Preso em Batatais em agosto, Alessandro Arantes se tornou réu e responde na Justiça pelo crime de incêndio. Especialista explica por que é tão difícil punir culpados. Queimada em canavial às margens do Anel Viário Norte em Ribeirão Preto, SP
Marcelo Moraes/EPTV
Quatro meses após um dos momentos mais críticos de 2024, quando a região de Ribeirão Preto (SP) e boa parte do estado de São Paulo foram assoladas pelas queimadas, 107 inquéritos policiais foram instaurados, resultando na identificação e no indiciamento de 39 pessoas.
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As informações foram confirmadas ao g1 pela Secretaria de Segurança Pública (SSP). Desde agosto, quando os incêndios devastaram as paisagens de mais de 100 cidades do interior, 19 pessoas foram presas em flagrante e 11 tiveram as prisões preventivas decretadas.
Um dos primeiros presos no caso que investigava os verdadeiros culpados por colocar o estado em chamas, Alessandro Arantes, preso no dia 25 de agosto, se tornou réu após ser denunciado pelo Ministério Público pelo crime de incêndio.
Alessandro Arantes foi preso no domingo (25), em Batatais, SP, por suspeita de envolvimento em incêndio criminoso
Divulgação
O processo tramita na Vara Criminal de Batatais (SP) e está em fase de instrução probatória, que é quando acusação e defesa apresentam provas, testemunhas e evidências.
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O g1 também perguntou ao MP sobre a situação de Moisés de Faria Borges, preso em Franca (SP) no dia 28 de agosto, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem.
Segundo a SSP, as investigações seguem em andamento para que a Polícia Civil possa esclarecer todos os casos.
Incêndios assustaram moradores da região de Ribeirão Preto, SP, no fim de semana
Reprodução/EPTV
Ao g1, o Ministério Público informou que a principal dificuldade é impedir que as pessoas ateiem fogo, uma vez que 99,99% dos focos são causados pelo homem.
Incêndios estão previstos tanto na lei de crimes ambientais quanto no Código Penal e o réu pode responder pelos dois processos:
Crimes ambientais: é quando o fogo se dá em mata protegida
Código penal: é quando o fogo, geralmente em área urbana, causa perigo para pessoas ou o patrimônio
As penas podem variar de seis meses a seis ano de prisão, dependendo da gravidade do crime.
Crime podem não ser julgados, mas não fica sem punição
Em entrevista ao g1, o advogado Daniel Pacheco, professor de direito da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto, explicou que crimes de incêndio não chegam a ser julgados, mas isso não quer dizer que o culpado fique sem punição.
O que acontece é que réu e Ministério Público podem fazer um acordo para encerrar o processo. Em casos onde o crime foi considerado doloso, quando a pessoa teve a intenção de atear fogos, este acordo consiste em a pessoa confessar o crime.
“O processo não vai até o final, porque faz um acordo no começo e mata, não continua. Isso não significa impunidade. Porque, nesse acordo, a gente vai ter a consequência. Além de a pessoa ser obrigada a confessar para poder fazer o acordo, pode ter aplicação de algumas medidas. Só não vai ter privação de liberdade, a pessoa só não vai ser presa”.
Segundo Pacheco, a confissão ainda pode ser utilizada futuramente em uma ação civil, onde o MP pode pedir indenização por conta dos prejuízos que foram causados ao meio ambiente.
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Em casos onde o crime foi considerado culposo, que é quando a pessoa joga uma bituca de cigarro na mata e não prevê a tragédia que pode acontecer, há a possibilidade de transação penal.
“É a mesma coisa que o acordo de não persecução penal. Também é um acordo com o Ministério Público, só que nesse caso não precisa da confissão. Você vai ter a possibilidade de o promotor aplicar uma medida não preventiva, reparação do dano, multa. É um pouco mais benéfico, porque tendo a confissão, fica mais fácil pra gente ter uma ação civil para cobrar esse valor”.
Lei precisa ser mais rigorosa
Para Daniel Pacheco, o grande problema envolvendo crimes ambientais, mais especificamente de incêndios, é a falta de provas. É isto que acaba gerando a sensação de impunidade.
“A gente tem um problema histórico muito antigo de desmatamento na Amazônia, por exemplo. E é difícil pegar a pessoa que está fazendo isso, porque é feito lá no meio do mato, em lugares remotos, escondidos. O crime acaba ficando impune, muitas vezes, por isso. A mesma coisa o incêndio. Muitas vezes ele é criminoso, doloso, intencional. Não vai ser feito ali no lugar para todo mundo ver. Então fica difícil punir por essa razão. Hoje em dia, com as câmeras de segurança, fica até mais fácil. Eu me lembro na época em que aconteceram esses incêndios, em setembro, a gente teve vídeos de segurança que flagraram pessoas jogando gasolina e ateando fogo, isso ajuda bastante”.
Incêndio em plantação na região de Ribeirão Preto (SP)
Reprodução/EPTV
Pacheco explica que, justamente por conta dessa dificuldade de prova, a Lei de Crimes Ambientais incluiu um artigo que proíbe, por exemplo, o simples fato de se entrar com uma motosserra em uma área protegida.
“Se a pessoa é flagrada portando a motosserra, ela já está cometendo crime. Não precisa flagrar cortando a árvore, só estar com a motosserra já é suficiente para ter o crime. No caso do incêndio, não temos nada assim, mas poderia ter. Poderia inventar um crime do tipo ‘entrar em área ambiental com gasolina ou com um isqueiro’, alguma coisa assim, o que não existe. Não temos essa lei, pelo menos, por enquanto. Mas esse cuidado houve no caso do desmatamento, justamente, pela dificuldade enorme que existe em você conseguir pegar a pessoa no flagra e aplicar a lei”.
Região registrou o pior ar do estado
Por conta do fogo que atingiu a região, o governo de São Paulo chegou a decretar situação de emergência em 45 cidades.
Incêndio em canavial na região de Ribeirão Preto (SP)
Reprodução/EPTV
O estado bateu recorde nacional, com mais de 2,3 mil focos de incêndio, no dia 23 de agosto. Mais 305 incidentes foram registrados no dia seguinte, de acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Por, pelo menos, duas semanas, nos primeiros dias de setembro, Ribeirão Preto chegou a ocupar a amarga primeira posição entre as cidades com pior qualidade do ar em todo o estado de São Paulo, de acordo com o monitoramento da Cetesb.
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