Maurina Borges da Silveira foi acusada de terrorismo em Ribeirão Preto, SP, presa, torturada e exilada. Documentário ‘Madre’ é dirigido pelas jornalistas Ana Paula Pinheiro e Marcela Varani. Documentário conta história de madre perseguida em Ribeirão Preto pela ditatura militar
Passados 60 anos do golpe militar no Brasil, o documentário nacional ‘Madre’ conta a história da freira Maurina Borges, torturada, presa e extraditada durante a ditadura militar. A obra lembra, sob uma perspectiva feminina, o papel de Maurina, que atuou em Ribeirão Preto, na resistência.
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Áudios e vídeos inéditos do período foram resgatados pelas diretoras Ana Paula Pinheiro e Marcela Varani (assista ao trailer no vídeo acima).
O documentário começou a ser produzido em 2020 por uma equipe formada em sua maioria por mulheres. A história é contada, exclusivamente, por meio de 15 entrevistadas, entre presas políticas da época, religiosas, uma historiadora e uma advogada.
“Nós fomos percebendo, através das pesquisas e dessas fontes todas que toda a história vinha sendo contada por homens. Era uma narrativa construída por homens, do que tinha sido essa mulher, como tinha sido essa história”, lembra Marcela.
Gravação de entrevista para o documentário ‘Madre’, que conta a história de Maurina Borges em Ribeirão Preto, SP
Arquivo Pessoal
Para Ana Paula falar sobre a trajetória de resistência da madre, que atuou a maior parte da sua vida em Ribeirão Preto (SP), é uma forma de revisitar a história e refletir sobre o futuro do país. Durante o processo de pesquisa as diretoras ouviram relatos que foram silenciados com o tempo, por medo ou esquecimento.
O documentário faz um paralelo entre passado e presente e dá às mulheres que participam, além das memórias de Maurina, o protagonismo em suas histórias de resistência, como conta Ana Paula.
“Trazer histórias anônimas, histórias pouco conhecidas, discutir a ampliação de perspectivas sobre a mulher, sobre a participação dela, é de fundamental importância para a gente entender o que foi a ditadura militar. Nós temos explicações apenas institucionais e que os homens que foram os heróis”.
Maurina Borges, a madre Maurina
Maurina Borges da Silveira nasceu em Araxá, Minas Gerais, mas mudou-se para Ribeirão Preto, onde atuou por muitos anos no orfanato Lar Santana, na Vila Tibério, zona Oeste da cidade. Em outubro de 1969, época que era diretora da instituição, a religiosa foi presa por suspeita de abrigar membros do grupo guerrilheiro Forças Armadas da Libertação Nacional (Faln).
Madre Maurina durante exílio no México após ser presa em Ribeirão Preto, SP
Saulo Gomes/Arquivo Pessoal
Marcela ressalta que durante a pesquisa percebeu que muitos homens falavam sobre a ingenuidade de Maurina, como se ela não tivesse consciência política, e que tinha sido uma vítima, na verdade, da resistência.
“Nós fomos percebendo que essa história não era bem assim. Inclusive nos próprios áudios inéditos que nós temos no filme, ela mesma se coloca e conta que tomou, sim, um posicionamento e que não se arrepende do que tinha feito. Da maneira dela, ela não era da luta armada, mas era, sim, uma resistência”.
A madre foi a única religiosa presa durante o regime militar brasileiro. Maurina passou por cinco meses de tortura e o seu irmão, frei Manoel Borges da Silveira, chegou a afirmar que ela sofreu assédio sexual e recebeu choques nos seios.
Maurina Borges da Silveira foi torturada ao ser presa em Ribeirão Preto, SP, durante a ditadura militar
Arquivo pessoal
A freira passou pelo quartel de Ribeirão Preto, ficou na cadeia de Cravinhos (SP) e também em presídios de São Paulo e Tremembé (SP), onde soube do seu exílio forçado para o México, em 1970.
Ela ficou exilada durante 15 anos e voltou ao Brasil após a anistia, em 1985. Maurina morreu em 2011, aos 84 anos, em um convento de Araraquara (SP). A religiosa estava com mal de Alzheimer.
Mulheres na resistência
A ideia para o documentário ‘Madre’ surgiu com Ana Paula, que nasceu e morou grande parte da vida em Ribeirão Preto. Apesar da família morar na Vila Tibério, próximo ao Lar Santana, ela nunca tinha ouvido falar sobre a história da madre Maurina.
Gravação do documentário ‘Madre’ reúne depoimentos de pessoas que conviveram com Maurina Borges, perseguida pela ditadura militar em Ribeirão Preto, SP
Arquivo Pessoal
Foi apenas na faculdade de jornalismo, há 20 anos, que ela foi apresentada à história e desenvolveu seu trabalho de conclusão de curso sobre o tema. Depois de passar um bom tempo adormecido, em 2020, junto com Marcela, elas decidiram se aprofundar na pesquisa.
“Foi mais de um ano de pesquisa e uma pesquisa muito profunda. Não só em relação à ditadura e como se deu isso no interior de São Paulo, mas, também, as pessoas que foram resistência. A história em si da Maurina e a história de mulheres que cruzaram o caminho da madre”.
A pesquisa documental precisou do esforço das diretoras para encontrar nas entrelinhas o que Maurina realmente tinha falado e feito na época. A maior parte dos documentos eram relatos de homens que citavam indiretamente a madre.
A partir das pesquisas, diversos nomes apareceram, muitos de outras figuras femininas, e por isso surgiu a ideia de contar a história da madre a partir de um recorte de gênero. Ana Paula conta que o resultado valeu a pena.
“Nós acabamos chegando a áudios inéditos dela. Chegamos a uma ex-presa política que ficou com ela na cadeia de Cravinhos e que ainda está viva. É a primeira vez que ela está falando sobre o tema. Nós fomos para o México gravar com uma freira que esteve com ela no período em que ela foi banida”.
Lar Santana, na Vila Tibério em Ribeirão Preto, SP, é parte da história de madre Maurina
Arquivo Pessoal
Outra fonte importante do documentário é a Congregação Franciscana a qual Maurina pertencia. Foram seis meses de negociação para a instituição se pronunciar e ceder arquivos importantes que ajudaram na construção, como conta Marcela.
“A gente queria esse olhar da própria Maurina em primeiro lugar, dar esse espaço, apesar dela já ser falecida. E depois, então, chegando a outras fontes e outros arquivos a partir dessa perspectiva das mulheres, a gente vai descobrindo que muitas mulheres eram resistência, ainda que de forma anônima, mas também foram muito importantes”.
O documentário que já passou este ano pelo Festival Cine del Mar, no Uruguai, e pelo Inffinito Festival, nos Estados Unidos, conta com músicas cedidas por grandes nomes, como Chico Buarque, Gilberto Gil e Paulo César Pinheiro.
Para Ana Paula Pinheiro, lançar a obra no marco de 60 anos do golpe é uma forma de levar os brasileiros à reflexão. Ao trazer a ditadura sob uma perspectiva feminina, é possível não apenas entender a importância das mulheres durante o período de 1964 a 1985, mas também da participação das mulheres na política até hoje.
Gravações do documentário ‘Madre’ no prédio onde funcionou o Lar Santana em Ribeirão Preto, SP
Arquivo Pessoal
*sob supervisão de Thaisa Figueiredo
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