Levantamento mostra que cerca de 960 mil pessoas passaram por temperaturas máximas acima da média em anos recentes, no estado. Ao menos 14 tiveram picos acima de 40º, e Carolina esteve sob intenso calor por mais da metade do ano. Onde de calor incomoda população de São Luís
Reprodução/TV Mirante
Um levantamento exclusivo feito a pedido do g1 aponta que 30 cidades no Maranhão tiveram mais de 100 dias, ainda que não corridos, sob calor extremo. Isso significa temperaturas acima do que era a média nos últimos 24 anos. (Veja abaixo a lista completa)
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Somando a população de cada cidade, é possível identificar que cerca de 961 mil moradores destes municípios passaram por períodos de altas temperaturas. Em 14 cidades, as temperaturas ultrapassaram os 40º.
No país, foram mais de 6 milhões de brasileiros enfrentaram pelo menos 150 dias de calor extremo em 2024 – um ano marcado como o mais quente da história da Terra.
Metodologia do levantamento
Mais de 6 milhões de pessoas enfrentaram calor extremo no Brasil
A análise foi feita a pedido do g1 pelo Centro Nacional de Monitoramento de Desastres (Cemaden) com dados de satélite do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Entenda abaixo como isso foi feito:
🔎 Para cada dia do ano foi calculado um valor limite de temperatura.
🔎 Para isso, foram analisados os dados diários da série histórica entre 2000 e 2024.
🔎 Como resultado, foi constatado o total de dias no ano de 2024 que superaram os valores mais altos vistos na série histórica, o que configura um extremo de calor.
🔎 O índice é o mesmo usado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC).
Por exemplo, segundo os dados, para o mês de novembro, a temperatura em Belém, capital do Pará, é considerada extrema quando é maior que 33,9°C. Neste mês, a cidade registrou temperaturas que superaram essa máxima e chegaram a 37,1°C.
O levantamento considerou informações de 5.571 municípios brasileiros. Segundo a pesquisadora do Cemaden Márcia Guedes, que fez parte do levantamento, isso ocorre porque ao coletar os dados do satélite, a resolução não conseguiu alcançar algumas cidades na faixa litorânea.
Cidades tiveram período de mais de 100 dias com temperaturas extremas nunca antes vistas
José Fernando Ogura/AEN
Cidades do MA sob calor extremo
Diante do levantamento e da organização dos dados, foi possível perceber que 30 municípios passaram por períodos de calor acima da média por ao menos 100 dias, sendo alguns com mais de cinco meses.
Carolina, na Região Sul do Maranhão, foi o município com mais dias sob calor extremo. Na região, mais de 24 mil moradores passaram mais da metade do ano sob temperaturas extremas, e o pico chegando a 41º.
Confira abaixo a lista dos 30 municípios que passaram mais de 100 dias sob calor extremo no estado, a população (estimada pelo IBGE), e o pico de calor em 2024. Das cidades que tiveram picos de temperatura acima de 40º, apenas Araioses (41,6º), Barão de Grajaú (40,8º) e São João dos Patos (40,3º) não constam nessa lista.
Cidades do Maranhão que passaram mais de 100 dias sob calor extremo em 2024
Altas temperaturas explicam o cenário do Brasil no ano passado:
O país viveu a pior seca da sua história, que afetou todo o território nacional, mas foi mais grave no Norte, deixando rios secos e populações isoladas, sem acesso a serviços básicos;
O Brasil viu queimar mais de 30 milhões de hectares, o que é quase o tamanho da Itália, em 2024. O fogo é reflexo de ação humana, mas a proporção é consequência da falta de umidade, resultado das altas temperaturas.
Houve recorde de dengue: foram mais de 6 milhões de casos da doença, que é favorecida pelo calor.
Pela primeira vez, especialistas identificaram uma região de clima árido no Brasil.
Os estados mais afetados foram Pará, Ceará, Tocantins, Minas Gerais, Alagoas, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, São Paulo e Maranhão.
O ano de 2024 deixou um alerta para o país: temperaturas extremas não são um evento isolado, mas parte de uma tendência que exige atenção e ação para mitigar seus impactos (leia mais abaixo).
