Luciana Dantas, de Bauru (SP), comprou a peça, produzida pela artesã Thamires Alves, de São José do Rio Preto (SP), para presentear a avó de 102 anos. Dia da Consciência Negra é celebrado nesta quarta-feira (20). Avó Luzia, de 102 anos, segurando seu primeiro presépio negro em Cafelândia (SP)
Arquivo pessoal
Nesta quarta-feira (20), pela primeira vez, o Dia da Consciência Negra é celebrado como feriado nacional no Brasil. E, no interior de São Paulo, três mulheres se conectaram por meio da arte, da religião e da representatividade racial.
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Tudo começou quando Luciana Dantas, de Bauru (SP), decidiu presentear a avó, de 102 anos, com um presépio negro. As peças foram confeccionadas por uma artesã de São José do Rio Preto (SP), inspiradas na história de uma criança negra que não se reconhecia na imagem da Sagrada Família.
A peça de artesanato foi encontrada por Luciana em um espaço chamado Compre do Pequeno, na Feira do Empreendedor deste ano, em São Paulo (SP).
A psicóloga foi até o evento pois é uma das responsáveis pelo projeto As Saletes, cujo objetivo é unir mulheres, mães e empreendedoras em situação de vulnerabilidade para trabalhar habilidades manuais, autoestima e descobrir novas fontes de renda.
A ida até a feira foi uma possibilidade de encontrar as participantes desse grupo, principalmente para ver o que estava sendo exposto, receber informações e ampliar os conhecimentos.
Participantes do projeto As Saletes, pelo qual Luciana é responsável, em Bauru (SP)
Arquivo pessoal
Além disso, Luciana ressalta que, por ser uma mulher negra e pela maioria das participantes do grupo também ser, ela buscou artesanatos que resgatassem essa identificação, e que se surpreendeu positivamente com a diversidade apresentada no evento e com a preocupação dos artistas em atender e representar todas as etnias.
“Foi fantástico, porque eu percebi que havia vários espaços, vários empreendedores negros, com vários produtos, artesanatos, buscando esse espaço de identidade e representação da negritude”, ressalta Luciana.
Presente único e especial
Em razão da proximidade com o fim do ano, a psicóloga lembra que existiam muitas opções de peças referentes ao Natal e que, ao ver o presépio, ficou difícil não se lembrar da avó Luzia Dantas e da conexão dela com o catolicismo.
“Mesmo que a gente tenha religiões distintas, toda vez que eu vou visitá-la, ela tem palavras abençoadas para me falar. Quando eu vi o presépio, a Sagrada Família preta, pensei nela na hora”, relata a psicóloga.
A entrega do presente, em Cafelândia (SP), foi muito especial, já que a avó se emocionou e demonstrou, mais uma vez, o carinho pela neta. Depois disso, Luzia colocou o presépio negro ao lado da vela da Nossa Senhora Aparecida, na sala da casa dela.
“Ela nunca se sentiu representada. Então, ver figuras que representam a sua fé e que se parecem com você… Isso fala da sua identidade como ser humano. Olhar essas figuras que representam o sagrado… Essa é a beleza da arte”, finaliza a neta.
Presépio ficou em um lugar especial de sua casa, ao lado da vela de Nossa Senhora Aparecida
Arquivo pessoal
Representatividade
A artesã responsável por criar o presépio é Thamires Alves, moradora de São José do Rio Preto (SP). Quando começou a confeccionar as peças, ela tinha o objetivo de unir arte, religião e representatividade racial, mas o que não imaginava era que se tornariam um presente tão especial e inesquecível para a avó de Luciana.
“Quando a Luciana viu o presépio, ela se encantou pelos personagens negros e me contou a história da avó dela, que, com 102 anos, nunca teve um presépio que a representasse. Eu fiquei emocionada e sem palavras”, revela.
Presépio que Thamires fez para Luciana
Arquivo pessoal
Luciana registrou o momento da entrega do presépio e enviou as fotos para Thamires. A artesã conta que ficou muito emocionada e, ao mesmo tempo, se sentiu realizada pelo que pôde proporcionar à idosa.
“Quando recebi as fotos, eu chorei! Só conseguia pensar em como eu consegui, de alguma forma, tocar a vida da Luzia por meio de um presépio”, conta.
Conscientização
No Dia da Consciência Negra, Thamires revela que, em relação a pedidos com representatividade, as pessoas ainda ficam envergonhadas de explicar como querem as peças e, com isso, recebe poucas encomendas desse tipo.
Uma das encomendas que a artesã de Rio Preto (SP), Thamires, já fez para um cliente
Arquivo pessoal
A artesã já produziu alguns personagens negros, mas um presépio que representasse a cor e a raça ela nunca tinha visto. Após ter contato com uma criança negra que dizia não se sentir representada pela imagem da Sagrada Família, a artista decidiu confeccionar as peças.
“Depois de olhar nas redes sociais, eu não consegui identificar nesses presépios personagens da pele preta. No início, eu me questionei muito em fazer a peça, mas eu tive o contato com uma criança negra que observava algumas peças de Natal e não se identificava. Foi aí que decidi fazer a peça”, conta.
Outra encomenda que a artesã de Rio Preto (SP), Thamires, já fez para um cliente
Arquivo pessoal
O artesanato, por ser uma forma de expressão, é capaz de transmitir os sentimentos daquele que produz e também das pessoas que recebem e contemplam o trabalho. Essa conexão se tornou incentivo para Thamires buscar, por meio de seus dons, eternizar momentos, emoções e pessoas.
“As pessoas querem se sentir importantes e amadas, não importa a cor, etnia e religião. Então, eu consigo fazer a diferença na vida delas por meio do meu trabalho”, conta.
*Colaboraram sob supervisão de Henrique Souza e Mariana Bonora
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