Isópode acessa o corpo dos hospedeiros por meio das brânquias e se agarra na base da língua, causando atrofia no órgão por falta de sangue e substituindo-o. Isópode parasita Cymothoa exigua substitui a língua dos hospedeiros
Christian Gloor/Wikimedia Commons
Imagine um ladrão subaquático que não apenas rouba, mas também substitui o que foi roubado. É exatamente isso que o Cymothoa exigua faz. Esse crustáceo parasita acessa o corpo dos peixes pelas brânquias, se instala em suas línguas e acaba causando a atrofia do órgão por falta de sangue, posteriormente assumindo o papel delas, transformando-se em uma “nova língua” para o peixe.
O parasita se alimenta do sangue de uma artéria na língua do peixe e vai crescendo aos poucos. Com o tempo, a língua original atrofia até desaparecer completamente. Mesmo assim, o peixe ainda consegue usar a “nova língua” para triturar alimentos contra os pequenos dentes no céu da boca.
Depois que o parasita se instala, sua reprodução é facilitada pelo fato de ser uma espécie hermafrodita, não precisando deixar o hospedeiro para se reproduzir. Uma única fêmea pode gerar até 600 ovos. Quando o peixe hospedeiro morre, o parasita se desprende da língua, sai da boca e, depois de um tempo, pode ser visto se movendo pela parte externa da cabeça ou do corpo do peixe.
Um fato curioso sobre essa relação é que apenas a fêmea da espécie realiza esse processo, através de ganchos especializados para se alimentar do sangue e muco do peixe enquanto nutre seus embriões em desenvolvimento. Já o macho, que é menor, prefere aderir-se às guelras do peixe hospedeiro.
“O macho tem a função de fecundar a fêmea na região das brânquias do peixe e logo após isso, a fêmea migra para a região da boca do peixe, onde se fixa na língua do animal. O macho também pode, eventualmente, fecundar a fêmea quando ela está na cavidade bucal. Todos esses animais nascem como juvenis e se tornam machos. À medida que crescem, podem continuar como machos ou se transformar em formas transicionais e, posteriormente, fêmeas”, explica Felipe Bezerra Ribeiro, professor da FFCLRP-USP e doutor em Biologia Animal.
O Cymothoa exigua é um parasita relativamente comum, podendo ser encontrado em vários mares ao redor do mundo. O parasita já foi registrado no Pacífico Oeste, tanto na Califórnia quanto no Equador, no Pacífico Leste, no Mar do Norte (Reino Unido) e no Mar Vermelho.
Cymothoa exigua
vicentinodominickarias/iNaturalist
“Esses parasitas podem localizar os peixes hospedeiros por meio de pistas visuais e químicas, e que os indivíduos exibem uma estratégia de localização do hospedeiro que maximiza a taxa de encontro, ao mesmo tempo que reduz o gasto de energia”, informa o especialista.
No Brasil, são registradas oito espécies do gênero Cymothoa. A espécie Cymothoa exigua não ocorre no Brasil, mas outras espécies do mesmo gênero e com o mesmo comportamento sim, como o Cymothoa recifea.
Consequências
“Os parasitas podem causar lesões de pele, atrofia na língua, hemorragia, danos nas brânquias e diminuição da capacidade de natação. Esses efeitos às vezes levam à morte do peixe hospedeiro”, diz Felipe Ribeiro.
Segundo ele, além dos efeitos diretos das infestações de parasitas, infecções secundárias por bactérias e fungos podem surgir nos locais das lesões. Essas infestações podem afetar espécies de peixes que são comercialmente importantes na aquicultura e na pesca, levando a perdas econômicas.
“Esse parasita afeta o comportamento, o crescimento e a distribuição de seus hospedeiros, diminuindo seu crescimento e eficiência alimentar e causando desnutrição, o que afeta posteriormente a condição de saúde e a sobrevivência dos peixes parasitados”, explica o mestre em Ciências Marinhas Tropicais.
Quando o peixe hospedeiro morre, o parasita se desprende da língua e procura outro alvo
Efraín Octavio Aguilar Pérez/iNaturalist
Os principais fatores que influenciam a propagação e o sucesso de Cymothoa exigua são a disponibilidade de hospedeiros e a temperatura da água. Esses animais ocorrem em menor número em águas mais frias, tendo preferência por áreas tropicais.
Atualmente, acredita-se que o isópode não represente um perigo significativo para os humanos, embora ele possa reagir com mordidas se for manipulado ou separado de seu hospedeiro.
Embora nossa reação imediata seja querer eliminar esses parasitas a qualquer custo, é importante entender que muitos deles têm um papel biológico importante em diferentes fases da cadeia alimentar, especialmente ajudando a remover materiais em decomposição.
*Texto sob supervisão de Lizzy Martins
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