23 de setembro de 2024

Em 5 anos, multas do Procon contra Enel por interrupção de energia e cobranças indevidas superam R$ 51 milhões

Balanço do Procon aponta que, desde 2019, concessionária já recebeu sete multas. A de valor mais elevado, R$ 12,9 milhões, foi aplicada em 4 de abril por queda de energia no Centro da capital. Funcionário da Enel trabalha para restabelecer energia no Centro de SP. Algumas regiões ficaram 3 dias sem luz
Allison Sales/Fotorua/Estadão Conteúdo
O Procon de São Paulo já multou a Enel em mais de R$ 51 milhões em cinco anos por interrupções no fornecimento de energia elétrica, cobranças indevidas e problemas na leitura do medidor de consumo mensal. É o que aponta um balanço do Procon enviado ao g1 de 2019 a de 2024.
Desde novembro de 2018, a concessionária é responsável pelo fornecimento de energia da capital e outros 24 municípios da região metropolitana (leia mais abaixo). No dia 1º de abril, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, anunciou que determinou à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) a abertura de um processo disciplinar para investigar o que ele chama de “transgressões reiteradas” da concessionária em São Paulo.
O episódio mais recente é de março deste ano, quando moradores e comerciantes no Centro da capital ficaram mais de uma semana no escuro em razão de problemas na rede subterrânea da empresa. No período, até a Santa Casa de Misericórdia foi afetada.
O balanço do Procon aponta que, em cinco anos de serviço, a empresa já recebeu sete multas. A de valor mais elevado, R$ 12,9 milhões, foi aplicada na última quinta-feira (4).
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A notificação mais antiga, de junho de 2019, já entrou em dívida ativa. Outras ainda aguardam recurso (veja mais abaixo).
Procurada, a empresa informou que “a multa aplicada pelo Procon em junho de 2019, embora esteja registrada na Dívida Ativa, encontra-se temporariamente suspensa devido à contestação judicial em andamento. Quanto à sanção recentemente aplicada, em abril de 2024, a Enel foi notificada e deverá responder dentro do prazo estabelecido pelo órgão competente. A companhia ressalta que as demais multas estão em fase de recurso, seja em fase administrativa ou judicial”.

