Evans Osei Wusu, de 39 anos, fazia parte de grupo que estava retido no aeroporto, em Guarulhos, à espera de refúgio. Ele morreu em agosto de 2024 devido a uma infecção generalizada e enfrentou dificuldades para conseguir auxílio, diz família. Polícias Civil e Federal e Ministério Público Federal investigam o caso. Evans Osei Wusu, de 39 anos, fazia parte do grupo que estava retido no Aeroporto Internacional de SP
Arquivo Pessoal
Uma das cinco pessoas ouvidas pela Polícia Civil no inquérito aberto para investigar o caso do imigrante Evans Osei Wusu, de 39 anos, que morreu após passar mal no Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos, mencionou que ele informou sobre a saúde debilitada assim que chegou ao Brasil, em 4 de agosto, mas não recebeu retorno imediato dos órgãos acionados.
O g1 mostrou a história de Evans em setembro de 2024. A família relatou que ele chegou a pedir ajuda e enfrentou dificuldade para ser atendido enquanto estava na área restrita do aeroporto à espera do pedido de refúgio no Brasil (leia mais abaixo).
O imigrante foi levado até o Hospital Geral de Guarulhos em 11 de agosto. A morte foi registrada dois dias depois da internação, em 13 de agosto. A certidão de óbito de Evans, à qual o g1 teve acesso, aponta que o ganense morreu de infecção generalizada decorrente de um quadro inicial de infecção urinária.
A Polícia Civil instaurou inquérito em 6 de setembro para investigar a morte de Evans. O relatório final da Delegacia de Atendimento ao Turista (Deatur) foi concluído em 1º de outubro e encaminhado ao Ministério Público no dia seguinte. O MP pediu novas diligências e devolveu o inquérito à Polícia Civil, que segue aberto (veja detalhes mais abaixo).
Segundo o g1 apurou, uma das pessoas intimadas para prestar depoimento à Polícia Civil é da seção técnica do posto Avançado de Atendimento Humanizado aos Migrantes.
Ela relatou que não apurou o caso da morte do imigrante no local do fato, mas soube que Evans, ao chegar ao território brasileiro, se queixou de sequelas decorrentes de processo de tortura no país de origem, como dores lombares com necessidade de cirurgia, dificuldade de locomoção, fazendo uso de bengala e, por algumas vezes, cadeira de rodas, além de incontinência urinária com necessidade de uso de fralda geriátrica.
Evans Wusu enquanto estava retido no Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos
Arquivo Pessoal
O depoimento menciona também que, diante dos relatos do imigrante à equipe do Posto Avançado de Atendimento Humanizado, em 7 de agosto foi feita a solicitação de refúgio.
Ela ainda relatou, conforme o g1 apurou, que em 9 de agosto foi feita uma reiteração das queixas do passageiro por sua permanência prolongada no local ao Ministério Público Federal e ao plantão da Polícia Federal.
O depoimento menciona que, mesmo com a comunicação, não teve retorno sobre o fato. A funcionária ainda ressalta que soube da morte de Evans pela imprensa.
MP devolve inquérito à Polícia Civil
O caso continua sendo investigado pelas polícias Civil e Federal e pelo Ministério Público Federal.
Em relação ao inquérito da Polícia Civil, o g1 apurou que o relatório final foi concluído em 1º de outubro de 2024, menos de um mês após a abertura. Contudo, o MP devolveu à Polícia Civil e pediu para novas diligências.
LEIA TAMBÉM:
Vídeo mostra momento em que imigrante é atendido no Aeroporto de SP
Imigrante tentou pedir ajuda e foi enterrado no Brasil sem autorização, diz família
Autoridades fazem jogo de empurra sobre morte de imigrante em Aeroporto de SP
O Ministério Público, ao receber o relatório, afirmou que o caso não deveria ser tramitado no Juizado Especial Criminal e que era inviável falar em delito de omissão de socorro, conforme o inquérito conduzia as investigações.
O MP acredita que os fatos possam se enquadrar nos crimes do artigo 136 do Código Penal (maus-tratos) com a qualificadora do 2º parágrafo (que resulta em morte), ou o parágrafo terceiro do artigo 121 do Código Penal (homicídio culposo).
