Ceará (MPCE) denunciou Marcos Lima por homicídio qualificado por motivo torpe, meio cruel e com recurso que dificultou a defesa da vítima.
Por se tratar de um crime contra a vida, a acusação foi julgada pelo Conselho de Sentença, formado por sete jurados da sociedade civil, escolhidos a partir de sorteio. O caso iria a julgamento em Limoeiro do Norte, onde aconteceu o crime, no entanto, a pedido da defesa do réu, o processo foi desaforado, isto é, enviado pela Justiça a outra cidade.
A defesa argumentou que, por o crime ter tido grande repercussão e a vítima ser uma figura pública da cidade, os jurados poderiam ser influenciados. A Justiça acatou a tese. Primeiro, o processo foi desaforado para o município de Russas. Depois, houve um novo pedido, e o processo foi novamente desaforado – desta vez, para Fortaleza.
No julgamento do dia 9 de outubro, a acusação contra Marcos Lima ficou a cargo dos promotores Alice Iracema Melo Aragão e Francisco Elnatan Carlos de Oliveira Junior. O julgamento durou cerca 12 horas.
Por fim, o Conselho de Sentença da 5ª Vara do Júri de Fortaleza, formado pelos sete jurados civis, acolheu a pretensão dos promotores do Ministério Público e condenou Marcos Lima a 16 anos de reclusão, que deverão ser cumpridos, inicialmente, em regime fechado.
Na denúncia que levou à condenação de Marcos Lima, o MP destacou que os delatados – tanto o executor do crime quanto os que colaboraram ou encomendaram – agiram em conjunto, “em uma acordo prévio de vontade e concurso imediato de forças, visando todos ao mesmo resultado”, portanto, ainda que Marcos não tenha puxado o gatilho, não há distinção de culpa.
Para a advogada Geovana Patrício, que foi assistente de acusação do MP no caso, a sentença é uma mensagem de que crimes contra ambientalistas ou defensores de direitos humanos não serão tolerados.
“Para a gente, o Zé Maria é o nosso Chico Mendes, que padeceu a partir da luta que ele travava contra a pulverização aérea e pelo assentamento de pequenos agricultores. Então ele lutava em prol da sociedade, da comunidade em que ele vivia. O que se um crime contra a vida já é inaceitável, um crime que motiva calar uma pessoa que luta pelo bem comum da sua sociedade, se torna ainda pior. Então o resultado do júri não traz o Zé Maria de volta, mas ele demonstra um olhar para essa justiça em relação a essas pessoas”, afirma Geovana.
Lei e acampamento Zé Maria do Tomé
No ano de 2018, a Assembleia Legislativa do Ceará aprovou a lei nº 16.820, sancionada em janeiro de 2019, que proíbe a pulverização aérea de agrotóxicos em todo o território cearense. O projeto recebeu o nome de Lei Zé Maria do Tomé.
A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) ajuizou uma ação contra lei, alegando que seria responsabilidade da União, e não do estado do Ceará, legislar sobre o tema, mas o Supremo Tribunal Federal (STF) manteve a validade da lei.
Com a confirmação, o Ceará se tornou o primeiro estado do Brasil a proibir a prática da pulverização aérea. Desde então, projetos semelhantes foram apresentados em outras unidades da federação, como Pará e Maranhão.
Para a professora Raquel Rigotto, a aprovação da lei é um marco porque é uma iniciativa não só para contornar o problema da intoxicação, mas para evitá-lo.
“Essa lei tem uma imensa importância do ponto de vista da saúde pública, porque não nos interessa apenas identificar casos de pessoas adoecidas, ou mesmo de óbitos, e tentar tratar aquelas que estão com quadros de intoxicação. Isso é importante de ser feito, mas o mais importante é eliminar o risco de adoecimento, porque é uma contaminação não só humana, de trabalhadores e de comunidades do entorno, mas é também uma contaminação das águas, do solo, do ar, dos alimentos, dos animais, das plantas. Então, essa lei, ela aproxima de tocar na raiz dos problemas, que é começar a impor limite ao uso de agrotóxicos pelo agronegócio”, destaca.
Acampamento Zé Maria do Tomé, em Limoeiro do Norte, homenageia líder ambientalista
Defensoria Pública do Ceará
Ainda antes da lei 16.820, outro efeito prático da atuação do ambientalista foi a fundação, em 2014, do acampamento Zé Maria do Tomé, em Limoeiro do Norte, pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). O acampamento fez 10 anos em maio de 2024.
O local, com cerca mil hectares, foi criado justamente nas terras sob controle do Dnocs, terras do perímetro irrigado que Zé Maria defendia redistribuir. Os moradores defendem que haja um reassentamento das terras já ocupadas pelo acampamento.
Em 2009, um relatório do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs) apontou que o órgão possuía um total de 10.284 hectares do perímetro irrigado. Desse total, cerca 4.033 hectares encontravam “invadidos” por empresas nacionais, multinacionais e médios proprietários da região.
Em 2014, o MST estabeleceu o acampamento no perímetro, pleiteando a distribuição de terras a pequenos agricultores. A ação do MST é apoiada pelo Movimento 21, do qual Reginaldo Ferreira faz parte.
Ao g1, Reginaldo contou que a Justiça já emitiu oito mandados de reintegração de posse contra o acampamento, a pedido do Dnocs e da Federação das Associações do Perímetro Irrigado Jaguaribe-Apodi (Fapija), mas a reintegração não foi cumprida por resistência dos moradores.
O ativista ambiental afirma que há um duplo tratamento por parte da Justiça. “O único que tá sendo punido é o acampamento Zé Maria do Tomé. Já teve oito pedidos de reintegração, mas as empresas e multinacionais que estão lá, todos que o próprio Dnocs em 2009 disse que estão de forma irregular, grilagem de terra em área federal, continuam da mesma forma”, critica.
O g1 questionou o Dnocs se os pedidos de redistribuição destas terras da União estavam sendo analisados ou se o processo havia sido suspenso. Não houve resposta até a publicação desta reportagem.
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