23 de setembro de 2024

Após Clarinha, conheça paciente não identificado que está há 33 anos em hospital do ES

Apelidado de Aparecido Nascimento, homem está em hospital psiquiátrico em Cachoeiro de Itapemirim, no Sul do Espírito Santo, desde 1991. Paciente sem identificação está internado em hospital psiquiátrico do Espírito Santo há 33 anos.
Arquivo CAPAAC
A morte da Clarinha, paciente não identificada que ficou por 24 anos internada em Vitória, motivou a equipe do Centro de Atendimento Psiquiátrico Aristides Alexandre Campos (CAPAAC), a retomar a busca pelos familiares de um homem que está internado no hospital em Cachoeiro de Itapemirim, no Sul do Espírito Santo.
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“Aparecido Nascimento”, como foi apelidado pela equipe médica, chegou à unidade no dia 4 novembro de 1991. Ele foi levado ao pronto-socorro psiquiátrico por moradores do IBC, bairro vizinho ao hospital, que relataram que o homem estava há dias perambulando sem rumo pelas redondezas.
Foto feita em 1991, quando o paciente chegou ao hospital psiquiátrico em Cachoeiro de Itapemirim. Espírito Santo
Arquivo CAPAAC
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Quando chegou, tinha entre 28 e 30 anos, de acordo com levantamento da idade óssea realizado na unidade. Pardo, com déficit intelectivo profundo, risonho e inquieto, respondia apenas “mamã” e “papá” a todas as perguntas que eram realizadas.
Diante da comunicação bastante limitada, e sem qualquer documento ou dados que pudessem identificá-lo, o rapaz recebeu cuidados de higiene e alimentação, e foi encaminhado ao setor de enfermaria. A ideia era que a equipe assistencial pudesse localizar seus responsáveis, mas isso nunca aconteceu.
Como o paciente não conseguia pronunciar o seu nome, a médica plantonista do serviço naquela data, doutora Maria Regina Rodrigues Torres, o apelidou de “Aparecido Nascimento”, nome que, anos mais tarde, virou oficialmente sua nova identificação por via judicial.
Centro de Atendimento Psiquiátrico Aristides Alexandre Campos (CAPAAC), em Cachoeiro de Itapemirim, no Sul do Espírito Santo.
Sesa/ES
Nos meses que se seguiram, houve diversas tentativas de identificação. Pequenos cartazes com sua fotografia foram confeccionados e afixados nas proximidades do hospital, além de contato com a Polícia Civil e investigações de equipes do Serviço Social, mas sem retorno algum.
Atividades fora do hospital e saúde
Aparecido permaneceu, então, sob os cuidados da equipe assistencial do CAPAAC, onde está há 33 anos. Desde então, é integralmente assistido pelos profissionais da unidade, e existe uma preocupação para que ele receba os cuidados de saúde necessários, inclusive de outras especialidades.
Foram desenvolvidas aproximações com a comunidade através de atividades extramuros, como passeios pelo bairro, visitas a moradores e participação de eventos culturais.
Paciente sem identificação participa de atividades com os funcionários de hospital em Cachoeiro de Itapemirim.
Arquivo CAPAAC
Aparecido também frequentou durante alguns anos a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) e o Centro de Convivência da Terceira Idade “Vovó Matilde”, ambos em Cachoeiro de Itapemirim
“As saídas do hospital começaram para socializar, mesmo que sejam passeios curtos, pelo menos no entorno do quarteirão, ele gosta. Atualmente, os passeios acontecem em média duas vezes por semana. No hospital, qualquer tipo de comemoração, como o parabéns dos funcionários, ele participa. Tudo isso ajuda muito na questão da convivência, ele gosta e fica feliz”, contou a assistente social Taismane Clarice.
Entretanto, ao longo dos anos e até pelo avançar da idade, o paciente desenvolveu condições clínicas que requerem cuidados médicos, como diabetes, hipertensão e complicações gastrointestinais. Passou por cirurgias, foi internado algumas vezes em hospital de assistência comum e teve doenças, como covid-19.
