Em 20 de janeiro de 2021, Kamala entrou para a história como a primeira vice-presidente mulher e negra dos Estados Unidos. Mas, logo depois, assumiu papel mais tímido no governo. Perfil de Kamala Harris, candidata Democrata à Presidência dos Estados Unidos
Em toda cobertura especial de eleição, o Jornal Nacional publica um perfil dos candidatos à Presidência dos Estados Unidos. Nesta quinta-feira (31), será a vez de Kamala Harris, que pode se tornar a primeira mulher eleita para a Casa Branca.
No mesmo ano em que nasceu Kamala Harris, 1964, Hollywood apresentou pela primeira vez aos americanos a ideia de uma mulher presidente na Casa Branca. O conceito não era sério; era uma comédia. “Aluga-se a Casa Branca” sugeria algo na linha: não seria hilário uma mulher presidente e um marido-primeira-dama?
Sessenta anos separam o filme das eleições de 2024. Seis décadas em que a sociedade americana se transformou profundamente. E Kamala Harris, filha de um imigrante da Jamaica e de uma imigrante da Índia, viveu, foi impactada e lutou por muitas dessas transformações.
Ela nasceu em Oakland, na Califórnia, no mesmo ano em que os Estados Unidos aboliram, por lei, a segregação racial. Kamala e a irmã mais nova foram criadas pela mãe divorciada em um bairro de classe média. Todos os dias, Kamala caminhava até a esquina para pegar o ônibus que a levaria para um bairro rico da cidade vizinha de Berkeley. Ela fez parte da segunda turma de integração racial da escola que frequentava. Na biografia “Aquilo em que acreditamos”, ela contou:
“Meus pais me levavam ainda no carrinho aos protestos”.
Protestos pelos direitos civis quando era criança, contra o apartheid na África do Sul quando cresceu e muitos outros. Uma das parceiras de protestos de Kamala na época da faculdade era Karen Gibbs. As duas são amigas há 42 anos, e a vice-presidente é madrinha do filho e da filha de Karen.
“Com certeza foi a mãe dela que ajudou a construir essa confiança que ela tem. Ela foi criada para ser uma mulher negra, confiante e uma líder. E certamente ter feito a faculdade que fez também foi importante para se tornar ainda mais ambiciosa”, diz Karen Gibbs.
Em 1982, Kamala Harris entrou para as faculdades de Economia e Ciências Políticas da Universidade de Howard, historicamente dedicada à educação de jovens negros. Foi lá que a jovem Kamala aprendeu a ser desafiada em debates e desenvolveu uma das principais características exigidas na política.
Lita Rosario-Richardson era a única estudante mulher na equipe de debates e decidiu convidar Kamala para o time.
“A gente entrou em contato com muita informação e dados que ela precisa hoje. E a gente desenvolveu a habilidade de debater. E tinha muitas questões políticas na época: Ronald Reagan tinha recém sido eleito, e tinha muita controvérsia sobre a criação de um feriado nacional para Martin Luther King e sobre a África do Sul”, conta.
Depois de estudar na capital Washington, Kamala voltou para a Califórnia, se especializou em Direito e foi trabalhar como advogada da Prefeitura de São Francisco. Primeiro, em casos criminais, depois foi contratada por Louise Renne para a Secretaria da Família.
“Eu estava procurando alguém para trabalhar nos casos de abuso infantil, negligência e adoção. Olha, em primeiro lugar, Kamala sabe ser durona. Em segundo, ela é extremamente gentil. Mas tem outro fator importante: Kamala é objetiva e pragmática”, descreveu Louise.
Kamala Harris pode se tornar a primeira mulher eleita presidente dos EUA
Jornal Nacional/ Reprodução
Na prefeitura, Kamala defendeu a liberalização da maconha, combateu a pena de morte e lutou para o casamento gay virar lei.
