9 de fevereiro de 2025

Câmara promove debate ‘regulamentar ou proibir o mototáxi em SP’ e motociclistas participam: ‘queremos trabalhar’


Debate foi promovido na Câmara Municipal nesta sexta-feira (7). Representantes das empresas de aplicativos 99 e Uber, sindicatos e motociclistas participaram do evento. Representantes da 99 e Uber, sindicatos e motociclistas participaram de audiência na Câmara de SP
Reprodução/Câmara Municipal
A Câmara Municipal promoveu uma audiência pública nesta sexta-feira (7) para discutir a regulamentação do serviço de transporte de moto por aplicativo em São Paulo. Representantes das empresas de aplicativos 99 e Uber, sindicatos e motociclistas participaram do debate.
O evento denominado “Regulamentar ou Proibir o Mototáxi na cidade de São Paulo” foi organizado pela vereadora Amanda Paschoal (PSOL). Durante a audiência, os motociclistas — que comparecem em peso — gritaram “queremos trabalhar, temos família para sustentar” e também aplaudiram a parlamentar.
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Desde janeiro a discussão sobre o serviço de moto por aplicativo ganhou os holofotes quando a 99 e a Uber passaram a oferecer o serviço, dando início a uma queda de braço com o prefeito Ricardo Nunes (MDB).
A prefeitura foi à Justiça para que o serviço fosse cancelado, em virtude de um decreto de 2023, do próprio Nunes, que proibia esse tipo de transporte de passageiros na cidade.
Por decisão judicial, o serviço das duas empresas está suspenso, até que o juiz do caso julgue o mérito da ação e decida se a prefeitura pode ou não punir, multar e suspende esse tipo de serviço na capital paulista (veja mais abaixo).
Na abertura da audiência, Paschoal apontou que o serviço de transporte de moto já é oferecido de forma clandestina na cidade. O g1 revelou que um grupo de motociclistas trabalha há quatro anos com o serviço atendendo a periferia de Perus, na Zona Norte.
“O trabalho sem regulamentação já acontece. As pessoas mais prejudicadas são os trabalhadores e os passageiros que querem esse serviço e não tem esse serviço assegurado justamente por uma perseguição totalmente arbitrária do prefeito, que começou a multar e a recolher a ferramenta de trabalho dos senhores. Isso é errado”, afirmou a vereadora.
A representante da 99, Irina Cezar, argumentou que o transporte de passageiro por motos é seguro, além de destacar que a plataforma tem mais de 50 ferramentas de segurança. Já o representante da Uber, Pedro Medeiro Santos, reiterou que a modalidade já existe nas periferias e que as plataformas estão entrando para fazer a intermediação do serviço.
Representantes de aplicativos de entregas participam de audiência na Câmara de SP
WAGNER ORIGENES/ATO PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO
Para o presidente do Sindicato dos Mensageiros Motociclistas, Ciclistas e Moto-Taxistas do Estado de São Paulo (SindiMotoSP), Gilberto Almeida, as empresas de aplicativos ignoram os requisitos de segurança e não estão preocupadas com os trabalhadores e os passageiros.
“Eu vejo as empresas com esse discurso muito lindo. Você vê a Uber e a 99 se colocarem aqui como se fosse eles fossem um município. Vocês deviam criar um aplicativo para o saneamento básico, para segurança pública, para saúde”, ironizou Almeida.
Rodrigo Castilho, procurador do MPT (Ministério Público do Trabalho), também questionou a responsabilidade das empresas durante a audiência.
“A responsabilidade sempre será só do trabalhador? As apreensões das motos e as multas cairão somente para o mototaxista? E em caso de acidente de quem será a responsabilidade? ”, indagou o procurador.
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Suspensão judicial
O prefeito Ricardo Nunes (MDB), que conseguiu liminar na Justiça suspendendo os serviços de moto da 99 e da Uber na capital paulista.
Montagem/g1/Reprodução/Redes Sociais
No final de janeiro, o juiz da 7ª Câmara do Direito Público do Tribunal de Justiça, Eduardo Gouveia, determinou a suspensão imediata do serviço de transporte de passageiros or motociclistas de aplicativos na capital paulista até o julgamento definitivo da ação.
A decisão se refere a uma ação civil pública movida pela prefeitura que pedia a aplicação de multa diária de R$ 1 milhão por danos morais e crimes de desobediência (entenda mais abaixo) caso as empresas mantivessem o serviço.
O juiz negou, no entanto, a aplicação de multa e também que se considere crime de desobediência se as empresas seguirem oferecendo o serviço.
A medida atinge diretamente a 99 e a Uber, que decidiram suspender temporariamente a operação de motos por app para passageiros na capital paulista a partir desta segunda e afirmaram que vão recorrer da decisão.
Transporte de passageiro por motos se transforma em queda de braço entre prefeitura e 99
O descompasso entre a prefeitura e as empresas de tecnologia se dá no entendimento da legislação. 99 e Uber oferecem o serviço baseadas em uma lei federal que regulamenta a atividade de mototaxistas e e na Política Nacional de Mobilidade Urbana, de 2012, que permite o transporte individual privado de passageiros via aplicativos e determina que compete aos municípios regulamentar e fiscalizar o serviço em seus territórios.
A prefeitura, no entanto, considera o serviço ilegal porque um decreto municipal de 2023 proíbe a atividade no município. Entre os argumentos está a questão da segurança. Segundo o prefeito Ricardo Nunes (MDB), a cidade não está preparada para o impacto que haverá na segurança no trânsito.
“Isso vai ser uma carnificina na nossa cidade. 1 milhão e 300 mil motos. A cidade não está preparada. Maior número [de acidentes] de trânsito são por conta de motos. Ano passado, [foram] 364 pessoas mortas em motos. Isso quer dizer que praticamente todo dia morreu alguém em São Paulo usando moto. E aí vem alguém pra fazer serviço desse sem autorização da prefeitura”, criticou o prefeito em 14 de janeiro, quando a 99 começou a oferecer a opção aos paulistanos.
