Fachin propõe medidas como uso de câmeras em fardas e viaturas, restrição de helicópteros em operações policiais e programa de assistência à saúde mental dos agentes de segurança. O ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou nesta quarta-feira (5) para reconhecer um “estado de coisas inconstitucional” na segurança pública do Rio de Janeiro, e para determinar uma série de medidas ao estado.
🔎Com a declaração de “estado de coisas inconstitucional”, o tribunal reconhece que há violação sistemática e massiva de direitos humanos dos cidadãos. Pode, então, estabelecer que o poder público tome providências.
Fachin é o relator da chamada ‘ADPF das Favelas’, ação que questiona a violência policial nas operações em comunidades do Rio.
O caso foi retomado pela Corte na sessão desta quarta. Após o voto do relator, a análise foi suspensa pelo presidente Luís Roberto Barroso. Segundo o magistrado, o tema deve voltar à pauta em um prazo de três semanas a um mês.
STF começa a julgar “ADPF das Favelas”
Propostas de medidas
Em seu voto, o ministro sugeriu uma série de providências:
➡️ o estado deve tomar medidas administrativas e normativas para medir e monitorar as mortes causadas por policiais, detalhando indicadores como o uso excessivo da força policial e o número de civis vítimas de confrontos armados;
➡️ divulgação de dados sobre a morte de civis e suas circunstâncias (locais, se foi em contexto de operação policial); também devem ser publicadas informações das mortes de policiais (se foi em serviço, por exemplo);
➡️ o estado deve organizar a política de segurança tendo como parâmetro a proporcionalidade no uso da força policial;
➡️ deve ser elaborado um programa de assistência à saúde mental dos policiais, sendo obrigatória a avaliação psicossocial quando eles participarem de “incidentes críticos”;
➡️ helicópteros só devem ser usados nas ações policiais em casos de estrita necessidade, com relatório circunstanciado após a incursão;
➡️ o cumprimento de mandados judiciais devem ocorrer durante o dia. Se a ação for sem mandado, ela deve ter base em “causas prévias e robustas de flagrante delito”; não pode ter base exclusiva em denúncia anônima;
➡️ presença obrigatória de ambulâncias em operações policiais;
➡️ as autoridades devem preservar vestígios de crimes, de modo a impedir remoção indevida de material que será usado em investigações;
➡️ no caso de operações perto de escolas, creches, unidades de saúde, as crianças e adolescentes devem ter proteção em grau de prioridade máxima. A polícia não pode usar escolas e unidades de saúde como base.
➡️serão obrigatórios o armazenamento, elaboração e disponibilização de relatórios detalhados ao fim de cada operação policial;
➡️ instalação de GPS e sistemas de áudio e vídeo nas fardas e viaturas policiais. A Polícia Civil também terá que usar câmeras corporais quando fizer patrulhamento ostensivo e diligências externas.
➡️MP deve atuar em processos em que há suspeita do envolvimento de agentes de segurança;
“O que se espera é a redução paulatina e constante dos índices de letalidade policiais em parâmetros que possam ser considerados proporcionais ao contexto do estado”, disse Fachin.
Ministro Edson Fachin é o relator do caso no STF.
Rosinei Coutinho/SCO/STF
Voto
Fachin, o relator da ação, foi o primeiro a votar no processo.
No início da exposição, o relator declarou que as medidas tomadas pela Corte no âmbito da ação — como a restrição às operações policiais na pandemia — nunca foram “expressão de desprestígio e enfraquecimento da atividade policial”.
O ministro também reconheceu o empenho e dedicação dos policiais e argumentou que as determinações no caso buscam garantir a vida de civis e de agentes de segurança.
“A deterioração da segurança pública não é uma ameaça para os cidadãos brasileiros, mas é também para os policiais que dedicam sua vida ao ofício, e não raro as perdem em numerosos e inaceitáveis suicídios e assassinatos”, disse.
“As determinações proferidas ao longo desta arguição visam não apenas garantir legítimos direitos para a população civil, mas também para os agentes das forças de segurança. Não há, nem pode haver antagonismo entre esses interesses”, prosseguiu.
“É cediço que o comportamento dos agentes do Estado dentro da legalidade estimula o respeito à lei por parte da população. E que as forças policiais necessitam, para bem exercer suas funções, de apoio e cooperação das comunidades onde atuam, o que só é possível quando elas são vistas pelos cidadãos como minimamente confiáveis”, completou.
Fachin afirmou que, ao contrário de “ilações” no sentido de que as restrições impostas pelo STF impediriam o trabalho da polícia, o número de operações aumentou. Argumentou que a situação no Rio não é adequada, mas sustentou que não é possível atribuir à atuação do STF problemas crônicos, que começaram antes do processo.
“As evidências indicam também que, ao contrário de ilações segundo as quais as restrições impostas por esse tribunal estariam a impedir o trabalho adequado das forças policiais e a fortalecer organizações criminosas, o número de operações policiais aumentou, com registro oficial de 457 operações policiais somente no primeiro quadrimestre de 2024 – dados do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro”, pontuou.
“Todavia, atentemos: não se está a dizer que a situação da segurança pública do Rio é adequada. Bem ao contrário. Todos temos notícias da gravidade e complexidade das disputas territoriais, da presença de foragidos de outros estados sob proteção armada, da ilegal circulação de fuzis e armamento pesado e das dificuldades de trabalho das forças policiais, especialmente com o crescimento do número de barricadas, impedindo qualquer aproximação. É mesmo uma realidade gravíssima. Todavia, imputar problemas crônicos e de origem anterior à presente arguição às medidas determinadas por essa Corte consiste não apenas em grave equívoco, mas também em inverdade”, completou.