18 de novembro de 2024

Caboclinhos agitam observadores de aves no interior de São Paulo


Brejo em Indaiatuba reúne sete espécies. Aves vêm de diferentes partes do Sudeste e do Brasil Central em direção ao Sul, fazendo uma “parada” na cidade durante o processo de migração. Caboclinho-de-papo-branco (Sporophila palustris)
Rubens Galdino
Quando o avião faz uma parada antes de chegar ao destino, nós chamamos de conexão. Mas e quando uma ave faz isso? É o que acontece em uma área de brejo no Distrito Industrial de Indaiatuba (SP), onde sete espécies de caboclinhos se encontram e fazem uma “pausa na migração” antes de partirem para o Sul do continente e se reproduzirem lá.
A presença de tantas espécies no mesmo local tem chamado a atenção de centenas de observadores de aves de diferentes estados. Todos os anos é assim, mas 2024 reserva algumas surpresas extras, com a presença de uma variedade maior do que a habitual.
Observadores de aves na linha do trem, em Indaiatuba (SP), no sábado (2), Dia de Finados
Thiago Arruda
Além disso, o “aeroporto de caboclinhos” também atraiu um grupo de pesquisadores que veio do Rio Grande do Sul para tentar entender melhor a rota de migração de algumas dessas aves.
As espécies que puderam ser avistadas no local nesta temporada são: caboclinho-branco, caboclinho-de barriga-vermelha, caboclinho-de barriga-preta, caboclinho-de-papo-branco, caboclinho e caboclinho-de-chapéu-cinzento. Alguns machos já apresentavam padrões de plumagem reprodutiva.
De acordo com o ornitólogo Marcio Repenning, professor da Universidade Federal do Rio Grande (FURG), é muito provável que essas aves pousem e passem um tempo no local para se alimentar de sementes de capins nativos e exóticos presentes na área. Outro atrativo é a disponibilidade de água corrente para beber e se banhar.
O gosto por sementes está presente no nome científico dessas aves, já que a palavra Sporophila deriva de duas raízes gregas: sporos, que significa “semente”, e philos, que significa “amante” ou “amigo”. Portanto, Sporophila pode ser traduzido como “amigo das sementes” ou “aquele que gosta de sementes”.
Caboclinho-de-chapéu-cinzento (Sporophila cinnamomea)
Rubens Galdino
“Além disso, essas áreas de ferrovia que tem uma faixa de domínio acabam impedindo que se tenha gado ou algum tipo de cultivo e aí fica à mostra a vegetação aberta daquele lugar, e eles vão ficando. Então quando um ou dois começam a se alimentar, eles se comunicam e mais indivíduos vão descendo por ter essa quantidade grande de sementes”, explica Marcio.
Conhecidos por fazerem grandes migrações, os caboclinhos se reproduzem em uma região que abrange o sul do Brasil (PR, SC e RS), a Argentina e o Uruguai. Após o período reprodutivo, que vai do início de novembro até o final de fevereiro, os indivíduos migram sentido Norte, rumo a áreas de invernada localizadas principalmente no Cerrado do sudeste e centro-oeste do país.
Desde 2017, a bióloga e observadora de aves Rafaela Wolf de Carvalho acompanha anualmente a chegada das espécies a Indaiatuba. Ela ressalta a importância da preservação do habitat dos caboclinhos e também do birdwatching para proteção indireta dessas aves, que são muito visadas por traficantes por conta dos cantos elaborados.
Moradora de Indaiatuba (SP), Rafaela Wolf de Carvalho é bióloga e observadora de aves
José Ferreira/TG
“A presença dos observadores e de pesquisadores não impede a presença de gaioleiros, mas acaba inibindo. A gente também conversou com a prefeitura, com a guarda ambiental e proprietários da área. Então a gente está tentando arrumar formas de fortalecer essa conservação”, diz.
As espécies caboclinho-de-barriga-vermelha, caboclinho-de-barriga-preta e caboclinho-de-papo-branco estão classificadas como Vulneráveis (VU) à extinção, segundo o Sistema de Avaliação do Risco de Extinção da Biodiversidade (Salve) do ICMBio.
Caboclinho-de-barriga-preta (Sporophila melanogaster)
Thiago Arruda
Rastreamento por penas
O motivo dessa e de outras viagens do grupo de biólogos está na pesquisa de Mariana Lopes Gonçalves, doutoranda da FURG, orientada por Marcio. Além de estudar a migração do caboclinho-de-papo-branco, a ornitóloga tenta entender questões que envolvem o sucesso reprodutivo da espécie e como as mudanças climáticas devem afetar seu habitat.
Por meio da análise de penas, que guardam informações sobre a alimentação da ave, Mariana vem mapeando áreas e rotas de migração da espécie ao cruzar esses dados com a disponibilidade de cada tipo de alimento no país. Assim, é possível saber por quais locais ele foi pousando.
Marcio Repenning e Mariana Lopes Gonçalves fazendo o anilhamento de um caboclinho
José Ferreira/TG
“A gente pretende colocar geolocalizadores neles agora para recuperar depois. Eles são fiéis à área de reprodução, então todos os anos eles voltam para o mesmo lugar. A gente coloca em um ano e recupera no outro”, explica Mariana.
Mas antes de qualquer análise ser feita, é preciso capturar os caboclinhos. Para isso, ela e Marcio utilizaram uma rede de neblina. O equipamento, que se assemelha a uma rede de pesca, é formada por fios extremamente finos e fica estendida entre hastes. Quando as aves voam por ela, acabam ficando presas e são retiradas da rede rapidamente.
Rede de neblina auxilia na captura de espécimes para estudo
José Ferreira/TG
Tiradas as medidas e coletadas as amostras necessárias, a ave capturada é anilhada e solta. Outro fator que é analisado é o estágio da troca de penas dos machos, que mudam a plumagem anualmente para atrair a fêmea da espécie na época de reprodução.
Além do padrão de plumagem e do canto serem diferentes, cada espécie de caboclinho também tem sua própria área de reprodução. Para o professor da FURG, tudo isso contribui para evitar que uma espécie cruze com outra, o que algumas vezes acontece. Desse comportamento nascem os híbridos, indivíduos com características misturadas na plumagem quem intrigam os observadores de aves.
O “point” dos caboclinhos em Indaiatuba tem movimentado os grupos de WhatsApp dos observadores de aves, que trocam informações constantemente sobre o lugar. Além disso, agora uma nova missão foi lançada: quem será que fará a primeira foto de um caboclinho anilhado? Na natureza, pesquisa se mistura com a aventura, sempre com o foco de cuidar desses seres cheios de encanto.
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