31 de janeiro de 2025

Série especial do JN mostra os resultados práticos da retirada dos celulares das salas de aula


A Unesco analisou dados de 14 países e identificou que a simples proximidade do celular é capaz de distrair os estudantes e provocar um impacto negativo na aprendizagem. Série especial do JN mostra os resultados práticos da retirada dos celulares das salas de aula
As escolas brasileiras estão recebendo os alunos para o início do ano letivo com uma novidade: o Brasil se juntou a dezenas de outros que barraram os celulares em sala de aula. Mas alguns estabelecimentos de ensino já proibiam o uso dos smartfones, e os resultados dessa iniciativa são bem impressionantes. Veja na reportagem do Vladimir Netto e do Lúcio Alves.
“Nunca, enquanto sociedade, a gente teve que lidar com as situações tão desafiadoras como a gente está lidando agora”, afirma Telma Vinha, doutora em educação pela Unicamp.
“O tempo todo ali: ‘Você, tira o celular’. ‘Ei, presta atenção aqui’. ‘Foca aqui comigo’”, conta o professor de Língua Portuguesa Pedro Cavalcante de Miranda.
“Quando você pega o celular, você vê um vídeo que te distrai ou você fala com algum amigo que não estuda na escola, alguma coisa assim. Acho que acalma mais”, diz a estudante Maria Fernanda Leitão.
A internet faz parte do dia a dia de mais de 90% das crianças e adolescentes no Brasil – principalmente pelo celular. E um em cada cinco admite: já tentou usar menos as redes sociais, mas não conseguiu.
“Mexia muito no celular, não conseguia estudar”, conta a estudante Elisa da Veiga Jardim.
“Ele está ali do nosso lado e a gente fica tipo assim… Ai, às vezes, aparece alguma notificação, às vezes tem alguma coisa importante acontecendo. Isso acabava, mesmo que eu não soubesse, me prejudicando um pouco”, conta a estudante Maria Clara Oliveira Brandão.
Depois de cada olhadinha, são 20 minutos para recuperar a atenção.
“Uma aula tem 50 minutos. Ou seja, se ele está concentrado, perdeu a concentração e vai gastar 23 minutos para voltar a atenção no estágio inicial, essa aula já acabou, já perdeu essa aula”, diz Luiz Gustavo Mendes, diretor de escola.
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A Unesco analisou dados de 14 países e identificou que a simples proximidade do celular é capaz de distrair os estudantes e provocar um impacto negativo na aprendizagem. Por isso, a partir de 2025, estudantes da educação básica do país não poderão mais usar o celular durante as aulas e nem mesmo no recreio. O Congresso aprovou a proibição no fim de 2024 e o presidente Lula sancionou a lei no começo de janeiro de 2025.
Mas escolas do país já vinham testando a medida. Em uma escola em Brasília, em um intervalo pode usar o celular. No outro, não. No intervalo que não pode usar o celular, os estudantes estão conversando, brincando, comendo, curtindo a infância. Os aparelhos ficam guardados dentro da sala.
“Não gosto, mas são regras”, diz a estudante Juliana Almeida Pimentel.
“A gente estava muito disperso e, com isso, a gente conseguiu realmente focar mais na aula e, com isso, as notas melhoraram também”, conta a estudante Luana de Almeida Melo.
No intervalo em que os estudantes podem usar o celular, a situação é outra.
“Fica todo mundo na parede olhando para o celular e ninguém socializa”, diz a estudante Alice Cortez.
Nesta semana, a escola retomou as aulas e, agora, o celular está proibido também no recreio.
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Educadores afirmam que, sem regras, sem limites, o uso do celular – principalmente no ambiente escolar – pode prejudicar o aprendizado e a saúde mental de crianças.
“Quando as crianças são pequenas, a construção da realidade, do desenvolvimento, passa muito pela aprendizagem da noção de tempo, que é saber a hora de dormir, de acordar, de brincar. Algumas pesquisas demonstram que eles, os pequenos, as crianças menores, elas também são impactadas no sentido de um atraso no desenvolvimento do que a gente fala da construção do mundo real, que são essas noções inclusive necessárias para que haja aprendizagem”, explica Telma Vinha, professora da Faculdade de Educação da Unicamp.
Na adolescência, os impactos são grandes também.
“O cérebro precisa de duas coisas: as mudanças hormonais e tudo mais, por um lado, internas. E do lado de fora precisa de experiências, experiências sociais, familiares, escolares. Quando se troca isso por horas e horas consumindo conteúdo adulto, inadequado, recheado de pornografia, de conteúdos ideologicamente nocivos de violência, de ódio, de intolerância, de consumismo, interrompendo o sono, gerando sedentarismo, isolamento social… É claro que vai dar ruim. Esse cérebro não vai conseguir fazer esse amadurecimento da forma correta”, afirma o pediatra e sanitarista Daniel Becker.
