2 de novembro de 2024

‘Fizemos nossa vida onde só veem morte’; morando em frente a cemitério, casal ‘trabalha com os mortos’ em Teresina há 30 anos


Eles criaram filhos, construíram casa e um futuro trabalhando com túmulos. Ao g1, eles garantiram: têm mais medo dos vivos do que dos mortos. Casal vive há mais de 30 anos de trabalho em cemitério, em Teresina
Pedro Lima/ g1 Piauí
Imagina viver às margens de um cemitério, perder e enterrar familiares, presenciar assassinatos e manter nesse lugar o sustento de sua vida. Um casal em Teresina diz que “vive há mais de 30 anos da morte”. Por conta do estigma relacionado a esse trabalho, o casal preferiu não ter sua imagem divulgada, mas conversou com o g1 sobre os anos de experiência nessa profissão diferente.
Dona Neta, 71 anos, e Seu Genésio, 82 anos, são aposentados, mas trabalham cuidando de túmulos no cemitério Santa Cruz, localizado na Zona Sul de Teresina. Em entrevista ao g1, eles disseram que encontraram na morte, o sustento de uma vida.
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“A gente fez a nossa vida no aqui! Chegamos antes mesmo de ter cemitério. Aí veio o cemitério, e a gente começou a trabalhar. A gente se vira com o que tem. Fizemos nossa vida onde enxergam só a morte”, disse dona Neta.
Eles começaram a trabalhar ainda na inauguração do cemitério. Dona Neta lembra que levava sua netinha para o trabalho. Para sustentar os três filhos, precisava acordar pela madrugada para limpar os túmulos e plantar flores.
“Eu não podia deixá-la em casa, então levava uma manta, colocava tudo bonitinho para deixar ela confortável; embrulhava bem para o frio não pegar ela e começava a trabalhar”.
Ela afirma que nunca teve medo dos mortos, na verdade, para ela, os vivos são mais perigosos. Ela relatou que já presenciou até mesmo um assassinato no cemitério.
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“Lembro que havia acabado de arrumar uma cova. Estava só esperando o pagamento, aí veio um homem e esfaqueou outro. Morreu na hora. Foi horrível, eu mesmo fiquei paralisada. Nunca vi um morto fazer mal com ninguém, só os vivos mesmo”, contou.
Já seu Genésio é um faz tudo, ele cava, cuida de túmulos, limpa e até mesmo ajuda no enterro. De acordo com ele, enterrou de amigos e até parentes.
“Enterrei gente demais. Amigos, sogra, ex-esposa… Tem mais de milhão aí… É muita gente, mas lembro de todos”, relatou.
A morte como ciclo
Ao g1, a psicóloga Kelly Silva explicou que o ser humano compreende a morte como algo fora de seu controle, e isso justifica nossos medos. Segundo ela, os temores relacionados à morte são associados às nossas limitações e sobre como não conseguimos lidar com a falta de controle.
“Finitude é a palavra. Nosso luto, nossa dor e nosso medo da morte é associado, na verdade, a não conseguirmos controlar aquilo. Sobre algo inesperado, sobre nossa concepção de tentar controlar tudo o tempo inteiro e, assim, não conseguimos lidar bem”, explicou.
Seu Genésio e Dona Neta afirmam não ter medo da morte, na verdade, eles a enxergam como um ciclo que ao ser negado se torna dor. Dona Neta vê nas flores, que planta em cada túmulo, uma lembrança da vida. Seu Genésio enxerga em cada trabalho que um ciclo chegou ao fim. Apesar de anos trabalhando com a morte, eles dizem amar a vida.
“Deus me livre morrer! Não é negando, é que a gente tem mais uns 100 anos pela frente se Deus quiser. A gente trabalha e sabe que o fim pode vir a qualquer momento, mas a gente tem que viver, pois ao estar tão perto da morte, a gente sabe que a vida é ‘pouca’ demais”, disse seu Genésio.
Casal vive há mais de 30 anos de trabalho em cemitério, em Teresina
Reprodução
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