A 99 informou, em nota, que “suspendeu temporariamente a operação da 99Moto na cidade de São Paulo, conforme determinação do TJSP”. “A empresa lamenta que milhares de passageiros e motociclistas paulistanos perderão as oportunidades e benefícios que já são direito de mais de 40 milhões de pessoas em todo o Brasil. O aplicativo informa que vai recorrer da decisão, amparada pelo entendimento do STF e de mais de 20 decisões judiciais em todo o Brasil que conrmam que as prefeituras não podem proibir a atividade. A 99 continuará lutando pelos direitos da companhia, dos passageiros e dos motociclistas parceiros da cidade”, diz o texto.
Já a Uber informou, também em um comunicado, que, “em conformidade com decisão judicial proferida hoje, a operação da modalidade moto será temporariamente suspensa no município de São Paulo, onde estava em funcionamento. Trata-se de uma decisão liminar, ou seja, provisória, que não analisa o mérito da questão. Ainda assim, a Uber vai recorrer à Justiça para reestabelecer o serviço o mais brevemente possível”.
E emenda: “O Uber Moto é um serviço privado presente de Norte a Sul do País que está regulamentado pela Lei Federal 13.640/2018 e pela Política Nacional de Mobilidade Urbana (Lei Federal 12.587/2012). Decisões do Tribunal de Justiça de São Paulo e de outros estados confirmam que os municípios não podem impedir a operação de serviços de transporte privado por aplicativos, reforçando o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) de que a proibição desse tipo de atividade é inconstitucional”.
Ações da Prefeitura de SP contra 99 e Uber
99 inicia serviço de mototáxi em SP e contraria decreto de Nunes
Assim que a Prefeitura de São Paulo soube que a 99 havia iniciado o serviço de transporte por moto via aplicativo, começou a se movimentar para impedir a atividade na cidade.
Isso incluiu notificações, embates na Justiça e até blitze para apreender motos de motociclistas cadastrados na plataforma.
Além disso, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) também apresentou uma notícia-crime contra a 99 e vai pedir que as medidas tomadas contra a 99 sejam estendidas à Uber, que começou a oferecer o serviço na capital na quarta-feira (22).
O que dizem especialistas
Especialistas ouvidos pelo g1 avaliam que, embora haja uma legislação federal, ela estabelece apenas normais gerais para o setor, e a regulamentação deve ser competência do município.
Segundo o advogado Marcelo Marques, coordenador da Comissão de Direito de Trânsito da OAB-SP, a regulamentação detalhada e a fiscalização do serviço de mototáxi ficam sob a responsabilidade dos municípios, que podem definir aspectos específicos da atividade dentro do seu território.
O serviço precisa, sim, ser regularizado pelo município. A lei 12.009 deixa essa incumbência para o município até respeitando a peculiaridade de cada um. O serviço [de transporte de passageiro por motos] não é ilegal desde que não tenha nenhuma regulamentação, nenhuma lei que o proíba. Aqui em São Paulo, temos uma lei que proíbe o serviço de mototáxi.
Na avaliação do especialista, a prefeitura tem razão em querer barrar o serviço neste momento. “Querendo ou não, a responsabilidade pela segurança viária e pelos passageiros e condutores é do município.”
Ele explica que há um limbo jurídico porque o Código de Trânsito Brasileiro disciplina apenas o motofrete e não o mototáxi.
“O artigo 139 do Código de Trânsito Brasileiro menciona somente motofrete. Mas a Lei 12.009 faz uma confusão: ela coloca os dois em pé de igualdade, tanto o motofrete quanto o mototáxi, porque o mototáxi, presume-se, segue mais ou menos a regra do táxi, que já é a competência municipal”, completou o advogado.
Para o professor de direito administrativo André Rosilho, da FGV, não cabe à prefeitura autorizar ou não a atividade, mas fiscalizar o serviço. “Ela já está autorizada pela legislação federal, é uma atividade econômica livre. Ela tem uma redação um pouco aberta, mas a única maneira de interpretá-la de acordo com a Constituição é a de que o poder municipal deve fiscalizar a atividade — se o motociclista está usando capacete, andando na via de modo correto, se anda na contramão”, apontou.
O advogado Caio Fink, sócio da área de Contratos do Machado Associados, diz que a jurisprudência também desempenha um papel relevante nesta questão. “Embora trate especificamente de carros, o Tema 967 do STF reforça que restrições a serviços de transporte por aplicativos contrariam o princípio da livre iniciativa, servindo como referência para a discussão.”
“O desafio, portanto, está em compatibilizar a proteção à segurança com a promoção de serviços que ampliem o acesso à mobilidade, respeitando tanto os interesses dos usuários quanto os direitos econômicos de empresas e trabalhadores. O desfecho dessa questão exigirá uma análise cuidadosa para equilibrar esses valores no contexto urbano”, ponderou Fink.
Em entrevista à TV Globo, o superintendente da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP) e engenheiro civil, Luiz Carlos Mantovani Nespoli, reforça que a competência por disciplinar o serviço de transporte remunerado é municipal.
A competência por introduzir numa cidade brasileira o serviço por mototáxi é do prefeito, que vai determinar através da legislação municipal a forma como isso vai ser feito. Se ele fizer isso, terá que seguir as normas de trânsito a respeito do condutor e a respeito da motocicleta.
Já a 99 argumenta que a legislação estabelece que as prefeituras podem regulamentar e fiscalizar a atividade com exigências específicas, mas não podem proibi-la.

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