20 de setembro de 2024

Diretor dos Correios em Juiz de Fora foi um dos primeiros presos políticos do golpe militar de 1964

Viúva de Misael Teixeira, Marita França foi a primeira vítima a procurar a Comissão Municipal da Verdade para contar os horrores que a família sofreu. Ela ficou 10 dias presa em casa com os filhos sem água e luz. Marido morreu aos 42 anos. Tropas militares em 1964, na cidade de Juiz de Fora
Acervo Maria do Resguardo/Reprodução
Neste 1º de abril, o golpe militar de 1964 completa 60 anos. Entre as centenas de brasileiros e brasileiras vítimas de torturas e assassinatos na ditatura que durou 21 anos está a de Marita Pimentel França Teixeira.
Esposa de Misael Cardoso Teixeira, ex-diretor dos Correios em Juiz de Fora, ele foi um dos primeiros presos políticos do período. Detido dias antes do 31 de março, quando as tropas do general Olympio Mourão Filho saíram da cidade mineira para o Rio de Janeiro, onde participaram da deposição do presidente presidente João Goulart.
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A ex-telegrafista foi uma das primeiras a depor na Comissão Municipal da Verdade, criada em 2012 para apurar casos de graves violações contra os direitos humanos em Juiz de Fora.
À uma das relatoras da comissão, Fernanda Sanglard, em 2014 Marita Teixeira contou como o marido dela foi preso e todo o desenrolar da triste história que terminou com a morte de Misael.
Marita França durante depoimento à Comissão da Verdade em Juiz de Fora
Jéssica Dias/Comissão Municipal da Verdade
Operação Silêncio
Segundo documentos da Comissão Municipal da Verdade de Juiz de Fora, Misael Cardoso Teixeira foi detido durante a operação ‘Silêncio’, que tinha o intuito de controlar os veículos de comunicação e facilitar o diálogo entre os militares. Um dos locais ocupados pela ação foi a sede do Departamento dos Correios e Telégrafos da cidade, do qual Misael era diretor.
Volta de viagem e prisão
Segundo depoimento de Marita Pimentel, ela, o marido e os dois filhos tinham recém chegado de uma viagem e estavam em casa, que ficava em cima da sede dos Correios, quando foram surpreendidos pelos militares. A data especificamente não foi citada, mas era durante a Semana Santa de 1964.
“[…] Entraram dois homens de repente, foram prendendo ele sem mais explicar, sem mais, sem nada […] Levaram sem dizer uma palavra, levaram algemado”, disse a ex-telegrafista, que faleceu anos depois.
Após Misael Cardoso ser levado, Marita e os filhos foram mantidos reféns dentro do imóvel, com um soldado na porta. Eles ficaram presos, sem água e energia elétrica por 10 dias até serem liberado e ela entender que o país estava no meio de um golpe militar.
No dia 3 de abril de 1964, os jornais já noticiavam a exoneração do marido dos Correios. Veja imagem abaixo.
Jornal local anunciando a exoneração de Misael como diretor dos Correios
Comissão Municipal da Verdade de Juiz de Fora/Divulgação
Busca pelo marido
Marita procurou incansavelmente pelo marido, até que descobriu que muitos presos estavam sendo levados para Lagoa Santa. Com os dois filhos pequenos, pegou um ônibus até Belo Horizonte.
Já na capital mineira, sem dinheiro, ela conseguiu carona em uma ambulância, e chegou até a base aérea da cidade. Em depoimento, Marita contou que mal reconheceu o companheiro.
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“Estava num abatimento, chorando o tempo todo. Abraçou os meninos e chorava, chorava e chorava. Daqui a pouco veio uma notícia: ‘Acabou a hora, a senhora vai ter que ir embora’, mas eu disse: ‘Eu cheguei agora, nem pude conversar com ele’. Me despedi dele e a única coisa que ele falava era ‘Cuida dos meus filhos'”.
Misael ficou preso por 4 meses e depois foi transferido para o batalhão de infantaria em Juiz de Fora, onde ficou por mais um mês.
Marita disse que o marido começou a apresentar transtornos mentais sérios, que ela acreditava ser o resultado das torturas física e psicológica que o marido sofreu na prisão.. Ele morreu aos 42 anos, em uma instituição psiquiátrica.
Nome de Misael Cardoso Teixeira aparece na lista de presos políticos dos primeiros boletins divulgados.
Foto retirada do relatório final da Comissão Municipal da Verdade de Juiz de Fora/Divulgação
O depoimento na Comissão da Verdade
Marita Pimentel França escolheu depor à Comissão Municipal da Verdade para buscar reparação aos horrores que o golpe militar causou na família dela.
Assim como o depoimento dela, existem muitos outros. Todos eles podem ser lidos em relatório final produzido pela Comissão Municipal de Verdade de Juiz de Fora.
*estagiária sob supervisão de Carol Delgado.
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