Dia Mundial de Luta contra a Aids é celebrado neste domingo (1º). A cidade de Santos (SP) foi reconhecida internacionalmente como pioneira no enfrentamento à doença após liderar o ranking de números de casos proporcionais à população. 1º Seminário Santista sobre Aids, considerado o marco inicial da Redução de Danos no Brasil
Arquivo Pessoal
“Capital da Aids”. Era desta forma que a cidade de Santos, no litoral de São Paulo, era conhecida entre as décadas de 80 e 90, quando liderava o ranking nacional de números de casos da doença proporcionais à população. O cenário, no entanto, mudou quando a prefeitura criou o primeiro programa municipal da doença do Brasil, tornando-se referência no combate à Aids em todo o mundo.
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O Dia Mundial de Luta Contra a Aids é celebrado neste domingo (1º). A data foi estabelecida pela Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização Mundial da Saúde (OMS) na década de 80, quando a doença era considerada uma sentença de morte.
Os casos passaram a ser registrados na cidade do litoral e as notificações de Aids aumentaram descontroladamente, principalmente por conta do Porto de Santos, uma das principais rotas do crime organizado para o tráfico de cocaína, que antes costumava ser injetada.
A cidade precisou reagir e criou políticas públicas inovadoras para a época, como a distribuição gratuita de preservativos para o público geral, seringas para os usuários de drogas e até uma policlínica voltada à profissionais do sexo.
Preservativos são distribuídos gratuitamente em postos de saúde de Santos (SP)
Mariane Rossi/g1
Diante da situação, Santos precisou reagir e implementou o primeiro programa municipal de Aids do país, uma iniciativa liderada por Fábio Mesquita, que é médico, doutor em epidemiologia, professor de saúde coletiva e consultor internacional da Organização Mundial de Saúde (OMS).
“Santos antes era conhecido como tendo o maior problema de Aids, passou a ser conhecido como tendo a melhor resposta à epidemia de Aids no Brasil”, afirmou o especialista. “Trocou o pneu furado para o carro andando porque ninguém sabia o que fazer”.
O programa foi criado durante o mandato da ex-prefeita Telma de Souza, de 80 anos. Ao g1, ela afirmou que as iniciativas fizeram a cidade alcançar resultados concretos e expressivos com a estabilização da incidência de caso ainda na década de 90.
“Tive a honra de representar a cidade e o país em vários encontros da OMS e da ONU para contar sobre essa experiência. Fui a criadora e primeira presidente da frente parlamentar em HIV Aids do Congresso Nacional, quando levamos várias dessas iniciativas para serem adotadas pelo Programa Nacional de AIDS, considerado um dos mais eficientes e avançados em todo o mundo”, destacou Telma.
Em 2024, de acordo com a Prefeitura de Santos, a cidade registrou 68 casos de residentes que contraíram o vírus HIV e 53 pessoas que desenvolveram a Aids em 2024.
Dia Mundial de Combate à Aids é celebrado neste domingo
Aids
🦠O que é? De acordo com o Ministério da Saúde, a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (Aids) é causada pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV). Ele ataca o sistema imunológico do organismo, que é o responsável por defender o organismo de doenças.
🩸Como acontece a disseminação? A propagação da doença acontece principalmente por meio de contato com fluidos corporais infectados, como sangue, sêmen, secreções vaginais e leite materno. O médico listou ao g1 as principais formas de transmissão, sendo elas:
➡️ Compartilhamento de agulhas ou seringas;
➡️Relações sexuais vaginais, orais ou anais, sem o uso de preservativo;
➡️Transmissão de mãe infectada para filho durante a gestação, parto ou amamentação.
Dia Nacional da Vacinação
Divulgação
🤒Quais são os sintomas? Fábio destacou que a manifestação da doença é demorada. Por este motivo, caso o paciente descubra e inicie o tratamento imediatamente, ele não terá nenhum sintoma. No entanto, se o diagnóstico for tardio, o vírus pode atacar o sistema imunológico das seguintes formas:
➡️Febre;
➡️Diarreia;
➡️Dor muscular;
➡️Dor de cabeça;
➡️Emagrecimento;
➡️Erupções cutâneas;
➡️Problemas pulmonares, como tuberculose.
💊Tem como viver com a Aids? Sim, o especialista contou que a primeira linha de tratamento é a ingestão de dois comprimidos por dia, pelo o resto da vida. Os medicamentos estão disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS).
“A gente chama de uma doença crônica manejável. É como se tivesse diabetes, problemas de hipertensão ou colesterol, que você vai ter que tomar um medicamento para vida toda”, explicou o médico.
Em outros países, de acordo com Fábio, há um outro tratamento em que o paciente toma duas injeções por ano e está prevenido para o ano inteiro. O especialista destacou que os métodos variam conforme o diagnóstico do paciente.
🏥Como se prevenir? O médico listou algumas medidas de prevenção que estão disponíveis no SUS. Confira:
➡️Uso de preservativos;
➡️Profilaxia pré-exposição (PrEP), um medicamento que protege o paciente antes da exposição ao vírus HIV;
➡️Profilaxia pós-exposição (PEP), um remédio que pode ser tomado até 72h após o paciente ser exposto ao vírus HIV;
➡️Em casos de gestantes infectadas, o tratamento é essencial para o bebê não contrair a doença.
