Investigação independente revelou em julho que 200 mil pessoas em situação vulnerável sob cuidados do Estado da Nova Zelândia sofreram abusos e maus tratos em centros estatais e igrejas. Primeiro-ministro da Nova Zelândia, Christopher Luxon.
Mark Baker/ AP
O primeiro-ministro da Nova Zelândia, Christopher Luxon, fez um “pedido de desculpas formal e incondicional” pelos abusos, torturas e abandono generalizados de centenas de milhares de crianças e adultos vulneráveis sob tutela do estado em sessão no Parlamento neozelandês nesta terça-feira (12).
“Foi horrível. Foi de partir o coração. Foi errado. E nunca deveria ter acontecido”, disse Luxon, enquanto cerca de 200 sobreviventes de abuso e suas famílias assistiam da galeria pública no parlamento em Wellington.
“Hoje, estou pedindo desculpas em nome do governo a todos que sofreram abusos, danos e negligência enquanto estavam sob cuidado. Faço este pedido de desculpas a todos os sobreviventes em nome do meu governo e dos governos anteriores”, afirmou o premiê.
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Estima-se que 200 mil pessoas em centros estatais, lares de acolhimento e instituições religiosas sofreram abusos “inimagináveis” durante um período de sete décadas, segundo um relatório investigativo publicado em julho, ao concluir a maior investigação já realizada na Nova Zelândia. Essas pessoas eram desproporcionalmente maoris, o povo indígena da Nova Zelândia. (Leia mais abaixo)
“Para muitos de vocês, isso mudou o curso de suas vidas, e por isso, o governo deve assumir a responsabilidade”, disse Luxon. Ele afirmou que também se desculpava em nome de governos anteriores.
No entanto, Luxon foi criticado por alguns sobreviventes e defensores das vítimas por não ter incluído planos de compensação junto com o pedido de desculpas desta terça. Ele disse ao Parlamento que um sistema único de reparação seria estabelecido em 2025.
O governo neozelandês já havia reconhecido as descobertas da investigação no momento em que ela foi revelada, em julho, e havia prometido fornecer respostas até o final do ano sobre os planos de reparação.
“Haverá uma conta significativa, mas isso não é nada comparado à dívida que devemos a esses sobreviventes e não deve ser a razão para mais atrasos”, disse Chris Hipkins, líder da oposição, ao Parlamento.
Investigação revela abusos
Pessoas chegam ao Parlamento em Wellington, Nova Zelândia, em 24 de julho de 2024, para a apresentação de relatório de investigação independente sobre o abuso de crianças e adultos vulneráveis sob cuidados do estado neozelandês.
AP Photo/Charlotte Graham-McLay
Uma investigação independente revelou em julho deste ano que agências estatais e igrejas da Nova Zelândia falharam em prevenir, parar ou admitir maus-tratos e abusos de crianças e adultos vulneráveis sob seus cuidados.
Produzido pela Comissão Real —o mais alto nível de investigação que pode ser realizado na Nova Zelândia—, o relatório chamou as descobertas de uma “vergonha nacional”.
De acordo com o instituto, de 650 mil crianças e adultos vulneráveis sob cuidados estatais, de acolhimento e eclesiásticos entre 1950 e 2019, quase um terço sofreu abuso físico, sexual, verbal ou psicológico. Muitos mais foram explorados ou negligenciados. A população da Nove Zelândia é de 5 milhões de pessoas atualmente.
O relatório diz ainda que a escala do abuso foi “inimaginável” com as cerca de 200 mil pessoas que foram abusadas ao longo de sete décadas. Muitos deles seriam Māori, os povos indígenas da Nova Zelândia. Esses números podem ser ainda maiores, considerando que registros oficiais que foram perdidos ou destruídos ao longo do tempo.
Centenas de sobreviventes dos maus tratos e seus apoiadores lotaram a galeria pública no Parlamento neozelandês no momento em que os legisladores responderam às conclusões do relatório.
O relatório criticou algumas figuras seniores do governo e instituições religiosas, que, segundo ele, continuaram a encobrir e desculpar o abuso em audiências públicas. Muitos dos piores episódios eram de conhecimento comum há muito tempo, disse, e os funcionários na época dos abusos estavam “ou alheios ou indiferentes” à proteção das crianças, em vez de apoiar a reputação de suas instituições e abusadores.
A investigação fez 138 recomendações para a legislação, sociedade e governo da Nova Zelândia. Acrescenta-se a recomendações provisórias de 2021 que instavam uma rápida reparação para os abusados, alguns dos quais estavam doentes ou morrendo. Poucas foram implementadas.
Governo reconhece resultados da investigação e promete desculpas e reparação
Em resposta às conclusões do relatório, o governo da Nova Zelândia reconheceu pela primeira vez que o tratamento histórico de algumas crianças em um hospital estadual notório equivalia à tortura, e prometeu um pedido de desculpas a todos os abusados em cuidados estatais, de acolhimento e religiosos desde 1950.
Mas o primeiro-ministro Christopher Luxon disse que ainda era cedo para dizer quanto o governo esperava pagar em compensação — uma conta que a investigação disse que chegaria a bilhões de dólares — ou para prometer que os funcionários envolvidos em negar e encobrir o abuso perderiam seus empregos.
Luxon disse que o governo acreditava nas vítimas e as ouviria, e que estava chocado com as descobertas. Ele disse que o governo se desculparia formalmente com os sobreviventes em 12 de novembro. O governo prometeu fornecer respostas até o final do ano sobre os planos de reparação.
“Sempre pensamos que éramos excepcionais e diferentes, e a realidade é que não somos”, disse Luxon, acrescentando ser “um dia sombrio e triste” para o país.
Figuras seniores da Igreja Católica na Nova Zelândia disseram em uma declaração escrita que haviam recebido o relatório e “agora o lerão e revisarão cuidadosamente”.
O episódio foi “uma vergonha nacional intergeracional” que estava longe de acabar, disse Chris Hipkins, líder do principal partido de oposição da Nova Zelândia, o Labour, que encomendou a investigação enquanto estava no poder.
Debbie Ngarewa-Packer, parlamentar de oposição e co-líder do Partido Māori, disse que não aceitava que o governo precisasse de tempo para digerir o relatório. “O que diabos mudou para nós?” Ngarewa-Packer perguntou ao Parlamento, referindo-se ao que a investigação disse ser o abuso contínuo de pessoas sob cuidados.