24 de setembro de 2024

Batalha que matou indígenas no Pateo do Collegio no século 16 definiu rumos de São Paulo

Cerco de Piratininga ficou marcado como uma das batalhas indígenas mais decisivas do período colonial; veja detalhes na segunda reportagem da série Memórias Indígenas, do SP2. Pintura “A defesa de Piratininga”, do artista Lopes de Leão, é a representação mais próxima do que foi o Cerco de Piratininga em 1562
Reprodução/TV Globo
A Capela de São Miguel Arcanjo, em São Miguel Paulista, na Zona Leste, templo religioso mais antigo de São Paulo e que teve, em sua construção, a participação dos povos originários, fica na mesma região em que indígenas se reuniram para planejar um ataque ao Pateo do Collegio. Uma região que, até a chegada dos colonizadores, era conhecida como Ururay.
Já o Pateo foi o local em que colonizadores e jesuítas estavam concentrados depois da missa que fundou a capital paulista, em 25 de janeiro de 1554. Aliás, para alguns historiadores, a cidade nasceu mesmo em outra data, muito mais decisiva para a continuação da sociedade como estava sendo desenhada: 9 de julho de 1562.
Foi aí, oito anos depois da fundação do Colégio de São Paulo de Piratininga pelos jesuítas José de Anchieta e Manuel de Nóbrega, que os povos que viveram aqui por séculos se uniram numa batalha histórica. O episódio ficou conhecido como o Cerco de Piratininga, como mostra a segunda reportagem da série Memórias Indígenas, do SP2.
Pintura “Cacique Tibiriçá e neto”, de José Wasth Rodrigues, do acervo do Museu do Ipiranga
Reprodução/TV Globo
“Foi uma guerra indígena. Entre os dias 9 e 10 de julho de 1562, duas coligações interétnicas indígenas guerrearam nesse espaço visando propriamente o colégio dos jesuítas, que era o símbolo dessa presença dos portugueses na região”, explica Larissa Maia, historiadora do Pateo do Collegio.
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Ela explica que o combate foi de indígenas contra indígenas. De um lado, os aliados dos portugueses liderados pela figura emblemática do Cacique Tibiriçá, líder indígena da região central de São Paulo no século 16. Do outro lado, indígenas que eram contra a presença estrangeira liderados por Jaguaranho, sobrinho de Tibiriçá e, portanto, da mesma etnia.
“Esses dois grupos vão guerrear porque tinham relações e alianças divergentes. Mas não eram de etnias contrárias, faziam parte da mesma povoação”, pontua a historiadora.
O grupo vencedor foi o liderado por Tibiriçá, que matou o sobrinho na frente da igreja e foi considerado pelos colonizadores como um herói por ter protegido o Pateo do Collegio. Tibiriçá é lembrado até hoje em uma pintura na entrada do Museu do Ipiranga e seus restos mortais estão na cripta da Catedral da Sé.
Para manter a história viva, o grupo Estopô Balaio, formado por atores indígenas, revive a história do cerco em um espetáculo teatral.
“A gente foi investigando essa história e conectando pontos. Nós somos ainda essa presença indígena que segue aqui em São Miguel Paulista, no Jardim Romano, Jardim Helena, Vila Mara, Jardim Paulista e Itaquaquecetuba. Tudo isso era o antigo aldeamento de Ururay”, afirma Juão Nyn, artista indígena e dramaturgo do grupo teatral.
A peça “Reset Brasil” é itinerante. O grupo percorre ruas e estações da Zona Leste para recontar a história indígena dos primórdios de São Paulo.
Prova da presença indígena há mais de 3.800 anos
Grupo teatral indígena reencena mais de 400 anos depois o Cerco de Piratininga no Pateo do Collegio
Gustavo Galvão/TV Globo
A cruz no alto da histórica Capela de São Miguel Arcanjo, templo com 402 anos de história, traz uma memória quase apagada que comprova a presença indígena milenar na capital paulista.
“Dá para observar dentro da estrutura da capela alguns elementos que trazem a participação indígena. Em uma das portas há uma carranca e, no arco onde São Miguel ficava, a arquitetura foi esculpida como um cocar”, conta o padre Rodrigo Lima de Sousa.
A primeira construção foi erguida em 1560, a pedido do padre José de Anchieta, na tentativa de catequizar indígenas que moravam ali. A atual edificação, do jeito que conhecemos hoje em dia, data de 1622, com reformas feitas ao longo do tempo.
E há mais sinais da presença milenar dos indígenas na cidade. Um rio cheio de curvas com morros baixos e muitas árvores. A série Memórias Indígenas recriou, por meio da inteligência artificial, a Marginal Pinheiros vista da região do Morumbi há pelo menos 3,8 mil anos.
Naquele período, os povos originários já utilizavam uma rocha chamada silexito para produzir ferramentas. Só na década de 1960 essas memórias adormecidas foram redescobertas. O plano para esse pedaço de terra era construir um prédio, mas o terreno guardava os vestígios de que a história não começou em 1500.
“As peças que foram retiradas do Sítio Lítico do Morumbi são a matéria-prima da maior indústria de ferramentas existente em São Paulo. Há uma ciência guardada por esses povos que hoje a gente não tem treinamento para produzir o que eles conseguiam há milhares e milhares de anos”, explica o arqueólogo Paulo Zanettini, uma espécie de Indiana Jones brasileiro, que já fez outras grandes descobertas como esta.
O que os pesquisadores puderam identificar é que esses indígenas tinham um perfil caçador e coletor. A peça-chave dos itens retirados é uma rocha que os arqueólogos tentam reconstruir como um quebra-cabeças.
“Para além das datações, que são muito precisas, a gente teve um elemento-chave durante a escavação que foi a remontagem de pedras que comprovam que elas realmente estavam lá mesmo num sítio arqueológico com 400 mil peças”, contextualiza a arqueóloga Letícia Correa.

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