5 de novembro de 2024

Loira desconhecida, Maria Piloto, ‘Santinha de Sorocaba’ e menino José: conheça ‘santos de cemitério’ que recebem devoção pelo interior de SP


Neste Dia de Finados, o g1 reuniu histórias de pessoas que morreram e estão sepultadas em cemitério pelo interior de São Paulo e que recebem preces, homenagens e a quem são atribuídos milagres. Cemitério da Saudade em Sorocaba (SP)
Prefeitura de Sorocaba/Divulgação
A devoção à pessoas falecidas, especialmente aquelas que morreram de forma trágica, transcende o tempo e cria um vínculo profundo entre o falecido e a comunidade onde ele está sepultado. Milagres e preces alcançadas passam a ser atribuídas a estes “santos populares”.
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O g1 separou algumas histórias de pessoas que, depois da morte, passaram a receber devoção popular. Neste 2 de novembro, Dia de Finados, os túmulos onde os corpos dessas pessoas estão sepultados devem ficar repletos de flores, velas e outros objetos que expressem gratidão e o desejo de um descanso pacífico ao morto.
Menina Julieta
Julieta Chaves, a “Santinha de Sorocaba”, foi vítima de um crime que chocou os moradores, em março de 1899. A criança saiu de casa para comprar ovos, a pedido da mãe, e desapareceu. As buscas que contaram com ajuda da população e da polícia duraram quatro dias, até que o corpo de Julieta foi encontrado em um terreno.
Na época, a garota tinha acabado de completar sete anos.
Segundo a artista plástica Flávia Aguilera, co-autora do livro “A história de Julieta Chaves – a Santinha de Sorocaba”, o condenado pelo crime foi o professor João Vieira Pinto. Ele tinha uma chácara perto da casa de menina, na Rua Santa Clara, e atraiu a vítima para o local.
“Ela perguntou se ele tinha ovos pra vender e ele persuadiu a menina a entrar na chácara. Lá, a menina foi abusada, asfixiada e morta.”
Os pais de Julieta mudaram se para São Paulo e tiveram outros filhos. O local onde encontraram o corpo da menina foi marcado por uma cruz que atraía várias pessoas que faziam orações, segundo Flávia.
“Até que foram alcançados milagres e a menina foi considerada uma santa popular. Em 1905, Januário Festa mandou construir uma capela de vidro e madeira em cima de seu túmulo em agradecimento a um milagre que ela teria concedido. Em 1932, Nicolau Scarpa faz uma capelinha de alvenaria que se encontra até hoje no cemitério da Saudade.”
Em 1905, Januário Festa mandou construir uma capela de vidro e madeira em cima de seu túmulo em agradecimento a um milagre que ela teria concedido
Pâmela Ramos/TV TEM
A sepultura de Julieta é a número quatro, da quadra 22, no Cemitério Municipal da Saudade, que fica na Praça Pedro de Toledo, no Bairro Além Linha, em Sorocaba.
“É um túmulo muito visitado pelas pessoas que apelam pela sua alma levando velas e flores. Por ser uma criança, muitas pessoas também levam brinquedos, ursos, bonecas”.
O túmulo de Julieta é muito visitado pelas pessoas que fazem orações e preces, acreditando que a menina concede milagres. Jazigo fica no Cemitério da Saudade, em Sorocaba (SP)
Pâmela Ramos/TV TEM
José de Paula Neto
O menino José de Paula Neto foi abusado e assassinado em 1931, na zona sul de Sorocaba. João de Camargo ajudou a encontrar o corpo da criança.
Segundo Flávia, moradores se sensibilizaram com a morte trágica do menino e colocaram uma cruz no local onde ele foi encontrado.
Menino José está sepultado no Cemitério da Saudade em Sorocaba (SP)
Arquivo Pessoal
“Ele passou a ser conhecido como um ‘santinho’ popular. Com a construção de um empreendimento no terreno, a cruz foi recolocada na Avenida Artur Fonseca. Quem cuidava desta cruz era um senhor muito religioso, conhecido por ser benzedeiro, que se chamava Juvenil.”
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Após a morte de Juvenil, a cruz do menino José ficou abandonada até desaparecer. O corpo do menino está sepultado na quadra 21, sepultura 177, no Cemitério Municipal da Saudade.
Maria Piloto
A capelinha, construída há cerca de 30 anos, abriga os restos mortais de Maria Piloto, que morreu aos 20 anos, em 11 de julho de 1900.
O jazigo está localizado na quadra três do Cemitério Municipal Nossa Senhora do Desterro, em Jundiaí (SP), e foi construído com doações feitas por moradores, comovidos com a trágica morte da jovem.
Conforme registro da prefeitura, Maria era filha de imigrantes italianos e foi morta pelo marido, Emílio Lourenço. Os dois estavam casados há menos de um mês quando o homem cometeu o crime.