Investigação da Polícia Federal
A Polícia Federal abriu investigação sobre a morte de Evans em 13 de setembro de 2024 após um pedido feito pelo Ministério da Justiça e da Segurança para a Diretoria de Polícia Administrativa da Polícia Federal.
Até então, a PF havia informado que não cabia investigação por parte do órgão, ressaltando que se houvesse apuração seria feita apenas pela Polícia Civil.
Na época, o secretário nacional de Justiça, Jean Keiji Uema, solicitou em ofício “a adoção das providências necessárias à apuração dos fatos no âmbito das competências da Polícia Federal”.
Em nota ao g1, a PF não informou detalhes sobre o andamento da investigação e pediu para entrar em contato com o Ministério da Justiça.
Por sua vez, o ministério também não informou sobre o andamento das investigações por parte da Polícia Federal ao g1.
Ministério Público Federal
Em nota, o Ministério Público Federal informou que há um procedimento em curso, instaurado em setembro de 2024 e em tramitação na Procuradoria da República em Guarulhos.
“O MPF mantém-se em contato com a Polícia Federal para definir os passos da apuração”, afirmou o órgão.
Entenda a morte de Evans
Imigrante que morreu após passar mal no Aeroporto de SP tentou pedir ajuda e foi enterrado no Brasil sem autorização, diz família
Ao g1, uma prima de Evans, Priscilla Osei Wusu, explicou que ele chegou ao aeroporto em 4 de agosto, depois de ter sido deportado do México em 2 de agosto. Segundo ela, o primo havia embarcado em Gana e deveria fazer uma cirurgia na coluna em território mexicano.
“Não sei o motivo de ele não ter conseguido entrar no México. Até o médico que deveria operá-lo conversou com a Imigração e pediu que o acompanhassem ao hospital. Nós até pagamos o hotel dele naquela noite. [Evans] voltou para São Paulo e ficou retido após pedir refúgio para ir a um hospital. Ele queria que as autoridades [brasileiras] o mandassem [de volta] para lá”, disse Priscilla.
A rota original previa que, após a cirurgia, Evans deveria pegar um voo que fizesse conexões no Brasil e no Catar antes de, finalmente, retornar a Gana. Mas, ao chegar a Guarulhos, ele decidiu tentar entrar em território brasileiro para ser encaminhado a um hospital daqui. Segundo a família, Evans disse que não teria condições de saúde para retornar ao seu país sem ser atendido antes.
Priscilla relata que, na segunda semana de agosto, ainda retido no terminal de Guarulhos, o primo passou a encaminhar mensagens a um tio informando que estava com muita dor e precisava ir ao hospital urgentemente. Ele afirmou também que só foi atendido após outros imigrantes terem se manifestado para que houvesse algum auxílio.
O g1 teve acesso a essas mensagens (veja abaixo). Em um áudio, Evans reclamou que estava sentindo dor e que não entendiam o que ele estava falando.
“Preciso urgentemente de sua ajuda. Estou com uma dor insuportável na coluna, viajei de Gana para o México para fazer uma cirurgia, mas infelizmente não fui internado, não sei o motivo. Estou humildemente solicitando uma cirurgia urgente na coluna aqui no Brasil, tenho dinheiro para pagar. Não posso viajar com segurança de volta para Gana por causa da minha condição”, afirmou ele.
E complementou: “Paguei por uma passagem de classe executiva de Gana para o México porque a econômica não era segura para mim. Meu retorno é em classe econômica porque sei que estarei forte e saudável após a cirurgia. Minha situação agora não me permitiria voar com segurança na econômica para Gana e minha dor está ficando insuportável. Por favor, me ajude a marcar uma consulta aqui no Brasil para minha cirurgia na coluna. Obrigado. É isso que devo apresentar a eles”.
A certidão de óbito de Evans, à qual o g1 teve acesso, aponta que o ganense morreu de infecção generalizada, após um quadro inicial de infecção urinária. Como endereço, aparece apenas “Aeroporto de Guarulhos”. Evans foi enterrado no Cemitério Necrópole do Campo Santo, que é municipal.