“Ele necessita de acompanhamento dos profissionais para sua higiene pessoal, ingestão de alimentos e administração de medicamentos. Já passou por situações gravíssimas em alguns momentos, mas sempre superou. A gente costuma dizer que ele tem ‘sete vidas'”, disse a assistente social.
Comunicação com o paciente
Paciente sem identificação recebeu o nome de Aparecido Nascimento. Espírito Santo.
Arquivo CAPAAC
Em todos esses anos, Aparecido ficou na enfermaria masculina no setor de internação do hospital. Atualmente, tem entre 61 e 62 anos.
Nunca falou nada além de “papá” e “mamã”, apesar de anos de estímulos, o que leva a equipe médica a acreditar que sua condição é congênita. Apesar disso, ele faz gestos, tem reações, responde a comandos, e faz atividades recreativas e lúdicas no hospital. Não sabe ler ou escrever, mas colore, desenha e rabisca.
“Ele é carinhoso, reconhece funcionários, joga beijo, faz coração, demonstra que está irritado. É como se fosse uma criança que está aprendendo a se comunicar. Aponta para o punho, como se fosse um relógio, demonstrando que quer passear”, disse Taismane.
Cuidado compartilhado pelos funcionários
Cirley Maria Marchezi Monteiro, técnica de Enfermagem aposentada (esquerda), leva a filha (direita) para visitar o Aparecido.
Arquivo pessoal
No caso do Aparecido, não houve uma pessoa que assumisse prioritariamente os cuidados do paciente, como fez o médico aposentado Coronel Jorge Potratz, com a Clarinha. Dezenas de funcionários se revezaram e ainda revezam nessa função. Entretanto, o afeto se criou especialmente para algumas pessoas.
A técnica de Enfermagem aposentada, Cirley Maria Marchezi Monteiro, de 65 anos, é uma das que por mais tempo o acompanhou e cuida de uma série de cuidados, desde a compra de roupas e sapatos até o pagamento de um plano funerário. Hoje, mesmo longe das funções, segue visitando o paciente, levando até familiares para vê-lo.
“Quando eu vou lá é para levar carinho, levar amor, sorriso. O Aparecido é uma pessoa que renovou muita coisa na minha vida, principalmente, a questão do sorriso”, disse.
Cirley trabalhou no hospital por 19 anos e se aposentou em 2015. Quando chegou, o Aparecido já vivia no local.
“Ele ficava sentado na escadinha da minha sala, eu conversava muito com ele, mesmo ele respondendo só ‘papá’. Comecei a ensinar a forma de algumas letras, ele repetia. E foi depois disso que veio a ideia de matricular ele na Apae. O Aparecido ia e voltava todos os dias, uniformizado, com tênis direitinho, com o transporte da associação”, lembra Cirley.
Todos os anos de convivência, geraram uma relação de muito afeto.
“Amo o Aparecido como filho de coração. Só tenho meninas, quatros moças, ele é como se fosse o meu menino. Passei a vestir ele, comprava roupa, sapatos, identificava com o nome direitinho. Cortava o cabelo dele, lixava os pés. Até hoje quando vou levo roupas […] Ele inclusive está incluído no meu plano funerário, pago para ele igual pago para as minhas filhas e netos, tá documentado no CAPAAC que ele tem esse espaço garantido no dia que for necessário”.
A médica psiquiatra doutora Maria Regina Rodrigues Torres foi a responsável por dar nome ao paciente. Ela trabalhou por 36 anos na rede estadual de saúde e passou mais de 25 anos convivendo com o Aparecido.
“Foi um caso emblemático, não tem como não lembrar. Toda a equipe ficou muito mobilizada. A gente já sabia que ele estava rondando a região da clínica, mesmo antes dele chegar já tínhamos percebido. Quando ele deu entrada no hospital, tinha um olhar suplicante de fome, era completamente desamparado. Acolhemos com a intenção de socorrer de imediato, demos comida, os cuidados necessários, mas obviamente não imaginamos que seria uma situação que iria se prolongar por tantos anos. A gente achou que fosse encontrar a família”, lembrou a médica.
Segundo Regina, o nome foi dado ainda nos primeiros dias, para que ele pudesse ter um prontuário e ficar dentro da instituição. A partir de então, além dos cuidados médicos, houve um esforço imenso da equipe para tentar uma identificação.
