5 de novembro de 2024

‘Nunca deixei de acreditar’, diz viúva de Marielle Franco após condenação de réus


A juíza foi aplaudida ao ler a sentença de condenação dos réus. Juíza lê a sentença do julgamento dos dois condenados por matar Marielle Franco
A viúva de Marielle Franco usou as redes sociais para comemorar a condenação dos réus Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz, nesta quinta-feira (31). Mônica Benício definiu como “uma eternidade” a espera pela sentença.
A dupla foi condenada no início da noite desta quinta-feira (31).
“Foram muitas as vezes que me perguntei quanto tempo mais eu teria que aguentar essa dor que carrego no peito provocada pelo assassinato da minha esposa, e que é agudizada pela injustiça de não ver seus assassinos sendo condenados pelo o que fizeram”, inicia ela, que hoje também é vereadora.
“Nunca deixei de acreditar, mas a cada dia de espera a esperança era colocada à prova. Foi com muito esforço que construí, nesses 6 anos e 7 meses, uma fé inabalável de que esse momento chegaria e, a cada dia de luta, encontrando motivos para acreditar que seguir de cabeça erguida e peito aberto era o que ela esperaria de mim”, emenda.
Marielle Franco e Monica Benício
Reprodução/TV Globo
Em seu relato emocionado, ela disse que a justiça começou a ser feita quando um clamor público se levantou mundialmente por Marielle.
“Nenhuma sentença é reparadora. Nenhuma condenação é restauradora da ausência. Não é felicidade o que sinto. O corpo e o coração permanecem tensos. Mas há a sensação de algum alívio em ver, pela primeira vez, alguma materialidade nisso tudo, uma explicação e uma responsabilização que tanto foi esperada, mas especialmente construída com a luta incansável de nós”, afirma.
“E nós, que lutamos por um mundo menos desigual e mais justo, sabemos que a justiça que buscamos não tem um preço, muito menos um fim. Mas se diante da dor, do pior dia das nossas vidas, daquela noite sem fim em que Marielle nunca chegou para jantar, se diante desse tempo de vida não há retorno, tampouco é possível seguir sem respostas. A resposta é aquilo que a sociedade acordou que é importante que se aprenda como lição, para que nunca se esqueça, para que nunca mais aconteça”, continua.
Famílias de Marielle e Anderson após condenação
Reprodução/TV Globo
Juíza é aplaudida ao ler sentença
Ao ler a sentença da condenação de Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz, a juíza Lúcia Glioche chamou a atenção para os anos de dor que os familiares de Marielle Franco e Anderson Gomes passaram e disse que a decisão dos jurados não acaba com o sofrimento (leia, no fim da reportagem, a íntegra da sentença).
“Talvez Justiça fosse que o hoje o dia jamais tivesse ocorrido, talvez Justiça fosse Anderson e Marielle vivos”, disse.
A magistrada lembrou que durante muito tempo os condenados negaram participação no crime, apesar de provas já terem sido coletadas. Mas reafirmou que ainda assim a Justiça chegou.
“A Justiça por vezes é lenta, é cega, é burra, é injusta, é errada, é torta, mas ela chega. A Justiça chega para aqueles que como os acusados acham que jamais serão atingidos pela Justiça”, acrescentou.
Exatos 6 anos, 7 meses e 17 dias após o crime, o 4º Tribunal do Júri do Rio condenou nesta quarta-feira (30) os assassinos da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes. O crime chocou o país e – até hoje – gera repercussão em todo o mundo.
O ex-policial militar Ronnie Lessa, o autor dos disparos naquela noite de 14 de março de 2018, recebeu a pena de 78 anos e 9 meses de prisão.
O também ex-PM Élcio Queiroz, que dirigiu o Cobalt usado no atentado, foi condenado a 59 anos e 8 meses de prisão.
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A sentença
“O júri é uma democracia. Democracia esta que Marielle Franco defendia.
Aqui prevalece a vontade do povo em maioria. Aqueles que atuam como os jurados nada recebem; prestam um serviço voluntário, gratuito, representando a vontade do povo no ato de julgar o semelhante, que é acusado de ter praticado um crime tão grave que é querer tirar a vida da outra pessoa.
Portanto, senhores jurados, obrigada em nome do Poder Judiciário. Obrigada em nome da população da cidade do Rio de Janeiro.