Mensagem enviada por imigrante Evans para a família
Arquivo Pessoal
Conforme o Ministério da Justiça e Segurança Pública, a morte do imigrante foi registrada em 13 de agosto no Hospital Geral de Guarulhos. No entanto, a família afirma que enterraram o corpo sem que eles fossem avisados.
“Como o hospital pode ter enterrado meu primo sem o consentimento da família? Como puderam fazer isso? Para nós, isso não é algo trivial. Nós temos que prestar uma homenagem aos mortos, é algo muito importante e sério em nossa cultura”, disse Priscilla, na época.
Vídeo mostra últimos momentos de Evans
Veja momento em que imigrante de Gana é atendido no Aeroporto de SP dias antes de morrer
Vídeos obtidos com exclusividade pela TV Globo e pelo g1 mostram o momento em que o imigrante foi atendido por uma equipe de saúde e levado a um hospital.
As imagens são de 11 de agosto. Nelas, é possível ver Evans sentado sem camisa na área restrita para imigrantes, quando funcionários da saúde chegam ao local e vão em sua direção (veja acima).
Um grupo de imigrantes, ao ver a equipe, fica ao redor dos profissionais e fala com eles, mas não é possível ouvir o que dizem. Na sequência, os funcionários colocam Evans em uma cadeira de rodas e saem da área restrita com ele.
O imigrante foi levado até o Hospital Geral de Guarulhos. A morte foi registrada no dia 13 de agosto, dois dias depois de ele se internar.
Evans Wusu recebendo atendimento médico no dia 11 de agosto no Aeroporto de SP
Reprodução
Questionada em setembro do ano passado se iria abrir apuração sobre as circunstâncias que se deram a morte de Evans, a GRU Airport, concessionária que administra o Aeroporto Internacional de São Paulo em Guarulhos, disse “que os passageiros que aguardam o processo de admissão no país pela Polícia Federal ficam sob os cuidados das Companhias Aéreas até a sua conclusão”.
Informou ainda, que, “no dia 11/08, a equipe de atendimento a urgências/emergências do Aeroporto, ao ser acionada, imediatamente providenciou atendimento e encaminhamento do passageiro ao Hospital Geral de Guarulhos”.
Na época, a companhia aérea Latam disse que “lamenta profundamente o ocorrido e se solidariza com os familiares de Evans Osei Wusu”.
“Em 11 de agosto de 2024, o passageiro passou mal e a LATAM solicitou atendimento ao serviço médico do aeroporto de Guarulhos. Posteriormente, acompanhou a remoção e a internação do passageiro no Hospital Geral de Guarulhos, e realizou o contato com as autoridades brasileiras responsáveis e autoridades de Gana no Brasil”, afirmou.
“Em Guarulhos, vale lembrar, a LATAM está oferecendo assistência aos passageiros que embarcaram em seus voos, desembarcaram no aeroporto para conexão e decidiram não continuar suas viagens para o destino final, solicitando refúgio no Brasil à Polícia Federal. Em paralelo, a companhia mantém diálogo permanente e continuará colaborando com as autoridades brasileiras. A LATAM reconhece o compromisso das autoridades brasileiras no atendimento de questões humanitárias e seu importante papel nos cenários local e internacional”, finaliza.
Inicialmente, a Prefeitura de Guarulhos disse à reportagem que não tinha informações sobre o caso. Já na segunda nota enviada ao g1, a gestão municipal informou que “atuou somente como contratada para realizar o sepultamento do sr. Evans Osei Wusu pelo Hospital Geral de Guarulhos, que é estadual”.
“Diante do estado de deterioração do corpo e da falta de retorno da família à respectiva embaixada, providenciou toda a documentação para o enterro, por sua vez liberado pelo IML, também sob responsabilidade do governo estadual”, afirmou o texto.
A Secretaria da Saúde estadual informou, também em nota, que “o Hospital Geral de Guarulhos, após constatar o óbito, comunicou às autoridades competentes, incluindo o Consulado e a Embaixada de Gana, para que a família do paciente fosse devidamente informada sobre o falecimento e orientada quanto aos procedimentos para o sepultamento”.
“No entanto, diante da ausência de resposta após 16 dias e com o corpo apresentando sinais de deterioração, o serviço funerário municipal foi acionado, e os procedimentos necessários para garantir um enterro digno ao paciente foram adotados.”