Série especial do JN mostra os resultados práticos da retirada dos celulares das salas de aula
Jornal Nacional/ Reprodução
Nos últimos dez anos, o atendimento a crianças e adolescentes no SUS por causa de ansiedade aumentou 1.300%. Especialistas dizem que isso deve – em boa parte – ao uso excessivo de celulares e redes sociais.
Além do Brasil, 62 países já baniram ou adotaram políticas de controle do celular nas escolas. Entre eles, Bolívia, França, Portugal, Itália, Grécia, Rússia, China e Nova Zelândia.
“É preciso achar o equilíbrio para que a tecnologia seja uma aliada da educação. É inevitável permitir que os jovens usem os celulares e acessem as tecnologias que estão disponíveis também no processo educativo. Mas é bom lembrar que até uma determinada idade isso precisa de mediação”, diz Marlova Jovchelovitch Noleto, diretora da Unesco.
Ela completa:
“O professor também é responsável por contribuir para desenvolver as habilidades socioemocionais daquele aluno ou daquela aluna. Aprender é iluminar-se, aprender é descobrir coisas novas. E, portanto, o papel do professor é sempre mais importante que o da tela”.
No Brasil, até 2024, ao menos 17 estados já tinham proibido o uso do celular nas salas de aula ou até em toda a escola, inclusive no horário do intervalo.
A cidade do Rio de Janeiro foi a primeira a fazer um decreto banindo o celular das escolas públicas de ensino fundamental. Lá, os estudantes só podem pegar o telefone antes da primeira aula e depois da última – nunca dentro da sala. A Secretaria Municipal de Educação percebeu que os casos de bullying diminuíram e a participação nas aulas, a concentração e o desempenho aumentaram.
“Melhorou minha nota, melhorou meu comportamento”, conta o estudante Victor Hugo Pereira da Costa.
“Antes, ele tinha muita reclamação, porque ele acabou, por causa do telefone, ele não dormia direito em casa, ele acabou ficando um pouco mais agressivo. Mas agora ele está ótimo, graças a Deus. Eu estou muito feliz”, diz Aline Pereira de Oliveira, mãe de Victor.
De acordo com a Secretaria de Educação do Rio, sem o celular, as chances de um aluno do nono ano tirar boas notas em matemática subiram 53%. E, em alguns casos, a ausência do aparelho abriu espaço para o esporte na vida dos estudantes. Davi ganhou até medalha na primeira competição de que participou.
“Senti assim aquela mudança radical. Está há quatro meses no jiu-jitsu, se interessou pelo esporte, ganhou medalha. Só gratidão mesmo”, festeja Luiz Felipe Pedro, pai do Davi.
“Estou mais focado agora”, afirma o estudante Davi Azevedo.
Em uma escola da Candangolândia, no Distrito Federal, o professor também percebeu uma melhora.
“Os alunos desse ano são mais espertos no quesito de anotação, de prestar atenção, de tirar dúvida. Uma coisa que eu sentia muita falta”, afirma o professor de Matemática Kleber Bezerra Vasconcelos.
Série especial do JN mostra os resultados práticos da retirada dos celulares das salas de aula
Jornal Nacional/ Reprodução
As brigas entre alunos e ex-alunos que levavam a polícia à porta da escola estão acabando.
“Parou de ter o ponto de encontro. Parou de ter como marcar a briga”, diz Ana Paula de Souza Patrício Prado, diretora de escola.
A Stefhany Sperle Oliveira Pacheco descobriu um novo interesse quando precisou deixar o telefone de lado:
“Como eu não tinha o que fazer, resolvi pegar um livro na biblioteca e começar a ler. Aí depois comecei a ler, ler e acabei descobrindo minha paixão pela leitura”, conta.
A proibição do uso do celular é uma tentativa de recuperar a atenção dos alunos e assegurar o tempo do convívio e das brincadeiras da infância.
“Você cria ali quatro, seis ou oito horas de vida no mundo real, de vida no mundo real. Onde a criança vai aprender, onde a atenção dela vai estar mais focada dentro daquela sala de aula, prestando atenção no professor, no que está sendo discutido. Vai desenvolver o pensamento crítico, vai desenvolver a capacidade de ver o mundo de uma outra forma e, no recreio, ela vai brincar. A brincadeira é a linguagem essencial da infância e não pode ser perdida. A infância sem brincadeira, não é infância. O desenvolvimento humano só se dá no mundo real”, afirma o pediatra e sanitarista Daniel Becker.
Na quinta-feira (30), o Jornal Nacional vai abordar o desafio do Brasil para levar educação digital às escolas, e o exemplo do Uruguai, que já está conseguindo fazer isso.
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