22 de setembro de 2024

Escritor habilidoso, artista multifacetado e tímido: amigos lembram trajetória de Rubens Lucchetti

Roteirista conhecido como “mestre do horror” e parceiro de José Mojica Marins faleceu aos 94 anos com quadro grave de insuficiência respiratória. ‘Fazia cinema na época em que cinema era feito na raça’, diz amigo e produtor de cinema de Ribeirão Preto (SP). Morre aos 94 anos em Ribeirão Preto o escritor Rubens Lucchetti
Uma pessoa discreta, mas muito habilidosa com as palavras e, ao mesmo tempo, capaz de circular por diferentes manifestações artísticas. Assim, amigos e especialistas de cinema de Ribeirão Preto (SP) descrevem Rubens Lucchetti, conhecido como “mestre do horror” brasileiro, que morreu esta semana aos 94 anos com um quadro grave de insuficiência respiratória.
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Com 80 anos dedicados à produção de contos e textos em diferentes gêneros, como terror e investigações policiais, ele ganhou notoriedade nos anos 1960 como parceiro do cineasta José Mojica Marins, famoso no papel do personagem Zé do Caixão, falecido em 2020. Antes de morrer, ele vivia com um filho em Jardinópolis (SP).
O escritor Rubens Lucchetti, conhecido como ‘mestre do horror’ do cinema brasileiro
Aurélio Sal/EPTV
Vice-presidente da Fundação do Livro e Leitura de Ribeirão Preto, Edgar de Castro foi parceiro de Lucchetti em um projeto documental sobre a saga do café na região e teve a oportunidade de conviver com o ícone do cinema nacional.
“Taciturno, ele era uma pessoa tímida, recolhida e falava baixo, e só se soltava mesmo quando entrava em um assunto de livro ou de terror”, lembra.
Para ele, o “mestre do horror” não só era um escritor muito habilidoso e capaz de escrever de horóscopo a livros policiais e de bolso, como também criativo no contexto audiovisual. Como exemplo, ele menciona a produção de uma animação que fez com o artista plástico italiano Bassano Vaccarini, que viveu em Altinópolis (SP), e com o fotógrafo japonês Tony Miyasaka, no Centro Experimental de Cinema de Ribeirão Preto.
“Eles desenvolveram um trabalho de nanquim em cima do celuloide do filme e fizeram uma animação ali, e essa animação ganhou um prêmio internacional na época. Ele escrevia muito e tinha uma capacidade, uma habilidade de escrever formidável, uma pena a gente perder o Rubens Lucchetti. Perde o segmento do terror, perde muito”, diz.
Crítico de cinema e amigo de Lucchetti, Marcos de Castro também destaca esse caráter multifacetado do roteirista, um artista acima de tudo e uma referência obrigatória para as próximas gerações de cineastas.
“Hoje temos toda obra dele disponível para quem quiser. Ele foi um grande roteirista de HQs e principalmente de filmes de gênero no Brasil, E pra quem gosta de terror, que é um gênero que parece que todo mundo da nova geração que vai começar a estudar cinema quer começar fazendo, a gente precisa do passado pra poder aprimorar o nosso presente e aprimorar o futuro”, diz.
Vice-presidente da Fundação do Livro e Leitura de Ribeirão Preto, Edgar de Castro
Aurélio Sal/EPTV
Ele ressalta alguns dos trabalhos produzidos com Mojica como “O Estranho Mundo do Zé do Caixão” e “Delírios de um Anormal”, além de “O Segredo da Múmia”, de 1982, sob a direção de Ivan Cardoso e com prêmios no Festival de Cinema de Gramado.
“Ele fazia essas histórias de terror durante a ditadura militar. Como ele conseguia fazer esses roteiros tão ousados e corajosos? Ele realmente mostra que quem mandava nele eram as mãos e a mente criativa que ele tinha.”
Irmão gêmero de Marcos, o produtor de cinema André de Castro lembra que Lucchetti inclusive chegou a produzir uma versão de terror para o clássico de Shakeapeare “Romeu e Julieta”. Segundo ele, não é possível falar sobre a história do audiovisual brasileiro sem mencionar o “mestro do horror”.
“Ele fazia cinema na época em que cinema era feito na raça, não tínhamos a tecnologia que temos hoje em dia, então ele vem dessa geração do cinema na raça, se não tem muito dinheiro, vamos usar de criatividade.”
Rubens Lucchetti, à direita, e o artista plástico italiano Bassano Vaccarini
Reprodução
Vida e obra
Lucchetti nasceu em Santa Rita do Passa Quatro (SP), em janeiro de 1930, mas se mudou com a família para São Paulo (SP), onde deu os primeiros passos na literatura. Aos 12 anos, conseguiu emplacar o primeiro texto da vida, chamado “A Última Testemunha”, em um jornalzinho de bairro.
Ele cresceu lendo as histórias policiais mais famosas entre as décadas de 1940 e 1960, inspiradas na literatura de Arthur Conan Doyle, criador do detetive Sherlock Holmes, e Agatha Christie, em ‘Assassinato no Expresso Oriente’ e ‘Convite Para Um Homicídio’.
Capas de livros de Rubens F. Lucchetti
Reprodução
Por volta de 1945, o escritor conseguiu que seus textos fossem lidos em um conhecido programa radiofônico, conduzido por Octavio Gabus Mendes. As produções chamaram tanto a atenção do apresentador pela originalidade, que, na época, ele teria afirmado que o jovem escritor “tinha uma imaginação muito fértil e que poderia ser aproveitado na televisão”, aparelho ainda inédito no Brasil.
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Mais tarde, de volta a Ribeirão Preto, continuou produzindo. Em 2014, o escritor disse ao g1 que sua obra já somava 1.547 títulos publicados, 300 quadrinhos assinados, mais de 25 roteiros de filmes, três programas de televisão e centenas de artigos divulgados em revistas e jornais e produções para rádio.
Vampiros, fantasmas, zumbis, assassinos e policiais povoam títulos como ‘Noite Diabólica’ (1963), ‘Os Vampiros Não Fazem Sexo’ (1974) e ‘O Fantasma de Tio William’ (1992).
Em 2014, o escritor foi indicado na categoria ilustração ao Prêmio Jabuti, pelo livro ilustrado ‘Fantasmagorias’, do qual foi roteirista.
Parte da obra do mestre do horror chegou às livrarias assinada com pseudônimos como Vincent Lugosi, Brian Stockler e Myléne Damarest, para atrair público.
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