Na última semana, o governo Trump suspendeu por 90 dias os repasses de fundos americanos à agência da Organização das Nações Unidas (ONU) que ajuda migrantes em Manaus e a decisão causou uma preocupação para o acolhimento dos estrangeiros na capital amazonense. Imigrantes criticam medidas de Trump enquanto buscam recomeçar a vida no AM.
Patrick Marques/g1 AM
“Não somos delinquentes”. Foi assim que o imigrante venezuelano Esdra Leon se expressou após chegar ao Amazonas para recomeçar a vida e ver as medidas adotadas pelos Estados Unidos nos últimos dias. No dia 20 de janeiro, o governo Trump suspendeu por 90 dias os repasses de fundos americanos à agência da Organização das Nações Unidas (ONU) que ajuda migrantes em Manaus e a decisão causou uma preocupação para o acolhimento dos estrangeiros na capital amazonense.
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Com a suspensão do repasse, a Secretaria de Estado de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania (Sejusc) assumiu os serviços, já que, atualmente, o trabalho com migrantes e refugiados é realizado também por técnicos do órgão, não sendo mais exclusivo da Organização Internacional para Migrações (OIM).
Acompanhado de sua esposa, Naily Sanchez, Esdra contou ao g1 que chegou a Manaus no dia 11 de janeiro, após deixarem o país natal para buscarem refúgio, emprego e melhorias para o futuro da família. Na capital do Amazonas, ele afirmou que foram bem acolhidos no abrigo chamado Serviço de Acolhimento Institucional para Adultos e Famílias (Saiaf), no bairro Coroado, Zona Leste da cidade.
“Nos sentimos muito agradados. Pensamos que seria muito difícil, mas na verdade, não foi assim. Recebemos uma boa atenção. Fomos vistos como seres humanos. Não como perigo, uma ameaça. Apesar de qualquer coisa, imigramos da Venezuela buscando uma melhoria e graças a Deus contamos apoio de pessoas que nos estenderam as mãos para nos oferecer ajuda para o que estamos buscando”, contou Esdra.
Segundo informações obtidas pelo g1, desde o dia 27 de janeiro, os profissionais que atuavam no escritório da OIM, localizado no Pronto Atendimento ao Cidadão (PAC) da Compensa, na Zona Oeste de Manaus, foram dispensados devido a suspensão de repasses pelos Estados Unidos. No local, centenas de pessoas procuram serviços de acolhida diariamente.
De acordo com a OIM, a paralisação de 90 dias pode deixar milhares de migrantes sem acesso à regularização migratória para residência temporária no Brasil, impedindo também o acesso a serviços de saúde e alimentação.
No fim de janeiro, pousou no aeroporto de Manaus, por volta das 18h, o primeiro voo com deportados dos Estados Unidos para o Brasil desde a posse de Donald Trump. A previsão inicial era de que os 88 deportados chegassem a Confins (MG), mas a aeronave fez uma escala em Manaus, com os imigrantes algemados.
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Após as medidas do governo Trump, os venezuelanos que chegaram recentemente a Manaus criticaram a postura adotada pelos Estados Unidos que prejudica os imigrantes.
“Sobre todas essas coisas que estão acontecendo nos Estados Unidos, nós não somos delinquentes. Nós latino-americanos estamos buscando um novo horizonte, um novo futuro, um novo início e estamos sendo vistos como delinquentes. Nós saímos de um lugar buscando emergir, superar e somos vistos como delinquentes”, lamentou Esdra.
Assim como Esdra e sua esposa, o venezuelano Willman Rivas também chegou em Manaus a procura de novos caminhos. Na capital desde novembro de 2024, ele afirmou que foi bem acolhido no abrigo e que não pensa em voltar para o país de origem devido o cenário vivido no local.
Em entrevista ao g1, Willman também criticou as medidas adotadas pelo governo Trump, nos Estados Unidos, contra os imigrantes. Segundo ele, o atual presidente do país deveria ser uma pessoa mais colaborativa com todos os países.
“Me encanta muito o que tem sido feito aqui (Brasil). Mesmo com tudo muito complicado, imigrações de diversos países. Independentemente de tudo isso, todas as pessoas que trabalham em função da ajuda humanitária estão bem constituídas, mas falta a parte econômica, porque é isso que nos mantêm. São pessoas que colaboram com os imigrantes que estão chegando aqui com necessidades e merecem aplausos por isso por fazerem um bom trabalho. Não se podem cortar pressupostos de nada, porque são milhas e milhas de pessoas que tem muitas necessidades”, afirmou Willman.
