22 de setembro de 2024

Golpistas usam farmácias que só existem no papel para receber dinheiro do Farmácia Popular

O esquema também é fomentado por um comércio de compra e venda de CNPJs de farmácias que fecharam mas permanecem ativas no sistema do governo federal. Golpistas usam farmácias que só existem no papel para receber dinheiro do Farmácia Popular
Golpistas estão desviando dinheiro da Farmácia Popular – o programa social que distribui medicamentos de graça ou por valores reduzidos para 22 milhões de brasileiros. A reportagem é de Giovani Grizotti.
O mecânico Magno Boeira mora em Vacaria, na Serra Gaúcha. Mas, pelos registros do SUS, ele retira medicamentos para asma em Brasília.
Magno: Em Brasília?
Repórter: Tu não tem asma?
Magno: Não tenho asma.
O Jornal Nacional teve acesso a uma lista com mais de 500 moradores do Rio Grande do Sul que teriam retirado 1,3 mil medicamentos em uma farmácia da Estação Rodoviária de Planaltina, no Distrito Federal. Mas no endereço da suposta farmácia, encontramos uma loja de roupas. O frentista Emmanuel Isaías Cumerlato é gaúcho de Passo Fundo e o CPF dele também foi usado pelos golpistas.
“Usarem o nome da gente e a gente nem sabe, com certeza alguém está lucrando muito com o nome dos outros”, afirma Emmanuel.
A farmácia que funcionava nesse ponto fechou em 2021. De agosto de 2022 a novembro de 2023, tinha recebido R$ 1,4 milhão do programa Farmácia Popular. Acabou sendo descredenciada pelo Ministério da Saúde.
“O que há de falha talvez, e a gente está disposto a ajudar a resolver, é ter uma comunicação entre o sistema dos conselhos com o sistema do Ministério da Saúde”, afirma Gustavo Pires, secretário-geral do Conselho Federal de Farmácia.
As farmácias credenciadas no programa Farmácia Popular recebem do governo federal até 100% do valor dos medicamentos entregues a pacientes incluídos no programa.
Farmácia Popular: saiba o que é, quem tem direito e quais medicamentos disponíveis
Sabendo da falha na fiscalização, golpistas inserem no sistema CPFs aleatórios de supostos pacientes para simular a compra de medicamentos e receber a verba do governo. O esquema também é fomentado por um comércio de compra e venda de CNPJs de farmácias que fecharam mas permanecem ativas no sistema do governo federal. Por telefone, o dono de uma dessas farmácias ofereceu o CNPJ à reportagem do Jornal Nacional pelo preço de R$ 100 mil.
Repórter: E esse valor aí, R$ 100 mil, é o preço final ou dá para baixar?
Fraudador: Dá uma choradinha, né, cara. Mas acho que não vai fugir muito disso não, tá.
Um outro fraudador só aceitou conversar por mensagem. Ele está em busca de um CNPJ e propõe ceder 40% da verba desviada para um dono de farmácia que forneça login e senha do programa Farmácia Popular.
Uma auditoria da CGU – Controladoria-Geral da União cruzou registros de liberação de medicamentos com as notas fiscais de compra em 31 mil farmácias credenciadas no Brasil de 2015 a 2020, e descobriram um rombo de R$ 2,5 bilhões – equivalente a 18% do total gasto com o programa no período.
Repórter: O que o senhor entende que possa estar por trás disso?
“Bom, primeiro essa possibilidade das farmácias não existirem. Nesse caso específico, o que nós identificamos foi a existência de 362 milhões de registros de vendas de medicamentos ou de entregas de medicamentos à população sem a devida comprovação em termos de notas fiscais”, diz Vinícius Marques de Carvalho, ministro da Controladoria-Geral da União.
No Tribunal de Contas da União, 302 processos abertos nos últimos cinco anos condenaram farmácias a devolverem R$ 107 milhões desviados. Minas Gerais lidera a lista de farmácias condenadas a devolver dinheiro, com 59 casos, seguida por Goiás (44) e Paraná, (43).
O Ministério da Saúde declarou que, desde 2023, descredenciou 286 farmácias com indícios de irregularidades; que está em tratativas com o Conselho Federal de Farmácia para aprimorar os mecanismos de controle; e que estuda a viabilidade de implementar outras ferramentas, como a biometria, para a validação do paciente na hora da compra na farmácia credenciada.
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