Profilaxia Pré-Exposição HIV (PPrE) é um medicamento preventivo para a Aids
Divulgação/Prefeitura de Santos
Sentença de morte
A epidemia da Aids começou na década de 1980 com os primeiros casos sendo reportados nos Estados Unidos. Na época, o diagnóstico era considerado como uma sentença de morte.
Há exatos 40 anos, em 1984, o primeiro caso de transmissão da doença foi registrado no Brasil, em São Paulo. Três anos depois, em 1987, a Aids chegou em Santos e cresceu de forma rápida. Para se ter uma ideia, em 1996, a cidade tinha 110,37 infectados a cada 100 mil habitantes.
Para esclarecer: o termo HIV é usado para se referir ao vírus da imunodeficiência humana. Já AIDS significa síndrome da imunodeficiência adquirida. Ou seja, HIV é um vírus e AIDS é uma síndrome que pode ser desenvolvida por pessoas portadoras desse vírus
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O que acontecia em Santos?
Fábio contou que Santos começou a ser chamada de ‘Capital da Aids’ porque era a cidade do Brasil com o maior número de casos proporcionais à população. De acordo com o médico, o município realizava um ótimo serviço de notificação, mas alguns fatos corroboraram para este resultado.
O Porto de Santos era uma das principais portas de saídas do tráfico de cocaína. “Uma das formas de transmissão muito importante, na época, era o compartilhamento de agulhas e seringas quando as pessoas injetavam cocaína”, lembrou o médico.
Naquela década, o entorpecente era injetado e, segundo Fábio, metade dos pacientes infectados na cidade tinham sido contaminados desta forma. Atualmente, os usuários costumam aspirar ou fumar a cocaína.
A outra parte dos casos, ainda de acordo com o especialista, eram de transmissões por contato sexual. Os pacientes eram heterossexuais e da população LGBTQIA+, além de profissionais do sexo devido ao alto número de marinheiros atraídos pelo cais santista.
Porto de Santos, SP, bate recorde na movimentação de contêineres
Divulgação/APS
Mudança e inovação
Em nota, a administração municipal contou que o Grupo de Apoio à Prevenção à Aids (Gapa) foi criado em 1988, por iniciativa de Nanci Alonso. O projeto foi a primeira Organização não governamental (ONG) da Baixada Santista relacionada ao tema.
Em 1989, Telma de Souza foi eleita prefeita da cidade e implementou o primeiro programa municipal de Aids do Brasil. A iniciativa foi liderada pelo médico Fábio Mesquita e a coordenação era do então secretário de saúde, David Capistrano Filho.
Fábio afirmou que o programa foi uma tentativa de resposta local para um problema de saúde pública mundial. O projeto deu certo e inspirou cidades do Brasil e de outros países no combate à Aids. Confira as ações inovadoras que fizeram parte de uma estratégia de redução de danos:
➡️Distribuição gratuita de preservativos;
➡️Educação preventiva nas escolas;
➡️Policlínica dedicada somente aos profissionais do sexo com horários personalizados;
➡️Distribuição de seringas para os usuários de entorpecentes não compartilharem a mesma;
➡️Casa de apoio às pessoas que viviam com HIV porque muitas famílias não entendiam a doença e expulsavam pacientes infectados de casa.
Ao g1, a ex-prefeita contou que Santos não só desenvolveu a estratégia de redução de danos, como foi a primeira cidade a comprar e distribuir medicamentos antirretrovirais aos pacientes. As iniciativas alcançaram resultados concretos e expressivos com a estabilização da incidência de casos em 1995.
“Adotamos um modelo corajoso de enfrentamento à doença, que consistia, primeiro lugar, em reconhecer o tamanho do problema algo diferente das autoridades de então e apresentar um novo e inovador modelo de atendimento com atenção aos soropositivos”, destacou Telma de Souza.
Ex-prefeita Telma de Souza (à esq.) e médico Fábio Mesquita (à dir.)
Arquivo Pessoal
Preconceito
Fábio contou que, na época da epidemia, foi criado preconceito em volta da doença que ainda era desconhecida. De acordo com o médico, muitos veículos de comunicação publicavam que “peste gay estava dominando o país”.
“A gente avançou muito na tecnologia, na prevenção e no tratamento. Mas, em preconceito, a gente ainda precisa avançar bastante porque ficou uma marca”, disse ele. “Precisa melhorar muito esse combate à discriminação, que é um fenômeno global. O mundo inteiro enfrenta esse problema”.
Em 1983, homens erguem um cartaz com os dizeres: ‘Aids: nós precisamos de pesquisa, não de histeria’
Getty Images via BBC
Luta continua
Segundo Fábio, o programa foi essencial para aquela época, mas as medidas precisam ser sempre adaptadas porque o padrão de transmissão está em constante mudança. “O fundamental é a gente perceber que a epidemia, embora esteja mais fácil de controlar, ainda não acabou”, afirmou.
Como exemplo, o médico destacou um novo fenômeno estudado pelos especialistas em HIV: o sexo químico. De acordo com ele, o termo é usado para se referir à prática de sexo sob efeito de drogas psicoativas injetáveis. Fábio afirmou que a prática ocorre em festas em Santos, no Brasil e no mundo.
A cidade de Santos, inclusive, sediará um seminário internacional sobre sexo químico na próxima quinta-feira (5), no Hospital Beneficência Portuguesa, no bairro Vila Belmiro.
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