22 de setembro de 2024

Fotografias inéditas do Arquivo Público do Estado mostram indígenas em São Paulo há mais de 100 anos

Primeira reportagem da série Memórias Indígenas, do SP2, mostra documentos históricos sobre os povos originários e a luta de professores indígenas dentro da USP. Família indígena com roupas de brancos em 1905 em São Paulo
Arquivo Público do Estado
Fotografias raras da população indígena do Arquivo Público do Estado de São Paulo serão exibidas na série especial Memórias Indígenas, que vai ao ar a partir deste sábado (6), no SP2.
Durante os quatro finais de semana abril, o telespectador vai se deparar com rostos do presente e do passado de 305 povos, com 274 línguas indígenas, termo esse que, em latim, significa “originário”, aquele que está ali antes dos outros.
As imagens são registros da população que já dominou o território do estado de São Paulo e que, no começo do século passado, vinha até a capital, a pé, em busca de proteção e de terra, muitas vezes prometida, poucas vezes entregue.
Uma das fotografias mais impactantes foi tirada em 1905 e mostra uma família indígena considerada de forma pejorativa como “civilizada” por estar vestida com trajes da época.
“Dizer que são índios coroados civilizados é algo forte porque a palavra ‘civilizado’ denota violência. Civilização é um valor dos brancos que está sendo literalmente imposto, assim como o uso de roupas brancas imposto a esse povo”, explica Thiago Nicodemo, coordenador do Arquivo Público do Estado de São Paulo.
Quando chegavam a São Paulo, expulsos de suas terras no interior, os indígenas não tinham para onde ir e muitas vezes ficavam em alojamentos que privilegiavam os europeus. Para os imigrantes, os registros nos livros eram detalhados, mas para os indígenas, não. “É mais uma violência eles não terem sobrenome registrado. Então você não consegue individualizar e não consegue saber quem efetivamente são”, contextualiza Nicodemo.
O atual Museu da Imigração, onde funcionava a antiga Hospedaria do Brás, inaugurada em 1887, foi a primeira moradia de muitos estrangeiros quando chegaram ao Brasil. Mas o que pouca gente se lembra é que o prédio também hospedou famílias indígenas que passavam por lá durante a migração.
“Eles passavam aqui pela capital para negociar com o governador do estado ou com a polícia para tentar ter uma proteção ou uma negociação de território”, conta Thiago Haruo Santos, coordenador de pesquisa do Museu da Imigração.
“Esse acolhimento talvez não tenha sido tão gentil. Durante 91 anos a gente não encontra nos relatórios anuais o registro da presença dessas pessoas. Isso demonstra que a Hospedaria de Imigrantes do Brás foi vinculada ao embranquecimento e, depois, ao acolhimento de trabalhadores. Mas não foi registrada a presença indígena aqui”, pontua.
Família indígena no começo do século 20 em São Paulo
Arquivo Público do Estado
Presença indígena na USP
Uma das regiões de São Paulo que mais abrigou os povos originários foi o bairro do Butantã, na Zona Oeste, que quer dizer “terra firme” em tupi. As aldeias do Butantã desapareceram, mas o bairro de hoje abriga uma das maiores universidades da América Latina: a USP.
Emerson de Oliveira Souza é um professor universitário indígena e um dos principais pesquisadores do Centro de Estudos Ameríndios da USP. Ele é guarani-nhandeva, uma das etnias que se espalharam pela América do Sul.
“Quando a gente fala em povo tupi, na verdade a gente não está falando de um povo só. Tupi é um tronco linguístico. Então a gente tem os tupi-guarani, tupi-nhandeva, guarani-nhandeva, guarani-mbya, guarani-kaiowa, tupinambá. Passados cinco séculos, os guaranis não deixaram de estar em São Paulo. Eles resistiram. E mais do que resistiram, eles continuaram lutando pelos seus direitos, continuaram lutando pela sua sobrevivência”, diz Emerson.
Os indígenas que lecionam e estudam na USP trazem a importância de desconstruir uma imagem estereotipada do que é o indígena. “A diversidade da população indígena no Brasil é uma diversidade que a gente precisa repensar. Nós temos os negros, nós temos os indígenas e nós temos outras populações. Mas, se você pegar o censo, você vai ver que predomina a população parda. Eu estou como pardo, mas está errado. Porque você vira outra coisa que é deixar de ser indígena”, afirma Emerson Souza.
Para marcar a presença indígena dentro da USP cinco séculos depois, os herdeiros dessa história decidiram construir uma Opy, uma casa de reza guarani, um dos símbolos mais sagrados desse povo.
“O planejamento precisou de uma orientação dos guaranis e recebeu o nome aqui de Casa de Culturas Indígenas no plural porque a nossa ideia de que ela possa abrigar todos os povos indígenas. É muito representativo ter esse espaço dentro da universidade, ainda mais onde houve um aldeamento. É também uma forma de resistência, quase um renascimento de um povo que um dia foi expulso dessa região”, pontua Danilo Silva Guimarães, professor do Instituto de Psicologia da USP e coordenador da Casa de Culturas Indígenas da USP.
Documenos com fotos dos indígenas no Arquivo do Estado
Arquivo Público do Estado

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