Serviço de Acolhimento Institucional para Adultos e Famílias
Atualmente, parte dos imigrantes venezuelanos em Manaus vivem no Serviço de Acolhimento Institucional para Adultos e Famílias (Saiaf), onde recebem acolhimento, além de ações de saúde, educação para crianças e alimento, enquanto se firmam no país.
A assistente social do local, Meire Ramos, explicou que o trabalho tem início no processo de triagem, quando os imigrantes chegam ao estado e o trabalho tem foco, principalmente em famílias, idosos e grupos de risco.
“Eles recebem todo um atendimento humanizado. Como eles vem nessa situação de vulnerabilidade social extrema, a gente busca, através do nosso trabalho, oferecer uma situação de dignidade mesmo. Oferecemos a acolhida, uma escuta qualificada. A maioria chega com demanda de saúde e precisamos organizar com toda a rede, para ter os benefícios de saúde e educação para as crianças”, explicou Meire.
Questionada sobre a suspensão dos repasses pelos Estados Unidos, para a atuação da OIM em Manaus, Meire contou que os trabalhos da secretaria estadual também podem vir a ser afetados futuramente.
“Deve afetar o nosso trabalho também porque trabalhamos em parceria com eles. Tem algumas instituições laborais que trabalham conosco desde o início, que fazemos a acolhida, fazemos levantamento, elaboramos currículo, já sabemos a qualificação, ligamos para rede, fazemos o encaminhamento. Essa pessoa já está quase que 100% caminhando. Tem uns que chegam a ir para outros estados, tudo com o apoio das agências. Quando fecha essa porta, ficamos preocupados com o que vamos fazer com esses acolhidos. Então, realmente, nos preocupa muito”, lamentou.
Ainda segundo a assistente social, a Seas ainda não foi impactada com a suspensão das atividades da OIM, mas acompanham a situação e esperam que o acolhimento dos imigrantes não seja tão afetado.
Corte de verbas
De acordo com a OIM, a paralisação de 90 dias pode deixar milhares de migrantes sem acesso à regularização migratória para residência temporária no Brasil, impedindo também o acesso a serviços de saúde e alimentação.
A entidade, inclusive, é parceira do Governo Brasileiro na Operação Acolhida e, desde 2018, ajuda na regularização da migração e fornecimento de assistência humanitária a migrantes venezuelanos que entram no país pelo estado de Roraima.
No entanto, em resposta, a Sejusc informou que, em 2024, a Operação Acolhida foi transferida para o executivo estadual, tornando o Amazonas o primeiro estado a assumir as responsabilidades relacionadas a migrantes e refugiados no Brasil.
Com o corte de verbas, diversos serviços serão afetados, como:
Regularização Migratória e Assistência Humanitária;
Proteção e Saúde;
Interiorização e Movimentos Humanitários;
Combate ao Tráfico de Pessoas e Contrabando de Migrantes; e
Apoio Técnico e Assessoria na temática migratória e desenvolvimento de políticas e planos de integração.
“Atualmente, 60% dos recursos da OIM no Brasil são provenientes dos Estados Unidos. A suspensão parcial das atividades da OIM no Brasil representa um desafio significativo para o gerenciamento da crise humanitária envolvendo migrantes e refugiados. Nossa infraestrutura e operações ficam muito comprometidas com a redução de capacidades e recursos em centros de acolhimento e atendimento. Teremos impacto direto na manutenção, no custeio e no funcionamento de estruturas físicas e recursos humanos da OIM no Brasil”, destacou a agência.
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Divulgação
Por meio de nota, a OIM sediada em Manaus informou que buscará seguir trabalhando em estreito diálogo e colaboração com o Governo Federal e governos locais, dentro de sua capacidades.
“Manteremos todos os esforços possíveis para seguir nossa missão de proteger as pessoas em movimento e promover uma migração humanizada ordenada e digna, que beneficie tanto os migrantes quanto a sociedade de acolhida” disse a entidade.
Em nota, a Sejusc informou que já iniciou um plano de atendimento para suprir a demanda e continuará oferecendo serviços de pré-documentação de residência, de segunda a sexta-feira, no Posto de Interiorização e Triagem de Manaus (PTRIG), localizado no PAC Compensa, zona oeste da capital.
Quanto às demais atividades da OIM, parceira na assistência a migrantes e refugiados, a Sejusc destacou que o Governo do Amazonas manterá a parceria, cedendo o espaço para a continuidade do trabalho da organização.
Em 27 de janeiro, o Governo Federal se reuniu com representantes da OIM para discutir o impacto da suspensão das atividades da entidade na Operação Acolhida, após a decisão dos Estados Unidos de suspender por 90 dias o repasse de recursos para a missão.