Entenda como o Transtorno do Processamento Sensorial afeta o comportamento e qualidade de vida de autistas. Há uma guerra que não vemos, mas que muitos autistas travam silenciosamente todos os dias. Para uma pessoa com Transtorno do Espectro Autista (TEA), o mundo pode se revelar cheio de estímulos que explodem em seu corpo e mente de forma avassaladora. Um som que você ou eu, neurotípicos, mal notamos, para elas pode soar como um trovão. Uma luz que parece branda pode parecer um holofote de super potência atravessando seus olhos. O toque de um papel específico ou de uma etiqueta em suas roupas pode gerar desconforto extremo, provocando reações de pânico ou de rejeição intensa. Para algumas crianças, um simples toque na pele pode ser comparado a um “choque” elétrico, levando-as a evitar contatos físicos até com familiares. Já para outras, o som de um liquidificador ou de um aspirador de pó pode ser insuportável, causando crises de choro ou tentativas de fuga do ambiente. Não há escapatória, o mundo sensorial é o campo de batalha onde essa luta acontece — todos os dias.
O que enfrentam é conhecido como Transtorno do Processamento Sensorial (TPS), uma condição que afeta a forma como o cérebro processa e responde a estímulos sensoriais, e que está intimamente ligada ao autismo. Para autistas com esta condição associada, não se trata de uma escolha, o corpo reage. Crianças com hipersensibilidade sensorial, por exemplo, podem reagir de forma exagerada a sons comuns, que para elas soam ensurdecedores, ou a luzes fluorescentes, que parecem extremamente ofuscantes. Toques sutis podem ser sentidos como incômodos extremos. Se uma luz parece tão forte que machuca, ou se o toque de uma roupa se torna insuportável, como esperar que sigam em frente? Esse não é o “comportamento” de uma criança autista. É a tentativa de se defender de um inimigo que não para de atacá-la.
Por outro lado, algumas crianças no espectro experimentam a hiposensibilidade. Aqui, o problema é a ausência de resposta: não sentem a dor, o frio, o calor. Para essas crianças, a ameaça é outra — a de se ferirem porque o corpo não lhes envia o aviso do perigo. Uma criança com hiposensibilidade, por exemplo, pode não perceber o impacto de uma queda ou o toque quente de uma xícara. Para ela, o risco é real, pois o corpo não sinaliza a presença de dor, calor ou mesmo de frio de forma adequada, o que pode levar a acidentes frequentes.
Onde o incômodo se confunde com desobediência
Nos espaços escolares, os autistas sensíveis aos estímulos enfrentam seus maiores desafios. Lá, onde deveriam aprender, socializar, encontrar um espaço seguro para crescer, o ambiente pode se transformar em um pesadelo. Uma criança com TEA que não consegue processar os estímulos ao seu redor — os sons de conversas, o arrastar de uma cadeira, a luminosidade de uma sala — pode reagir de forma que, à primeira vista, parece incompreensível. E assim, o que muitos veem como “birra” ou “desobediência” é, na verdade, uma tentativa de lidar com uma sobrecarga sensorial que a domina.
Segundo a terapeuta ocupacional Kamilla Spanhol, especialista em integração sensorial “o TPS em crianças autistas se manifesta através de reações extremas ou reduzidas a estímulos sensoriais comuns, como sons, luzes e toques. Elas podem reagir cobrindo os ouvidos a ruídos normais, evitando certos tipos de texturas ou, por outro lado, buscando toques fortes e sensações intensas. Essas respostas incomuns ocorrem porque o cérebro tem dificuldade em filtrar e regular estímulos, uma característica encontrada em grande parte dos autistas, com alguns estudos apontando para até 90% dos casos”. A terapeuta enfatiza que “para minimizar crises e promover o bem-estar dessas crianças, educadores e colegas podem desempenhar um papel fundamental na criação de um ambiente sensorialmente confortável, com áreas tranquilas e fones de ouvido para bloquear ruídos excessivos, respeitando o ritmo de processamento sensorial de cada criança”.
Kamilla Spanhol, pós graduada em transtorno do espectro autista, Aplicação de bandagem terapêutica funcional. Curso básico de terapia de integração sensorial.
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Estratégias terapêuticas e suporte
O DSM-5, manual referência para o diagnóstico de transtornos mentais, inclui a reatividade sensorial alterada como um dos critérios diagnósticos para o autismo, reforçando que essas questões não são meramente comportamentais, mas aspectos fundamentais do TEA. O Transtorno do Processamento Sensorial, por sua vez, também é reconhecido como uma condição que afeta diretamente a forma como as crianças processam e reagem aos estímulos, tanto no autismo quanto em outras condições. A Terapia Ocupacional tem se destacado como uma forma eficaz de lidar com essas dificuldades, oferecendo uma abordagem que foca nas necessidades sensoriais individuais e na adaptação do ambiente para melhorar a qualidade de vida da criança.
“A adaptação é essencial”, afirma Kamilla Spanhol. “Situações cotidianas, como o barulho da escola, cheiros intensos e até roupas com etiquetas, podem causar desconforto extremo, resultando em crises emocionais ou comportamentos de evasão em lugares barulhentos ou com aglomerações. Em casa, a presença de muitas pessoas ou mudanças bruscas também pode ser um fator desencadeador, e a criança tende a se retrair ou apresentar sinais de estresse visível”.
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Muito além do TEA
Sensibilidades sensoriais presentes no TPS não são exclusivas das crianças autistas. Pessoas com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), com transtornos de ansiedade, ou mesmo aquelas que não possuem um diagnóstico específico, também podem sofrer com a dificuldade em processar os estímulos sensoriais. “Por exemplo, no TDAH, há uma busca mais intensa por estímulos, enquanto no autismo, o problema é a dificuldade em processá-los corretamente”, explica Kamilla. É o corpo que não se ajusta ao que deveria ser natural. Para essas pessoas, o simples som de um ventilador, o toque de um tecido ou o cheiro de um perfume pode desencadear uma crise.
Não estamos falando apenas de desconforto; estamos falando de impactos profundos na vida dessas pessoas. Suas interações sociais, o desempenho acadêmico, a vida familiar — tudo está em jogo.
Por isso, o tratamento desta condição é essencial. O terapeuta ocupacional, como destaca Kamilla Spanhol, “faz uma diferença significativa na vida de famílias atípicas ao oferecer intervenções adaptadas e apoiar os pais na criação de ambientes e rotinas que reduzem a sobrecarga sensorial. O apoio familiar e a parceria com profissionais qualificados permitem um progresso sustentável e adaptado às necessidades sensoriais de cada criança”. Kamilla conclui com um conselho para pais: “Observar o que mais causa desconforto e adaptar o ambiente de forma sensível é essencial. Em parceria com profissionais, a criação de um ambiente inclusivo e seguro é a base para que essas crianças tenham uma experiência positiva em seus ambientes diários”.
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