Líder americano será o primeiro mandatário em exercício a visitar a floresta, mas sua visita deixará pouco mais do que fotografias e apertos de mão Lula e Biden se encontraram na Casa Branca em fevereiro de 2023, quando a promessa de recursos para a Amazônia não se cumpriu
Ricardo Stuckert/PR
Quando o Air Force One aterrissar em Manaus e o democrata Joe Biden desembarcar da aeronave presidencial, no próximo domingo, 17, ele se tornará o primeiro presidente em exercício dos Estados Unidos a pisar na Amazônia brasileira na história de 200 anos de relação entre as duas nações.
Biden, que abandonou a campanha de reeleição no meio do ano e viu sua sucessora, a vice-presidente Kamala Harris, derrotada nas urnas por Donald Trump, será recebido por lideranças indígenas e deve visitar o Museu da Amazônia (MUSA), uma reserva nativa de floresta na capital amazonense. Na sequência, ele seguirá ao Rio, onde participará do encontro de líderes do G20 e se encontrará com o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva.
Em termos práticos, porém, a viagem representará pouco para a floresta e para quem vive nela.
A visita amazônica deve ser um desfecho simbólico para um enredo de desacertos na pauta ambiental e climática entre Lula e Biden.
Brasileiros e americanos, no entanto, concordam que a relação acabou salva pela atitude assertiva de Washington na defesa à democracia no Brasil durante e depois das eleições de 2022.
Quanto à Amazônia, o acúmulo de frustrações é evidente. O mandatário americano prometeu muito para o bioma – inclusive quando era ainda apenas candidato – entregou quase nada e, a dois meses de deixar a Casa Branca, já não tem muito mais a oferecer além de fotos e apertos de mãos.
Expectativa x realidade
Ainda em sua campanha para a presidência em 2020, Biden deixou claro que o combate às mudanças climáticas seria um tema central em sua gestão. E usou episódios de graves incêndios na Amazônia meses antes para alavancar sua imagem de líder ambiental internacional.
“Eu começaria imediatamente a organizar o hemisfério e o mundo para prover US$ 20 bilhões [R$ 116 bilhões] para a Amazônia, para o Brasil não queimar mais a Amazônia”, prometeu Biden durante um debate televisivo com Donald Trump. À ocasião, a manifestação gerou mal-estar no governo de Jair Bolsonaro, alinhado a Trump.
No poder, Biden destacou seu Enviado Climático, o ex-secretário de Estado John Kerry, para negociar com o governo brasileiro avanços na preservação ambiental no país em troca de recursos financeiros. A Kerry interessava mostrar resultados que a gestão Biden queria obter rapidamente, para mostrar que os EUA ainda tinham condições de liderar o mundo no assunto.
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Reuters
Já o governo Bolsonaro queria que os americanos se comprometessem a destinar US$ 1 bilhão (R$ 5,8 bilhões) por ano à Amazônia brasileira de saída, sem que o Brasil apresentasse resultados de redução de desmatamento de antemão. As negociações, do lado brasileiro, ficavam a cargo do então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.
Enquanto prometia empenho no trabalho de proteção ambiental aos americanos, o governo federal cortava o orçamento dos órgãos de fiscalização dos biomas.
Com o passar das semanas, entre os democratas criou-se a percepção de que Kerry estava “sendo passado para trás” pelos bolsonaristas, tanto assim que ele chegou a ser chamado a uma sessão no Congresso para se explicar aos próprios democratas sobre o avanço das negociações.
Mas, na prática, embora as conversas com Kerry tenham se seguido até o fim do governo Bolsonaro, nenhum dinheiro jamais foi liberado nesse período.
Lula se elegeu prometendo promover o oposto da agenda de Bolsonaro em relação ao meio ambiente e superou uma ruptura política histórica com Marina Silva para instalá-la em seu Ministério do Meio Ambiente. Marina goza de alta reputação no assunto com os americanos.
Então, quando a gestão Biden pressionou por uma visita ainda nos primeiros três meses de governo, em 2023, antes do embarque de Lula para a China, Brasília entendeu que Washington cumpriria suas promessas de verbas, especialmente para o Fundo Amazônia, recém reativado. Antes mesmo que Lula tomasse posse, ainda na Cúpula do Clima do Egito, à qual o presidente eleito compareceu, os americanos sinalizaram com a intenção de efetuar os repasses.
O encontro, no entanto, foi planejado às pressas para o começo de fevereiro daquele ano e quando os americanos revelaram suas intenções, eles tinham apenas US$50 milhões para aportar no Fundo Amazônia.
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Diplomatas americanos disseram que este era apenas um “gesto inicial”, “unilateral”, “de boa vontade” e confiança no trabalho que a gestão Lula viria a desenvolver, mas que mais dinheiro viria na sequência. As autoridades do Brasil e dos EUA acordaram então, que o valor, tido pelos brasileiros como “simbólico”, sequer seria mencionado no comunicado conjunto dos dois países.
Em abril de 2023, Biden pareceu cumprir sua promessa: anunciou que os americanos pretendiam remeter US$ 500 milhões (R$ 2,9 bilhões) ao Fundo Amazônia, divididos em cinco anos. Mas, na verdade, o envio dos recursos dependia de aprovação do Congresso.
Com a Câmara dos Representantes tendo maioria republicana, sempre foi remota a possibilidade de que o dinheiro realmente desembarcasse na Amazônia.
