12 de fevereiro de 2025

Como Trump joga imigrantes brasileiros na rota da deportação


Presidente dos EUA cria condições para caçar e deter em larga escala os indocumentados que evitam a fronteira com o México. Voo com 111 brasileiros deportados dos Estados Unidos, segundo na era Trump, chegou ao Brasil em 7 de fevereiro de 2025.
Washington Alves/Reuters
Em sua volta ao poder, Donald Trump anunciou uma série de medidas linha-dura para a repressão da imigração irregular nos Estados Unidos. Por vários mecanismos, o pacote do presidente joga na rota da deportação milhões de imigrantes com vidas estabelecidas ao longo de anos em solo americano.
Dentre os grupos sob maior pressão, está a crescente comunidade brasileira, que frequentemente entra no país com vistos de turista ou de estudante para escapar do perigoso cruzamento pelo México. O controle migratório na fronteira sul foi o foco da estratégia de repressão aos indocumentados na gestão do democrata Joe Biden.
Em 2022, o Departamento de Segurança Interna (DHS) estimou que 230 mil brasileiros vivessem sem permissão nos EUA —o oitavo maior grupo por nacionalidade, aproximando-se das comunidades colombiana e venezuelana.
Caso concretizados, os planos de Trump se diferem da estratégia central do seu antecessor ao mirar em estimados 8 milhões de trabalhadores que, segundo o Centro para Estudos de Migração de Nova York (CMS), atuam sobretudo na agricultura, construção e serviços. Além de aumentar o controle nas fronteiras, o novo presidente agora capilariza as operações do Serviço de Imigração e Controle de Aduanas (ICE) em todos os cantos dos EUA, chegando a lugares considerados sensíveis como igrejas, hospitais ou escolas.
Trump ainda instaura a política de remoções expressas em qualquer lugar. Funcionários de baixo escalão ganham permissão para remover sumariamente estrangeiros indocumentados sem audiência diante de um juiz, caso eles não possam provar que estão nos EUA há pelo menos dois anos. Sob Biden, essa medida só poderia ser aplicada a no máximo 160 quilômetros das fronteiras.
“Ainda não sabemos o impacto de longo prazo ou a longevidade destas medidas, mas há um esforço muito claro em estabelecer as bases para aumentar a capacidade de realizar deportações no interior dos EUA”, afirma Colleen Putzel, analista de políticas do think tank Instituto de Política Migratória.
Também foram derrubadas instruções para que agentes do ICE considerassem critérios que poderiam evitar deportações, como a ausência de antecedentes criminais e a presença de família nos EUA.
“Os indocumentados sempre foram uma proporção considerável da população americana, e já tivemos na história programas que engajavam com ideias de deportação em massa. Mas o fôlego e o escopo das ordens executivas de Trump não têm precedentes”, diz Mario Russell, diretor-executivo do CMS.
Atmosfera de medo ao redor dos EUA
Trump e seu “czar de fronteira”, Tom Homan, declararam querer ver deportados todos os 11 milhões de indocumentados nos EUA. Autoridades do governo estabeleceram metas diárias de até 1,5 mil apreensões diárias para o ICE, segundo a imprensa americana.
Advogados especializados em Washington, Flórida e Pensilvânia relatam uma nova atmosfera de medo entre imigrantes indocumentados. Diante da pressão sobre qualquer um e em qualquer lugar, há até quem pense em se “autodeportar”.
“Eu tenho clientes que consideram voltar para o Brasil, mesmo que tenham casos fortes na Justiça, porque não querem parar numa detenção do ICE”, conta Karen Hoffmann, advogada na Filadélfia. “Estas pessoas estabeleceram vidas e negócios aqui. Além do sofrimento humano, será uma grande perda se forem deportadas.”
Entre 2022 e 2023, na gestão Biden, a população detida pelo ICE aumentou em 40%, de 26 mil para 37 mil, com ligeiro crescimento posterior. Cerca de 9 mil brasileiros foram apreendidos no governo de Biden, entre 2021 e 2024, sobretudo por violarem a legislação migratória em Boston, lar de uma vasta comunidade brasileira.
Chegadas e deportações em alta sob Biden
Os EUA tiveram fluxo recorde de imigrantes sob Biden. Cerca de 10 milhões de pessoas foram vetadas nas fronteiras e 1,5 milhão foram deportadas — incluindo mais de 7 mil brasileiros.
Aproximadamente metade das deportações na gestão democrata ocorreram entre outubro de 2023 e setembro de 2024. De 192 países, o Brasil foi o décimo primeiro em deportados no período, com 1,8 mil pessoas. Os dez primeiros são todos da América Latina e somaram 256 mil deportados.
Outros 2,9 milhões de imigrantes e requerentes de asilo foram expulsos nas fronteiras pelo Título 42, norma invocada por Trump em 2020 contra a Covid-19 e mantida por Biden até maio de 2023. A medida, inicialmente de saúde pública, tornou praticamente impossível pedir asilo nos Estados Unidos, permitindo a deportação rápida de migrantes que cruzam a fronteira ilegalmente, sem nem sequer analisar eventuais solicitações.
Tensão diplomática com o Brasil
As deportações de brasileiros aumentaram depois que o governo de Michel Temer assinou um acordo com a primeira gestão Trump para facilitar a devolução ao Brasil de indocumentados sem chance de recurso nos EUA.
Logo após a segunda posse de Trump, o Itamaraty pediu esclarecimentos aos EUA sobre a chegada de deportados algemados e submetidos a tratamento degradante. O uso de algemas, entretanto, não é inédito.
“O governo brasileiro considera inaceitável que as condições acordadas com o governo norte-americano não sejam respeitadas”, disse a pasta em nota. “O Brasil concordou com a realização de voos de repatriação, a partir de 2018, para abreviar o tempo de permanência desses nacionais em centros de detenção norte-americanos, por imigração irregular e já sem possibilidade de recurso.”
Em 2024, o Brasil rejeitou 8.799 pessoas que não tinham visto ou não atendiam outros requisitos migratórios e expulsou ou deportou outras 36, segundo a Polícia Federal (PF).
Ao contrário dos EUA, o Brasil não realiza deportações ou inadmissões em massa, nem freta voos para a devolução de estrangeiros. Para estes casos, diz a PF, voos comerciais se encarregam do transporte de até dois indivíduos, e o uso de algemas é excepcional para quando há risco à segurança do voo.

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