Além de ajudar a transformar a história em várias oportunidades, entrou para ela. Kamala Harris foi a primeira mulher e a primeira pessoa negra a se eleger procuradora da cidade de São Francisco em 2003. A primeira mulher negra a se eleger procuradora do estado da Califórnia em 2010. E a segunda mulher negra a ser eleita para o Senado americano em 2016 – na mesma noite em que a democrata Hillary Clinton perdeu a eleição presidencial para Donald Trump.
Como senadora, se tornou uma das principais vozes da oposição e ficou conhecida nacionalmente. Virou uma congressista tão popular que lançou candidatura para a Presidência em janeiro de 2019.
Chegou a participar de um debate com os candidatos democratas e fez uma dura crítica a Joe Biden, que décadas atrás se disse contrário ao uso de ônibus escolares para integrar racialmente escolas públicas. Mas, antes mesmo do final do ano, as doações secaram e a campanha foi encerrada.
Como pré-candidata, Kamala foi criticada por não apresentar opiniões de forma clara e um projeto de governo razoável. Em uma eleição polarizada, acabou ficando para trás e perdendo a vaga para o próprio Biden.
Até que outro momento histórico transformou a vida de Kamala Harris. Em 2020, os protestos antirracistas depois do assassinato de George Floyd transformaram os Estados Unidos. E o então candidato democrata prometeu escolher uma mulher como vice. Quando chegou a hora, Biden anunciou Kamala como parceira dele na eleição.
Com a ajuda do voto negro em estados decisivos, como Carolina do Norte e Geórgia, Biden e Kamala foram eleitos. E ela roubou a cena na noite da vitória.
Kamala Harris assume como vice-presidente dos Estados Unidos
Jornal Nacional/ Reprodução
Em 20 de janeiro de 2021, Kamala entrou novamente para a história como a primeira vice-presidente mulher e negra dos Estados Unidos. Mas, logo depois, assumiu um papel mais tímido no governo.
Escalada pela Casa Branca para cuidar dos problemas de imigração na fronteira com o México, Kamala virou alvo fácil. Depois de uma entrevista desastrosa sobre o assunto, parou de falar com a imprensa.
Em 2022, a Suprema Corte derrubou o direito das americanas ao aborto. E diante de um tema importante para as mulheres, a ausência da vice-presidente foi novamente criticada.
Até julho de 2024, Kamala estava em campanha para se reeleger como vice-presidente, quando Joe Biden, em queda nas pesquisas e em crise na campanha, abandonou a corrida e a colocou na disputa no lugar dele.
A cientista política Nadia Brown, da Universidade de Georgetown, disse que Kamala conseguiu aumentar o entusiasmo das pessoas.
“Os americanos não estavam a fim de escolher entre Joe Biden ou Donald Trump. Então, ela trouxe um pouco de frescor e leveza à campanha”, diz Nadia Brown.
E a candidata democrata tem uma vantagem fundamental que nenhuma mulher nos Estados Unidos tinha até quatro anos atrás: experiência como vice-presidente.
“Kamala viveu um monte de experiências que a deixaram pronta para começar a trabalhar como presidente a partir do primeiro dia”, afirma Nadia Brown.
O filme “Aluga-se a Casa Branca”, de 1964, termina com a então presidente grávida, deixando o cargo. Um final antiquado e machista, que talvez ainda ecoe em alguns eleitores hoje.
Mas, na vida real, 60 anos depois, Kamala Harris pode estar prestes a entrar mais uma vez e, mais do que isso, mudar a história para sempre.
“Os Estados Unidos obviamente estão atrasados. Muitos países do mundo já tiveram presidentes ou primeiras-ministras mulheres. Então, isso pode mudar muito a forma como as mulheres são vistas nas empresas, na sociedade em geral”, diz Lita Rosario-Richardson.
E também pode mudar a forma como a sociedade em geral se refere à sua líder: aposentando a famosa expressão “Mister President” para adotar, por quatro anos, pela primeira vez, “Madam President”.
Na sexta-feira (1º), será a vez do perfil de Donald Trump.
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