Cenário por região
O impacto do calor não foi uniforme em todas as cidades. Isso ocorre porque o Brasil é um país de dimensões continentais, com climas variados dentro do mesmo território, além de fatores regionais, como incêndios e desmatamento.
Quando olhamos os dados, a gente percebe que os extremos de calor aconteceram em áreas em que a gente teve a grande seca. A seca está relacionada com a temperatura e esse é um dos fatores que explica a intensidade da estiagem que vimos em 2024.
Especificidades climáticas
O El Niño impulsionou o aquecimento pelo país, mudou o curso da chuva nos estados de forma geral. No entanto, o aquecimento do oceano que ele causou impactou de forma mais intensa a região Norte.
Houve bloqueio atmosférico no Centro-Sul, o que deixou a região com menos chuvas e, consequentemente, menos nuvens. Assim, as cidades estiveram mais expostas ao sol.
Fatores regionais
Ações humanas como o desmatamento em áreas de floresta e as queimadas também interferiram para que uma cidade ficasse mais quente que outra.
O fator predominante são as emissões dos gases do efeito estufa, só que temos fatores regionais. No caso do Pará, por exemplo, o estado lidera as queimadas e o desmatamento. Sabe-se desde os anos 90 que a supressão de vegetação contribui para o aumento de temperatura e é isso que estamos vendo acontecer.
Os dados também abrangem uma série histórica de 24 anos: de 2000, quando o satélite utilizado no levantamento começou a coletar as informações, até 2024. Nesse período, é possível observar que:
No início da série, os dias de calor extremo tinham patamares muito menores do que os de agora;
Mesmo que o dado oscile, com períodos de picos de calor extremo que depois descem, eles não chegam ao patamar do início da série.
Calor é também uma questão de saúde
O calor não é apenas um problema para o meio ambiente, mas também para a sobrevivência humana. O corpo consegue se adaptar às altas temperaturas, mas não sem consequências, como náusea, tontura, dores de cabeça, entre outras.
O estresse térmico, índice que mede a exposição ao calor e os riscos potenciais à saúde humana, pode, no entanto, levar a consequências mais graves, como a morte. O limite varia de pessoa para pessoa, o que depende da exposição – o que reforça os fatores sociais relacionados ao calor.
Segundo o Ministério da Saúde, nos últimos 14 anos, quase 60 pessoas morreram devido ao calor intenso no país.
Contudo, especialistas estimam que esse número seja subnotificado, já que não existe um protocolo para analisar a relação entre mortes e a exposição a altas temperaturas.
Sandra Hacon, pesquisadora da Fiocruz sobre os impactos do calor à saúde, explica que a situação já é de emergência e que precisa ser levado em quando nas políticas de saúde.
É impossível suportar esse período de tempo sob essas temperaturas sem consequências, o corpo não tem resiliência para suportar. O acompanhamento da temperatura tem que estar no programa de vigilância com prioridade máxima, se não estamos deixando milhões de pessoas expostas ao risco de vida.
Sandra reforça que as consequências do calor não são as mesmas para todos e as altas temperaturas expõem as desigualdades no Brasil. As cidades com menos infraestrutura não vão conseguir atender à demanda, que aumenta conforme o calor se amplia. Além disso, as pessoas em posições braçais, estão mais expostas.
Os 37°C de uma cidade são sentidos de forma diferente por quem trabalha em um escritório e quem trabalha na rua, como um gari e um policial. As pessoas mais vulneráveis são, justamente, as mais pobres, indígenas e quem mora em cidades com pouca infraestrutura de saúde. O calor deixa exposto ainda mais as diferenças sociais que dividem o Brasil.
Na saúde, o calor também deixa o país mais vulnerável à proliferação de vetores de doenças como malária, dengue e leishmaniose.
No ano de 2024, o Brasil bateu recorde de casos de dengue. Foram 6,6 milhões de casos. Para se ter uma ideia, o maior índice já visto antes tinha sido em 2015, quando o país teve 1,6 milhão de pessoas com a doença.
Segundo os especialistas, o calor intenso é um dos fatores para a ampliação do número de casos. As altas temperaturas ajudam a acelerar o processo biológico do mosquito, aumentando a proliferação.