26 de dezembro de 2024

Analfabetos urbanos: o dia a dia de quem não sabe ler e precisa se virar nas grandes cidades

De acordo com dados do IBGE, pelo menos nove milhões de brasileiros em idade ativa são considerados analfabetos. Analfabetos urbanos: o dia a dia de quem não sabe ler e precisa se virar nas grandes cidades
Dados divulgados pelo IBGE traçaram o perfil de uma população que enfrenta dificuldades em atividades comuns da vida, como andar de elevador ou pegar um ônibus.
Pelo menos nove milhões de brasileiros em idade ativa são considerados analfabetos. O Fantástico acompanhou o dia a dia de quem não sabe ler e precisa se virar nos grandes centros urbanos.
“Eu fico nervosa, fico com medo de pedir ajuda”, relata a diarista, Janaina Silva.
A pane no elevador é diante de tantos botões. As letras e números não fazem sentido para ela. Janaina tentou decorar as formas, mas confunde: 5 com o S; o 9 com o P; o 6 com o G.
“Eu já fiquei presa algumas vezes, entendeu? E aquilo me sufoca, né? E ainda mais tenho um problema de asma, aí começo a ficar nervosa”, desaba Janaina.
Janaina é um dos 9,3 milhões analfabetos no Brasil. São pessoas que, na melhor das hipóteses, desenham o próprio nome para evitar olhares tortos – ou o olho da rua.
Cidade hostil
O áudio facilitou a vida de Janaina, mas não salvou a diarista quando pediram o telefone de um pediatra. Ela não pôde ajudar na emergência com o filho do patrão e acabou demitida.
O analfabetismo tira oportunidades e faz Janaina gastar mais dinheiro. Ela só se sente segura pagando um motorista de aplicativo no primeiro dia de serviço.
“Eu só sei pegar o 584 que demora para caramba. Aí eu chego em casa quase 9h da noite”, conta Janaína.
Direito
A lei entende que todo mundo está em aprendizagem permanente – inclusive de leitura e escrita; a própria troca do termo “supletivo” por “ensino de jovens e adultos” exemplifica esse conceito mais acolhedor. A “suplência” sugeria a reposição de algo perdido.
O doutor em Psicologia Social Fernando Frochtengarten explica que se houvesse uma idade certa pra estudar, os mais de 9 milhões de analfabetos seriam desviantes. Mas, para ele, o desvio é do Estado que não cria condições favoráveis de acesso à educação gratuita.
“Construiu-se a ideia de que os analfabetos estariam nesta condição como decorrência de uma atitude individual, de uma escolha, da preguiça, da falta de vontade de ir para escola, do ‘não quis aproveitar as oportunidades que teve’. E a gente sabe que o analfabetismo é uma construção histórica, social”, destaca Fernando.
Estigmatização
O IBGE mostra que quase 90% dos analfabetos têm mais de 40 anos, dois terços são pretos ou pardos. A maioria cresceu em cidade pequena em famílias pobres e numerosas que precisavam de braços infantis para o trabalho.
O psicólogo Fernando Frochtengarten nota que o estigma associado ao analfabetismo corrói a autoconfiança e limita as oportunidades.
“É uma pessoa que se cala. (…) Esta é uma expressão consagrada, ‘eu era um bicho até aprender a ler hoje eu consigo olhar na cara do meu patrão'”, comenta Fernando.
Analfabetos urbanos: o dia a dia de quem não sabe ler e precisa se virar nas grandes cidades
Reprodução/Fantástico
Fatalismo
“Era uma explicadora, né? E ela até falou que ‘você é uma pessoa muito difícil de aprender a ler, aí você não vai aprender nunca”, lembra Janaina.
Janaina e outros analfabetos criam estratégias de sobrevivência: contam com a ajuda de amigos, circulam sempre pelos mesmos lugares, decoram logotipos. A cidade muito mais hostil faz adoecer.
O doutor em Educação da USP Roberto Catelli destaca a importância de estímulos para a permanência em sala de aula. O curso noturno onde ele é diretor dá jantar aos alunos da Educação para Jovens e Adultos (EJA).
“O jantar é uma coisa importante. Oferecer o transporte, os municípios tem que oferecer também, né? Porque se a pessoa não puder comer e não puder chegar na escola, ela já não consegue frequentar”, pontua Roberto Catelli.
O recorde de matriculados foi no governo PT. Mas o número de matrículas vem diminuindo.
O Ministério da Educação lançou o programa Pé-de-Meia, que vai dar até R$ 1.800 anuais para segurar estudantes no Ensino Médio – o governo prometeu oferecer também para alunos da EJA.
“O investimento que nós vamos fazer agora com o Pé-de-Meia, com a poupança, é exatamente dizer ‘olhe, se for por questão financeira, nós queremos que você permaneça na escola'”, declara Camilo Santana, ministro da Educação.
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