21 de setembro de 2024

Homem condenado a 17 anos por morte da mulher prova inocência após quase 2,5 anos preso e é solto: ‘Piores anos da vida’

Corretor de seguros conseguiu, com ajuda da Defensoria e uma nova prova, reabrir caso e provar que a mulher morreu após crise de epilepsia. Laudo do IML havia atestado que mulher tinha sido vítima de estrangulamento, e não citou a doença prévia dela. Condenado e preso por morte de mulher consegue provar inocência na Justiça
A revisão de um caso no Tribunal de Justiça do Rio deu liberdade a um homem que havia sido condenado, em segunda instância, a 17 anos de prisão pela morte da própria mulher.
O corretor de seguros Flávio Matheus ficou preso por 2 anos e 5 meses e deixou a cadeia em dezembro do ano passado. Com ajuda da Defensoria Pública, ele conseguiu reabrir o processo e provar sua inocência no Tribunal do Júri.
“Os piores dias, os piores anos da minha vida eu passei dentro daquele lugar. Passei fome, perdi 12 kg, sede, frio ao extremo, calor ao extremo”, conta.
Morte na cama do casal
Em novembro de 2009, Flávio acordou e encontrou morta sua mulher, Fernanda de Araújo, de 29 anos, na cama do casal.
“Já estava com os lábios roxos, muito gelada, quando entrei em desespero, comecei a gritar, a vizinhança, começou a chegar gente na minha casa, e eu desesperado, não sabia o que fazer”, lembra o viúvo.
Um laudo do Instituto Médico Legal (IML) informou que ela havia morrido por “asfixia mecânica – estrangulamento”.
Ao perceber a morte, Flávio procurou uma delegacia para registrar o caso. Meses depois, em março de 2010, o corretor foi chamado para prestar depoimento como suspeito de ter matado a esposa.
O motivo da intimação foi o laudo da perícia, que apontava lesões no pescoço de Fernanda.
O corretor de seguros conta que era a primeira vez que estava numa delegacia e não esperava as perguntas que seriam feitas pelo delegado. Achava que havia sido chamado como testemunha. Pelo contrário, ele passou a ser suspeito pelo crime.
“Eu comecei a responder, mesmo assustado, mesmo sem entender o porquê daquelas perguntas, eu fui respondendo todas elas porque eu não tinha nada a esconder. Perguntei ao final por que ele estava me fazendo aquelas perguntas. Ele respondeu: você está sendo acusado de matar sua esposa.”
Investigado, Flávio acabou indo a júri popular como responsável pelo crime.
Flávio Luiz Mateus
Reprodução/TV Globo
A linha de defesa escolhida pelo advogado era a de que Flávio não estava em casa quando Fernanda morreu.
Mesmo tendo sofrido um dia com várias crises de epilepsia, Fernanda tomou remédio e se deitou. Por volta de meia-noite, Flávio saiu de casa e foi encontrar amigos. Retornou por volta das 4h.
O argumento não convenceu os jurados. Em agosto de 2017, Flávio foi condenado a 25 anos de prisão.
Como pôde recorrer em liberdade, o corretor de seguros passou a tentar provar a sua inocência.
Enquanto mudava a sua defesa, passando a ser atendido pela Defensoria Pública, Flávio foi condenado, agora em segunda instância. A pena foi reduzida para 17 anos. No dia 15 de julho de 2021, foi preso.
Epilepsia refratária
Ao assumir o caso, defensores públicos perceberam que o laudo da morte de Fernanda não mencionava a doença que ela tinha. Ela sofria há anos com epilepsia refratária.
“A epilepsia refratária são todas as formas de epilepsia que não respondem ao tratamento medicamentoso. Ela provoca crises que não têm controle e é uma causa frequente de morte súbita, de traumatismos, danos e fraturas”, explicou o neurocientista Ricardo de Oliveira, do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino.
Flávio lembra que, no dia da morte, Fernanda teve uma série de crises de convulsões. Um deles, dentro da piscina, momento em que ficou com o pescoço encostado na borda, o que provocou algumas escoriações na pele.
Um novo laudo produzido pelo perito Nelson Massini explicou as lesões sofridas por Fernanda no dia de sua morte e auxiliou na mudança de decisão do Tribunal do Júri.
“Ela (Fernanda) já tinha tido uma queda tomando banho, uma outra na cozinha. Lá, teve uma queda por essa epilepsia, era um dia de sol, tinha uma piscina armada em casa, ela deitou o pescoço, apoiou a cabeça naquele cano da borda e teve uma convulsão. Ao convulsionar, ela raspou o pescoço no cano. Hoje em dia, se trata com canabidiol. Mas a medicação [que ela tomava] não consegue controlar essas convulsões”, explica o perito Nelson Massini, do Núcleo de Investigações Defensivas da Defensoria Pública.
Revisão criminal
Com o novo laudo, o caso foi reaberto após pedido da Defensoria Pública do Rio por uma revisão criminal, medida prevista no Código de Processo Penal.
A revisão criminal só pode ser realizada após a decisão em segunda instância, depois de passar por análise de desembargadores e ter uma condenação considerada definitiva – caso de Flávio.
“A lei permite diante de fatos novos, de uma prova nova, ingressar com uma revisão criminal. É mais uma oportunidade de se demonstrar a realidade dos fatos”, disse o defensor público Antônio José Sampaio Santos.
Em dezembro, Flávio saiu da prisão: “Eu fiquei esperando e finalmente aparece aquele carro do defensor, e ele sai com um sorriso, me abraça e fala: ‘Flávio, finalmente acabou’. E eu tava doido pra sair daquele lugar, doido pra ir embora, doido pra tomar um banho”.
Dificuldade para conseguir emprego
Agora em liberdade, Flávio procura emprego e reúne documentos para entrar com um pedido de indenização contra o Estado.
“Eu fui tentar fazer um cadastro pra trabalhar como motorista de app, e a foto, sem nenhum pudor, que eles colocam é ‘perfil negado por motivos de antecedentes criminais com o seu CPF (…) Passei pelo cárcere, provei a minha inocência, saí com a minha cabeça erguida da mesma maneira que entrei, saí com a minha cabeça erguida, provando a minha inocência, mas ainda assim, não consigo trabalhar em nenhum lugar porque eles olham como uma pessoa que passou pelo cárcere, uma pessoa condenada”, lamenta Flávio.

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