“Divulgaram de todas as maneiras possíveis para tentar localizar algum responsável por ele. Espalhamos cartazes, fotos, fizemos buscas pela cidade, matéria em rádio”.
Aparecido Nascimento, em um dos passeios próximos ao hospital, tirou foto em um painel pintado.
Arquivo CAPAAC
A médica reforça que ele tem Certidão de Nascimento e CPF. Tudo foi conseguido judicialmente ao longo dos anos com trabalho da equipe de assistente social. Para Regina, mais do que o trabalho técnico, foi um trabalho humanitário.
“Se não tivéssemos acolhido, provavelmente o Aparecido não existiria mais, já teria morrido, ele é totalmente indefeso. Sem contar que virou praticamente um filho, ia ao shopping, já foi levado à praia de Piúma, cachoeira, passeada no ônibus circular da cidade. Aonde a gente ia, levava ele”, lembrou.
Caso Clarinha retomou o desejo de novas tentativas de identificação
Paciente Clarinha, que ficou por 24 internada em coma em Vitória, Espírito Santo
Ricardo Medeiros/Rede Gazeta
A repercussão do caso Clarinha após a sua morte reacendeu na equipe o desejo e a possibilidade de novamente divulgar a história de Aparecido.
“Quem sabe agora não conseguimos resgatar sua origem? Apesar de ter um hospital humanizado, com toda a atenção possível, o ideal é que ele estivesse com a família, essa é a nossa vontade”, disse a diretora-geral do hospital, Elaine Santos.
Segundo Elaine, as últimas tentativas de identificação foram feitas nos anos 2000. Em julho deste ano, o Núcleo de Pessoas Desaparecidas (Nupede), vinculado à Polícia Civil, foi consultado e divulgações nos meios de comunicação da época foram realizadas; porém, sem êxito.
Também em dezembro do ano 2000, foi solicitado à 2ª Vara dos Feitos da Fazenda Pública e Registro da Comarca de Cachoeiro de Itapemirim o Registro Civil do paciente.
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Assim como no caso da Clarinha, durante todos esses anos, não houve auxílio recebido, a equipe não pôde solicitar benefícios, como ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), para Aparecido.
Em sua Certidão de Nascimento, expedida em 16/03/2001, o nome “Aparecido Nascimento” foi devidamente registrado, sendo definida como data de nascimento o dia fictício de 30/12/1963.
“Hoje, a base de dados é outra, a tecnologia, a coleta de material biológico… Já fizemos contato novamente com a Polícia Civil e eles vão dar andamento a parte administrativa e agendar nova visita ao hospital. Ao longo dos anos, fizemos inúmeras atividades para estimular a sua evolução, acionamos o núcleo de pessoas desaparecidas, a polícia, não conseguiram achar registro ou digitais dele. A única coisa que conseguimos foi oficializar o nome dele por via judicial, mas nada relacionado à identificação”, completou Elaine Santos.
A assistente social Taimane lembrou que no fim da década de 1980 e começo da década de 1990 foi uma época que as pessoas entravam nos hospitais psiquiátricos para longas internações e, às vezes, não saiam das unidades.
“Foi um período em que era comum receber internações como essas, em que a pessoa entrava no hospital e ficava. Não tem como afirmar se foi uma família que abandonou, ou se ele morava numa instituição e de alguma forma se perdeu. A gente realmente não sabe nada sobre a história dele”, lamentou.
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De acordo com a Secretaria Estadual de Saúde (Sesa), Aparecido é atualmente o único paciente sem identificação em hospitais da rede estadual.
O CAPAAC é um pronto-socorro 24h para urgência de emergência psiquiátrica, de internações de curta e média permanência (até 120 dias). Segundo a diretora-geral do hospital, a média de permanência no local é de 22 dias. A unidade atende 26 municípios da Região Sul do Espírito Santo e mais oito cidades da Grande Vitória via regulação de vagas.
Em caso de identificação do Aparecido, basta fazer contato pelo telefone do Centro de Atendimento Psiquiátrico Aristides Alexandre Campos (CAPAAC) – (28) 3636-2300.
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