Homens negros, comparados com homens brancos, recebem menos. Especialistas defendem mudança estrutural e atualização da Lei de Cotas no serviço público, que tramita no Congresso Apesar de serem maioria no serviço público, as mulheres negras são as profissionais menos remuneradas na categoria, segundo o Anuário de Gestão de Pessoas no Serviço Público, elaborado pela organização República.org com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), feita em 2024 pelo IBGE.
De acordo com o levantamento, 29,3% dos profissionais no serviço público são mulheres negras; 26,8% mulheres brancas. Por outro lado, 23,3% são homens negros; e 19,2% homens brancos.
Mas a remuneração de cada um desses grupos segue a proporção oposta. As mulheres negras representam apenas 8,5% entre os servidores que recebem entre 10 e 20 salários mínimos, faixa salarial mais elevada, enquanto os homens brancos são 45,1% neste grupo.
Além da questão de gênero, a discrepância racial também fica evidente no comparativo com homens negros, que são 20,2% dos que recebem entre 10 e 20 salários mínimos.
Dentro da remuneração de um a dois salários mínimos, as mulheres negras são maioria (34,4%), enquanto os homens brancos representam apenas 13,7% desta faixa.
Veja abaixo os números da PNAD e do República.org:
Remuneração de 1 a 2 salários mínimos
34,4% mulheres negras
26,8% mulheres brancas
24,2% homens negros
13,7% homens brancos
Remuneração de 10 a 20 salários mínimos
45,1% homens brancos
23,7% mulheres brancas
20,2% homens negros
8,5% mulheres negras
As mulheres negras são maioria no serviço público municipal, que costuma ter remunerações mais baixas do que nos setores federal e estadual.
“A explicação está nas carreiras que, tradicionalmente, essas mulheres são alocadas. Nos municípios, as mulheres negras assumem funções da área de cuidado, como professoras, enfermeiras e técnicas de enfermagem, menos valorizadas e com remunerações menores”, diz Vanessa Campagnac, autora do estudo e gerente de dados e comunicação da República.org.
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Campagnac também cita um “teto de vidro” para as mulheres, que tende a ser ainda mais desigual com o recorte racial. Segundo ela, mesmo que mulheres entrem no serviço público, a ascensão a cargos de liderança, que têm uma remuneração maior, costuma ser mais demorada do que para homens.
“A progressão na carreira é mais difícil para mulheres, e para mulheres negras é ainda mais desigual. Juntando gênero e raça, essa discrepância vai aumentando”, afirma.
Outro aspecto fundamental para explicar essas diferenças está na desigualdade de oportunidades para cada um desses grupos.
“Apesar de, teoricamente, o concurso público ser igual para todos, a gente não pode esquecer das oportunidades que as pessoas têm ou deixam de ter. Quem consegue parar para estudar para o concurso? Quem tem condições de, por exemplo, se mudar para Brasília para prestar um concurso federal?”, questiona a pesquisadora.
“As desigualdades da nossa sociedade ficam espelhadas no serviço público, que não está apartado da sociedade, traz as mesmas injustiças que a gente vê na sociedade”.
A pesquisadora elogia iniciativas como o Concurso Nacional Unificado (CNU) que, segundo ela, permitiu que pessoas em diferentes regiões pudessem aplicar o exame. Mas diz que “não há bala de prata” e que é preciso uma “mudança estrutural” na sociedade.
Além disso, Vanessa defende a aprovação e sanção do projeto de lei que que reserva às pessoas pretas e pardas, indígenas e quilombolas 30% das vagas em concursos públicos federais.
O texto atualiza a Lei de Cotas no serviço público, que perdeu a validade em junho de 2024, após 10 anos de vigência. Sem a aprovação da proposta, as cotas raciais no serviço público poderiam ser judicializadas.
O projeto foi aprovado em maio no Senado e nesta terça-feira (19) pela Câmara. Como os deputados alteraram o texto, ele retorna para mais uma análise dos senadores. Além de garantir a sequência da norma, o projeto aumenta de 20% para 30% o percentual das cotas.