A Casa Volante, na área rural de Guapé (MG), teve o acervo e residência destruídos durante uma reforma. Para ajudar a família, uma mobilização online tem repercutido até na França. Artistas tentam reconstruir casa cultural destruída por incêndio em Guapé; entenda
É na certeza da reconstrução que a Família PAM se baseia para reerguer a Casa Volante, espaço cultural e residência localizada às margens do Lago de Furnas, no Sul de Minas. O local foi destruído por um incêndio acidental que atingiu todo o acervo artístico e lar da família na última semana. Para arrecadar fundos, uma mobilização foi feita com a ajuda de amigos e artistas – e a campanha já tem repercutido até na França.
📲 Participe do canal do g1 Sul de Minas no WhatsApp
No distrito rural de Araúna, em Guapé (MG), a casa foi erguida pelas mãos de Guilherme Prado Amarante de Mendonça, de 41 anos, e Jeanne Marie Madeleine Kieffer, de 40. Eles são artistas, produtores culturais e bonequeiros especialistas em animação.
Além de abrigar cinco pessoas, o imóvel contava com o espaço de trabalho, composto por estúdio de animação e sala de espetáculos para produzir teatros de bonecos. Era também ponto de encontro para artistas, concentrando diferentes projetos.
Casa Volante
Initial plugin text
Mas no dia 22 de março, a rotina da Casa Volante foi interrompida enquanto eles faziam os últimos retoques para construção da cobertura nova, durante a soldagem de uma estrutura metálica sobre o antigo telhado.
“Sexta-feira era o dia final da obra. Estava terminando a estrutura metálica e ia cobrir com as telhas. Umas 10h30, eu estava na penúltima solda da estrutura, e uma gotinha de metal incandescente da solda atravessou um buraquinho no telhado antigo e caiu sobre um pedaço de espuma, do material que a gente usa para construção de bonecos, que estava logo abaixo do telhado e aí tudo pegou fogo”, contou Guilherme ao g1.
O fogo logo atingiu as telhas antigas feitas de material inflamável e as chamas tomaram conta em instantes. O Corpo de Bombeiros foi acionado e esteve no local para apoiar na ocorrência.
Casa Volante ficou destruída após incêndio acidental durante reforma de telhado
Arquivo pessoal
Apesar dos danos materiais, todos conseguiram escapar e ninguém se feriu. Apenas uma oficina usada para a realização do Festival Arte no Mato, cenário de apresentações regionais, se salvou. Da estrutura do imóvel, o que restou foram as cinzas e as memórias.
“A Casa Volante está fazendo 15 anos esse ano. São 15 anos acumulando material, equipamento, cenário, acervo, os bonecos de todos os espetáculos, os cenários também. Tudo queimou. A nossa história queimou”, desabafou Guilherme.
Memórias e histórias
Mesmo que partilhada com a arte, a casa era um ninho familiar em meio ao mato. As paredes, um “álbum de fotos vivo” que registraram o crescimento dos filhos do casal: Otto, de 14 anos, Rita, de 12, e Jorge, 2.
Família PAM vive na Casa Volante, no Sul de Minas
Arquivo pessoal
“Quando viemos para cá, a gente ficava muito isolado do movimento cultural da cidade grande, e estava fazendo muita falta. […] Tudo tinha uma história. Eu vou ficar com saudades de quando a gente estava fazendo um piso, deixava pegadas com os pezinhos dos meninos. Mais para frente, uma parede, e no reboco colocava as mãozinhas. Então, tem todas essas marcas das crianças que cresceram dentro da casa e a gente perdeu”, relembra Jeanne.
“Fora os bens que a gente traz desde a infância. As fotos, os desenhos e os projetos, os documentos. Parte da casa, do teatro e toda a construção de bonecos desde quando a gente começou. Todo o nosso acervo e equipamentos estavam lá”, disse Guilherme.
Casa Volante após incêndio
Arquivo pessoal
A casa ainda servia como um espaço de acolhimento dos artistas, sendo ponto de cultura e informação. Recebia a comunidade para apresentações de teatro e cinema, além de oferecer oficinas e cursos.
“Era um ponto de encontro para discussão sobre políticas culturais e tudo isso foi afetado”, relatam.
O recomeço
Os próximos passos se apoiam em uma campanha coletiva que envolve amigos, familiares e artistas. O objetivo é arrecadar dinheiro para ajudar nos planos de reconstrução da Casa Volante após o incêndio, em busca de retomar quanto antes as atividades culturais.
Festival Arte no Mato marcou a história da Casa Volante em 2019
Arquivo pessoal
Em uma semana, a mobilização escalou da comunidade local às redes sociais, até chegar na França, país de origem de Jeanne. Isso, devido à ajuda do irmão dela, que também é artista e decidiu montar uma ‘vaquinha online’ do outro lado do mundo.
“Que seja um artista independente, que trabalhe na sua própria casa, alguém sabe o que é perder todo o seu trabalho, todas as suas pesquisas. Esse material, tudo o que foi feito, agora some de uma vez assim… É muito violento, né? Acho que foi isso que motivou as pessoas na França”, disse Jeanne.
Simultaneamente, outra arrecadação virtual acontece no Brasil. De acordo com Guilherme, a contribuição deve permitir uma certa flexibilidade no uso dos recursos, inclusive para pagar a mão de obra da reconstrução do imóvel.
Casa Volante oferecia oficinas e cursos em imóvel localizado na área rural do Sul de Minas
Arquivo pessoal
Conforme a família, a intenção é construir um galpão separado para o trabalho da Casa Volante e uma nova residência familiar e de recepção para os amigos. Eles pretendem usar blocos de adobe – feitos com terra – e já planejam mutirões para erguer as estruturas.
Com o apoio da comunidade local e internacional, eles esperam que a Casa Volante continue a ser um farol de cultura e criatividade na região.
“Vamos atrasar um pouco nosso cronograma de trabalho, porque estamos cuidando das crianças, cuidando da gente. Tentando achar um canto confortável para ficar aqui. Além do cansaço e das emoções, então, nosso trabalho tá em pausa. […] A gente tem que recomeçar. Não vai morrer, não vai morrer esse movimento cultural aqui”, reforçou Jeanne.
Veja mais notícias da região no g1 Sul de Minas