Queixas
Além das multas, a concessionária também já recebeu 54.848 reclamações de consumidores por cobranças de atendimento, qualidade de serviço, contrato, informação, saúde e segurança. Os números são de outro balanço do Procon, enviado ao g1, e foram registrados entre junho de 2021 e março de 2024.
Confira os números:
2021 (de julho a dezembro): 11.219;
2022: 19.061;
2023: 19.272;
2024 (de janeiro a março): 5.296
‘Apagões’
Em menos de um ano, a capital paulista já enfrentou dois grandes “apagões” sob gestão da concessionária: em novembro de 2023, quando a cidade sofreu com fortes temporais, e em março deste ano. Em ambos os episódios, moradores e comerciantes de alguns bairros ficaram mais de uma semana sem o fornecimento de luz.
Vera Monteiro, professora de Direito Administrativo da FGV, explica que a quantidade de multas pode dificultar uma futura negociação da Enel para prorrogação da concessão, pois o comportamento da empresa será alvo de análise.
“Todo o histórico da prestação de serviço vai ser considerado no momento da renovação. Se ela foi uma boa prestadora ou se ela foi uma má prestadora. Se ela tem multas em aberto, se ela tem multas aplicadas por outros entes, como é o caso do Procon, além da Aneel. Ela vai ter mais dificuldade para negociar, mas isso não significa que ela estará excluída do processo de negociação de uma prorrogação”, afirmou.
Copan, no Centro de SP, é atingido pelo apagão.
Reprodução/ TV Globo
Quando a Enel assumiu a gestão?
O processo de privatização da estatal Eletropaulo, anteriormente responsável pela gestão de energia elétrica de São Paulo, começou em 1995, no governo Mário Covas (PSDB), a partir do Programa Estatual de Desestatização.
Com o programa de privatização, a Eletropaulo foi desmembrada em quatro empresas: Eletropaulo Metropolitana, Empresa Bandeirante de Energia, Empresa Paulista de Transmissão e Empresa Metropolitana de Águas e Energia;
A Eletropaulo Metropolitana, então, passou a ser responsável pela distribuição de energia elétrica dos 24 municípios da Grande São Paulo, além da capital;
Em 1998, a empresa foi arrematada em leilão pelo consórcio Lightgás, com participação das empresas: AES Corporation, Electricité de France (EDF), Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e Reliant Energy;
Em 2001, com a venda das ações da Reliant e da CSN para a AES Corporation, a Eletropaulo passou a ser controlada apenas pela AES Corporation, companhia de origem estadunidense e uma das maiores em energia do mundo;
Em 2018, a multinacional italiana Enel comprou 73,38% das ações da Eletropaulo por R$ 5,55 bilhões em leilão realizado na B3 (bolsa de valores). Com o negócio, a concessionária passou a ser líder em distribuição de energia no Brasil. Somente em São Paulo, 7 milhões de consumidores são atendidos;
Desde novembro de 2018, a Eletropaulo passou a ser chamar Enel Distribuição São Paulo;
Atualmente, a concessionária também atende o Rio de Janeiro e o Ceará.
Diretora da Enel culpa calor pelas quedas de energia
Em 22 de março, a diretora de rede de alta tensão e subterrâneo da Enel, Karine Torres, afirmou em entrevista exclusiva à TV Globo que as frequentes interrupções de energia elétrica em São Paulo foram provocadas pelo calor excessivo.
“Esse sequenciamento de dias com alta temperatura provoca um estresse térmico em todo o nosso ativo, seja ele cabos ou equipamentos instalados na rede subterrânea. Aliado a isso, o aumento de carga, muitas delas à revelia ou por ligações clandestinas. Esse aumento de carga, aliado ao calor, realmente provoca um estresse dos equipamentos e que ocasionou o desligamento ontem”, justificou Karine.
Questionada sobre a capacidade da estrutura da Enel em atender a alta demanda, a diretora da concessionária disse que a rede está estruturada, porém ligações clandestinas em alguns pontos da cidade – como na região da 25 de Março – e a falta de comunicação da população sobre o aumento do consumo de energia atrapalham a prestação de serviço da empresa.
“O que acontece é que muitas vezes as pessoas têm expansão do consumo de energia e essa expansão de consumo de energia nem sempre é reportada para os nossos canais. A gente não tem o conhecimento do que as pessoas estão realmente consumindo de energia”, complementou Torres.
Rescisão do contrato
A prefeitura voltou a pedir ao Tribunal de Contas da União (TCU) e à Aneel a rescisão da concessão de energia elétrica à Enel na capital paulista. A ação ocorreu após os inúmeros e frequentes problemas de falta de energia na cidade.
Ofício assinado pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB) e encaminhado em 22 de março à Aneel, agência responsável pela fiscalização dos serviços prestados pela Enel, afirma que, “por serem, assim, tão graves as falhas ocorridas e a renitência da concessionária em admiti-las e corrigir sua conduta, o município de São Paulo, mais uma vez, busca que essa agência instaure procedimento com visitas à rescisão da concessão, única medida que se vislumbra capaz de garantir a continuidade de serviço público essencial à vida na maior cidade do país”.
Especialistas, no entanto, consideram a suspensão do contrato uma medida tardia, já que a concessão tem apenas mais quatro anos de vigência e haveria dificuldades em encontrar um novo fornecedor neste prazo.
Aneel também já multou Enel
Em fevereiro, a Aneel multou a distribuidora concessionária em R$ 165,8 milhões por falhas relacionadas à demora excessiva no restabelecimento de energia elétrica ao longo dos dois últimos anos na região da Grande São Paulo.
O órgão considerou que a Enel prestou “serviço inadequado” no período, descumprindo uma cláusula do contrato de concessão e uma resolução da Aneel que estabelecem como dever da concessionária “assegurar a regularidade, continuidade, eficiência, segurança” na prestação dos serviços.
Passado mais de um mês do fim do prazo, a concessionária de energia ainda não liquidou a dívida e, de acordo com a agência, há um recurso administrativo interposto pela concessionária em fase de análise.
Desde 2018, a concessionária foi autuada nove vezes pela Aneel por problemas operacionais ou na prestação de serviços em São Paulo. Em pelo menos sete processos, a empresa foi multada. No total, a agência nacional já aplicou R$ 321 milhões em multas na concessionária paulista.
Falta de energia elétrica no centro de São Paulo

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