23 de setembro de 2024

Além da perda, famílias de vítimas de feminicídio enfrentam desafio da criação de filhos de mulheres mortas

Cerca de 70% das vítimas de feminicídio eram mães; famílias enfrentam dor da perda e desafio de criar filhos Além da perda, famílias de vítimas de feminicídio enfrentam desafio da criação de filhos de mulheres mortas
Além da dor da perda, as famílias de mulheres vítimas de feminicídio precisam lidar com a criação dos filhos delas. Em cerca de 70% dos casos, elas eram mães. Muitos são crianças e adolescentes. Em alguns casos, os menores chegaram a testemunhar o crime.
De acordo com a Lei Maria da Penha, em casos de feminicídio consumado, o pai condenado pelo crime perde o dinheiro de ter a guarda da criança. Aí, entra em cena a solidariedade de parentes e amigos.
Aline da Silva foi morta no ano passado e deixou três filhos. Uma delas foi testemunha do crime. O ex-marido da vítima está preso.
“Quando me deparei com a rua cheia de pessoas, com viatura da polícia, aquelas coisas todas. E vi lá um corpo guardado pelos policiais. Era minha filha. Foi o pior momento da minha vida”, disse Osias Costa da Silva, pai da vítima.
A mesma dor é compartilhada pela Augusta Brasil, mãe de Thaís Rodrigues.
“Ela estava caída, estrangulada. E foi aquele desespero. Um desespero que você nem imagina, eu não imagino para mãe nenhuma, para pai nenhum que aconteça isso”, disse Augusta.
A polícia prendeu o ex-namorado de Thaís e disse que ele tentou estrangular o filho dela de 9 anos. Ela deixou dois meninos órfãos. Um deles é autista.
Responsabilidade
Além da perda, famílias de vítimas de feminicídio enfrentam desafio da criação de filhos de mulheres mortas
Reprodução/ TV Globo
As lembranças não se apagam facilmente.
“Ele pegou e falou assim: ‘Vó, vamos embora. Vamos nos mudar. Eu não quero morar mais aqui. Aquele cara vai sair da cadeia, ele vai sair e vai matar a gente’”, contou Augusta.
Assumir a guarda de uma criança, de uma hora para outra, traz incontáveis desafios. Além de lidar com os impactos emocionais do trauma, muitas famílias não estão financeiramente preparadas para sustentar os filhos das vítimas.
Muitas famílias recebem suporte na Casa da Mulher Carioca, em Realengo, na Zona Oeste do Rio.
“Perder a mãe traz um impacto muito grande. E a criança, quando é exposta a questões fora de hora, quando ela é muito novinha vendo certas questões, isso traz impactos para além da perda dessa mãe: de desenvolvimento, de relacionamento. Mas a gente acredita que, com acompanhamento adequado, com o amor da família, com afeto, com a proximidade, isso tudo possa ser minimizado futuramente”, disse Ariane Bernardo, psicóloga da Casa da Mulher.
O programa “Órfãos do Feminicídio” oferece um benefício no valor de R$ 500. Em dois anos, 27 famílias foram atendidas.
“A gente sabe que a maioria dessas crianças carregam traumas, sequelas psicológicas. O cartão Órfãos do Feminicídio tem o propósito de garantir um suporte para a família das vítimas de feminicídio. Os filhos dessa vítima com idade de até um ano recebem esse auxílio no valor de R$ 500. Essas crianças também recebem, junto com esses familiares, o acompanhamento psicológico, social, assistencial e todo o suporte necessário para a reconstrução da vida”, afirmou Joyce Trindade, secretária da Mulher do Rio.
Paralelamente, as famílias que ficam com a guarda dos órfãos podem tentar ainda a pensão por morte no INSS.
“O feminicídio destrói a vida do ser humano, destrói a família. Minha família, hoje em dia, está destruída porque é como se fosse um órgão do nosso corpo que estivesse faltando e nós estamos com um corpo incompleto”, finalizou Osias.

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