Moradores de São Paulo e já casados desde 21 de junho daquele ano no civil, o casal aguardava disponibilidade de agenda na igreja católica para a realização da cerimônia religiosa. Porém, no dia 11 de julho de 1900, durante um passeio por Jundiaí, Emílio desferiu 18 facadas na jovem, incluindo golpes no pulmão, nádegas e rosto.
O crime, que chocou a cidade e ganhou repercussão nacional, foi cometido onde hoje é a Praça Nove de Julho, na Vila Municipal, próximo ao cemitério onde está o jazigo de Maria. O motivo teria sido a revelação de que a vítima havia sido violentada na adolescência, fato que teria provocado ciúmes em Emílio. Após o crime, ele fugiu para Campinas, mas foi preso e condenado a 30 anos de prisão.
Maria foi enterrada cinco dias depois de sua morte, numa cova rasa, cedida pela Prefeitura de Jundiaí. A foto tirada de seu corpo retrata o braço esquerdo levantado, comprovando a tentativa de se defender do agressor. Segundo a prefeitura, o jazigo é um dos túmulos mais visitados do cemitério e recebe muitas velas, flores, orações e outros objetos dedicados à jovem.
Capelinha construída por moradores de Jundiaí (SP) abriga o corpo de Maria Piloto, vítima de feminicídio em 1900
Prefeitura de Jundiaí/Divulgação
Loira desconhecida
“Aqui jaz na paz do Senhor – Loira desconhecida”, diz a placa no túmulo que abriga o corpo de uma mulher que foi encontrada morta em 20 de abril de 1972, na Cruz Alta, próximo ao trilho do trem, em Itu (SP).
Visitantes deixam velas, flores e artigos religiosos em túmulo de mulher encontrada morta em 1972 em Itu (SP)
Prefeitura de Itu/Divulgação
O túmulo fica bem no meio da quadra seis do Cemitério Municipal. O documento que fala sobre o sepultamento da mulher diz que a cova foi cedida pela prefeitura e que ela foi enterrada como indigente.
Documento sobre o sepultamento da ‘loira desconhecida’, mulher encontrada morta em 1972 em Itu (SP)
Prefeitura de Itu/Divulgação
A identidade da “loira” nunca foi descoberta pela polícia, nem o que teria causado a sua morte. Também não foi determinada a idade aproximada da vitima.
Segundo a prefeitura, o jazigo da mulher recebe com frequência flores, velas e artigos religiosos.
Visitantes deixam velas, flores e artigos religiosos em túmulo de mulher encontrada morta em 1972 em Itu (SP)
Prefeitura de Itu/Divulgação
Menina Eliane
Sepultada na quadra quatro do Cemitério São João Batista, em Votorantim (SP), está Eliane Amparo, que morreu aos quatro anos, em 1975, sem causa definida.
Segundo a prefeitura, moradores da época diziam que a menina operava milagres, mas não há registro de homenagens prestadas à criança.
O túmulo da menina está sempre repleto de flores. Bonecas também são frequentemente colocadas no jazigo.
Túmulo da menina Eliane Amparo, que morreu em 1975 e está sepultada em Votorantim (SP), recebe flores e objetos infantis
Prefeitura de Votorantim/Divulgação
Santos populares
Ao g1, o historiador Carlos Carvalho Cavalheiro, autor do livro “O sagrado e o Além Túmulo” e co-autor do livro “A história de Julieta Chaves – a Santinha de Sorocaba”, explica que o fenômeno dos “santos de cemitério” atravessa séculos e gerações.
“Pessoas que morreram em circunstâncias violentas ou misteriosas, que morreram com sofrimento, são associadas à uma morte de mártir. Isso faz com que o povo associe essas mortes como uma espécie de santificação que nada tem a ver com a canonização da Igreja católica.”
O fenômeno não se restringe às cidades do interior. Em São Paulo, por exemplo, no cemitério de Santo Amaro, há o caso do Bento do Portão, a quem são atribuídos milagres.
Azulejo com imagem de Bento do Portão, que está enterrado no Cemitério de Santo Amaro, em São Paulo. Visitantes atribuem milagres ao homem
Carlos Carvalho Cavalheiro
Para o historiador, o fenômeno é mais presente nos países latinos e isso pode estar relacionado ao catolicismo.
“Por serem países com número significativo de católicos, que tendem a aceitar mais a ideia de intervenção dos mortos, como a intercessão dos santos.”
Mas, conforme Carlos, diferentemente dos santos católicos, os quais passam por um rigoroso e longo processo de canonização feito pela Igreja, os “santos de cemitério”, também chamados de milagreiros de cemitério, não são oficializados por nenhuma instituição. A crença do povo é o que faz a história ser contada de geração em geração .
“Além disso, nem sempre esses ‘santos’ são modelos da moral cristã. Há, entre eles, os chamados ‘santos profanos’ que viveram de maneira errante, em uma esfera de marginalidade e, às vezes, tiveram uma morte violenta. A intercessão dos ancestrais ou mortos é uma ideia que percorre o tempo da existência humana”, analisa o historiador.
Túmulos pelo interior de SP contam a história de ‘santos populares’
Freepik
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