Em 2023, durante as discussões do Orçamento do Executivo americano, a BBC News Brasil procurou o Representante Mario Díaz-Balart, relator dos gastos com política externa, para consultar sobre a possibilidade de que o Fundo Amazônia fosse incluído na peça.
“Sinceramente, nem sei de que fundo você está falando”, respondeu Díaz-Balart. O orçamento aprovado não previu um centavo para o Fundo Amazônia.
“Agora com a vitória de Trump, sabemos que as questões de meio ambiente estão fora do jogo. É remoto que vejamos qualquer dinheiro para o Fundo Amazônia”, afirmou à BBC News Brasil um embaixador brasileiro com conhecimento direto das negociações.
Recentemente, uma equipe de diplomatas do país interpelou o senador republicano Lindsey Graham sobre o Fundo Amazônia. Ouviu dele que votaria a favor porque Graham é caçador por hobby e precisa de animais vivos para poder caçar. Foi uma das respostas mais positivas obtidas na base trumpista sobre o assunto.
A expectativa dos brasileiros é que a proteção do meio ambiente acabe sendo um efeito colateral positivo de políticas que devem interessar à administração Trump.
Foi durante o primeiro mandato do republicano que os dois países lançaram o US Brazil Energy Forum, que deve se manter em funcionamento agora.
“Eles estão interessados em coisas com viabilidade econômica alta e no domínio das tecnologias de energia renovável, até para disputar com a China. Então há interesses nessas áreas de hidrogênio verde, energia solar, baterias de lítio, etc”, disse o mesmo embaixador.
Os democratas nutriam a expectativa de “refundar” a relação ambiental com o Brasil em um possível governo Kamala Harris e especulavam que ela usaria a viagem para a COP30, em Belém, no ano que vem, para anunciar grandes e concretas parcerias binacionais. Trump atropelou os planos com sua acachapante vitória eleitoral. Enão há no governo brasileiro qualquer expectativa de que Trump compareça à COP do Brasil.
Biden será o primeiro presidente americano em exercício a visitar a floresta amazônica
Getty Images via BBC
Legado pessoal de Biden
Oficialmente, o Departamento de Estado defendeu que o plano de Biden ir à Amazônia já estava traçado antes da derrota democrata nas urnas e que a manutenção da agenda apenas reforça o compromisso que ele sempre teve com o tema.
No plano original, Lula levaria o americano a um tour semelhante ao do líder francês Emmanuel Macron, o que não se concretizou porque Lula reduziu as viagens depois de um acidente doméstico.
Mas ao menos quatro diplomatas brasileiros e democratas ouvidos reservadamente pela BBC News Brasil, concordaram que a vinda de Biden à Amazônia no apagar das luzes de seu mandato é o que os americanos costumam chamar de “too little, too late”, “muito pouco, muito tarde”, na tradução literal.
Para estas fontes americanas, a fotografia na floresta e a marca de ser o único presidente em exercício dos EUA a ter estado ali são adições importantes para o legado pessoal de Biden e para a construção de sua imagem em contraponto à de seu antecessor, e agora também sucessor, Donald Trump, um negacionista das mudanças climáticas cujo mote de campanha foi “Drill, baby, drill”, algo como “perfure, baby, perfure”, sobre aumentar a exploração de petróleo do país.
Algo que o Conselheiro de Segurança Nacional de Biden, Jake Sullivan, também indicou em uma breve manifestação nesta quarta, 13, ao comentar a viagem.
“O presidente viajará para o Brasil e começará com uma parada histórica na Amazônia para reforçar o seu compromisso pessoal e o compromisso contínuo dos EUA em todos os níveis de governo e em todo o nosso setor privado e sociedade civil para combater as mudanças climáticas no país e no exterior. E esta tem sido, obviamente, uma das causas definidoras da presidência do Presidente Biden”, disse Sullivan.
Domesticamente, Biden tem avanços a mostrar no tema por ter aprovado o maior pacote da história americana para impulsionar investimentos em transição energética e meio ambiente (US$ 145,4 bilhões, aproximadamente R$ 843,32 bilhões), o Inflation Reduction Act (IRA), e por ter criado a inédita figura de Enviado Climático da gestão, que coube a Kerry.
Agora, sua gestão corre para empenhar o montante do IRA ainda não usado antes que Trump ocupe o salão oval, em 20 de janeiro de 2025. O republicano já disse que pretende cancelar o que for possível de tais gastos.
Internacionalmente, porém, a iniciativa mais visível de Biden foi o retorno ao Acordo Climático de Paris. “Essa foi a única contribuição real dos americanos no assunto nos últimos tempos. E Trump deve mais uma vez retirar os americanos disso”, avalia um diplomata brasileiro em missão nos EUA, que acompanha a política americana de perto.
Nenhum dos profissionais da diplomacia brasileira ouvidos pela reportagem nutria grande expectativa sobre qualquer possível anúncio que Biden possa fazer nesta passagem por solo brasileiro. Até porque qualquer decisão pode ser desfeita em pouco mais de 60 dias.
No jargão político, a atual situação de Biden, um presidente ainda na cadeira com sucessor político já eleito, é conhecida como “pato manco”. No caso de Biden, seu sucessor é um opositor que promete o oposto do que o democrata pregava.
“Honestamente, a viagem à Amazônia não faz muito sentido pra mim, não há agenda nenhuma a salvar até porque já nada do que ele fizer importa. Existe pato manco e existe O pato manco. Biden é deste último tipo”, afirmou, em caráter reservado, um democrata especialista em América Latina e com vasta experiência no Departamento de Estado e na Casa Branca.