Especialistas comentam o impacto da eleição do presidente Yamandú Orsi no futuro do acordo do Mercosul com a União Europeia. A vitória do esquerdista Yamandú Orsi na eleição presidencial do Uruguai, no último domingo (24), dá ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva um aliado estratégico no continente e também dentro do Mercosul.
É um presidente a mais de esquerda em uma América Latina com espectros ideológicos divididos. Na vizinha Argentina, por exemplo, um dos maiores parceiros comerciais do Brasil, Lula tem de lidar com o autointitulado “anarcocapitalista” Javier Milei, um presidente conservador de direita (veja mais abaixo a correlação de forças no continente).
Orsi, do Uruguai, foi eleito pela Frente Ampla. Ele é discípulo do ex-presidente uruguaio Pepe Mujica, aliado histórico dos governos do PT — partido de Lula — no Brasil.
No Palácio do Planalto, a vitória de Yamandú foi comemorada. E um sinal do que será a proximidade com Lula ocorreu nesta sexta-feira (29), quando o futuro presidente visitou o colega em Brasília, em sua primeira viagem internacional após a vitória.
Presidente eleito do Uruguai, Yamandú Orsi, e o presidente Lula.
Reprodução/Instagram
“O cenário para Lula com a eleição de Yamandú é bastante otimista, porque, além de ter essa convergência ideológica, acho que o mais relevante é que o presidente eleito tem como principal mentor Pepe Mujica, que, durante sua presidência fez uma política externa de alinhamento ao Brasil. Mujica chegou a declarar que o que é bom para o Uruguai é bom para o Brasil”, analisou Pedro Feliúo, professor de relações internacionais da Universidade de São Paulo (USP).
Mercosul
Um dos principais trunfos que a eleição de Yamandú traz para Lula é ter uma parceria mais próxima nos assuntos do Mercosul.
O bloco regional é formado por Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e Bolívia. Milei, que preside o segundo país mais importante do bloco, alardeia desde sua campanha eleitoral, em 2023, que não acredita no Mercosul como instrumento para impulsionar o desenvolvimento regional. Essa visão é oposta à de Lula, que entende que um Mercosul forte é um fator crucial para que seus países membros se fortaleçam diante do mundo.
O bloco, aliás, foi tema de conversa entre Lula e Yamandú nesta sexta. Ele ressaltou a importância de conclusão do acordo comercial com a União Europeia, pauta que Lula também defende, mas que ainda está travada em razão de resistência de alguns países europeus, que temem perder espaço para a agropecuária sul-americana.
“Como Mercosul e como região, somos otimistas com a possibilidade de seguir estreitando laços com outras regiões, fundamentalmente com a Europa”, declarou Orsi ao lado de Lula.
O atual presidente uruguaio, Luis Lacalle Pou, é simpático ao Mercosul, mas não é alinhado a Lula como Yamandú.
“Do ponto de vista do futuro do Mercosul, vão ter águas mais calmas desde Montevidéu, em relação à integração regional e ao apoio ao Mercosul , com a tarifa externa comum e com a negociação em bloco”, explicou o professor Feliúo.
“É uma boa notícia para o governo Lula, porque o Pou, que vai deixar o poder em breve, apesar de uma boa relação, havia limites. Em tese, agora vai ter um maior diálogo entre o Planalto e Montevidéu”, completou o especialista.
José Mujica diz não acreditar em acordo entre União Europeia e Mercosul
Ainda assim, a influência de Milei no Mercosul será relevante, e Brasil e Uruguai terão que ser hábeis para negociar com o colega argentino.
Para o cientista política André César, o bloco vai perder muita força se o acordo com a União Europeia não se concretizar.
“Não vejo o Mercosul como um bloco único. É uma prática muito boa que não saiu do papel. Eu vejo cada um por si e, caso ‘mique’ de vez o acordo União Europeia, o Mercosul quase vai perder o sentido”, afirmou o especialista.
Reunião do Mercosul na semana que vem
Na próxima sexta (6), Lula terá novo encontro com Orsi, pois estará em Montevidéu, no Uruguai, para a reunião de chefes de Estado do Mercosul, quando o comando semestral do grupo passará para Milei.
Segundo jornais uruguaios, Orsi foi convidado por Lacalle Pou para participar da reunião. Um dos principais temas do encontro deve ser o acordo comercial entre Mercosul e União Europeia.
Divergência sobre a Venezuela
Um ponto de menos convergência entre Lula e Yamandú deve ser o governo venezuelano de Nicolás Maduro.
Maduro foi declarado reeleito nas eleições de julho pela instituições do país, controladas por ele, mas o resultado foi visto como fraudado por diversos países e instituições de defesa da democracia mundo afora.
Maduro é tradicionalmente de ideologia de esquerda, e já foi próximo de Lula. Por isso, o presidente brasileiros nunca chegou a contestar diretamente a vitória do venezuelano, apesar de também nunca ter reconhecido Maduro como o eleito legítimo.
O Uruguai, por sua vez, contestou o resultado, e essa postura deve continuar com Yamandú.
“Yamandú deve reforçar o discurso contra a gestão Maduro. O país deve se colocar, de fato, no mesmo espectro ideológico com críticas à Venezuela”, frisou André César.
Correlação de forças na América do Sul
Com a vitória de Yamandú, aumenta a vantagem numérica de presidentes progressistas ou de esquerda na América do Sul, em relação ao governos conservadores ou de direita.
André César, no entanto, pondera que essa esquerda que está surgindo se diferencia um pouco da ideia mais tradicional que se tinha desse campo ideológico e apresenta visões mais modernas e amigáveis ao mercado.
“No continente, você vê que a esquerda está mudando. Você vê a posição do Boric, no Chile, e do Petro, na Colômbia. São dois presidentes que não têm uma postura da esquerda tradicional que a gente conhece. Talvez o Yamandú se alinhe a isso. Essa crítica à Venezuela deve reforçar o discurso contra a gestão Maduro. Mais um país que deve se colocar de fato no mesmo espectro ideológico [da esquerda], com críticas à Venezuela”, afirmou o especialista.
Esquerda cresce na América do Sul com vitória de Yamandú no Uruguai.
Governos alinhados com o campo progressista, de esquerda ou centro-esquerda:
Brasil – Luiz Inácio Lula da Silva
Uruguai – Yamandú Orsi (recém eleito)
Chile – Gabriel Boric
Bolívia – Luis Arce
Colômbia – Gustavo Petro
Venezuela – Nicolás Maduro
Guiana – Irfaan Ali
Suriname – Chan Santokhi
Governos alinhados com o campo conservador, de direita ou extrema-direita:
Argentina – Javier Milei
Paraguai – Santiago Peña
Peru – Dina Boluarte
Equador – Daniel Noboa