A sentença que será lida, agora, talvez não traga aquilo que se espera da Justiça. Talvez justiça que tanto se falou aqui fosse que o dia de hoje jamais tivesse ocorrido. Talvez justiça fosse Marielle e Anderson presentes. Como se justiça tivesse o condão de trazer o morto de volta.
Então dizemos que vítimas do crime de homicídio são aqueles que ficam vivos, precisando sobreviver no esgoto que é o vazio de permanecer vivo sem a vida daquele que foi arrancado do seu cotidiano.
A sentença não serve para tranquilizar as vítimas, que são Marinete, mãe de Marielle; Anielle, irmã de Marielle; Mônica, esposa de Marielle; Luyara, filha de Marielle; Ágatha, esposa de Anderson, e Arthur, filho de Anderson.
Homicídio é um crime traumatizante — finca no peito uma dor que sangra todo dia, uns dias mais, uns dias menos, mas todos os dias.
A pessoa que é assassinada deixa uma falta, uma carência, um vácuo. Que palavra nenhuma descreve. Toda a minha solidariedade e do Poder Judiciário às vítimas.
A sentença que será dada agora talvez também não responda à pergunta que ecoou pelas ruas da cidade do Rio de Janeiro, do Brasil e do mundo: Quem matou Marielle e Anderson?
Talvez ela não responda aos questionamentos dos 46.502 eleitores cariocas que fizeram de Marielle Franco a 5ª vereadora mais votada na cidade do Rio de Janeiro nas eleições municipais de 2016 — e que tiveram seu direito de representação ceifado no dia 14 de março de 2018.
Todavia, a sentença que será lida agora se dirige aos acusados aqui presentes. E mais: ela se dirige aos vários Ronnies e vários Élcios que existem na cidade do Rio de Janeiro — livres por aí.
Eu digo sempre que nesses 31 anos que eu sirvo ao sistema de Justiça, nenhum de nós do povo nunca saberá o que se passou no dia de um crime. Quem não estava na cena do crime, não participou dele, nunca sabe o que aconteceu.
Mesmo assim, o Poder Judiciário e hoje os jurados precisam julgar o crime com as provas que o processo apresenta, e trazer às provas para o processo, para os jurados é árduo.
Porém, com todas as dificuldades e todas as mazelas de investigar um crime, o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro denunciou os acusados. Eles foram processados e tiveram garantido o seu direito de defesa — e foram julgados.
Por anos exercendo a plenitude do direito constitucional de autodefesa, os acusados juraram inocência, pondo a todo o tempo em dúvida a prova trazida contra eles. Até que um dia, no ano passado, 2023, por motivos que de verdade a gente jamais vai saber, o acusado Élcio fez a colaboração premiada. Depois o acusado Ronnie a fez também.
Os acusados confessaram a execução e a participação no assassinato da vereadora Marielle Franco.
Por isso, fica aqui para os acusados presentes e serve para os vários Ronnies e vários Élcios que existem por aí, soltos, a seguinte mensagem:
A Justiça por vezes é lenta, é cega, é burra, é injusta, é errada, é torta, mas ela chega.
A Justiça chega mesmo para aqueles que, como os acusados, acham que jamais vão ser atingidos pela Justiça. Com toda dificuldade de ser interpretada e vivida pelas vítimas, a Justiça chega aos culpados e tira deles o bem mais importante depois da vida, que é a liberdade.
A Justiça chegou para os senhores Ronnie Lessa e Elcio de Queiroz. Os senhores foram condenados pelos jurados do 4º tribunal do júri da capital:
a 78 anos e 9 meses de reclusão e 30 dias-multa para o acusado Ronnie;
a 59 anos de prisão e 8 meses de reclusão e 10 dias-multa para o acusado Élcio.
Saem os 2 condenados a pagar até os 24 anos do filho de Anderson, Arthur, uma pensão.
Ficam os 2 condenados a pagar, juntos, R$ 706 mil de indenização por dano moral para cada uma das vítimas — Arthur, Ághata, Luyara, Mônica e Marinete.
Condeno os acusados a pagarem as custas do processo e mantenho a prisão preventiva deles, negando o direito de recorrer em liberdade.
Agradeço as partes, a Defensoria Pública, às defesas dos 2 acusados. Agradeço aos serventuários da Justiça, aos policiais militares. Renovo o agradecimento aos jurados.
Encerro a sessão de julgamento e quebro a incomunicabilidade.
Tenham todos uma boa-noite”.
A juíza Lúcia Glioche comanda o júri popular de Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz
Felipe Cavalcanti/TJRJ
Parentes e amigos de Marielle se emocionam após leitura da sentença
Reprodução

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