Para fugir da multidão e ter mais segurança, foliões optam por blocos não oficiais. Foliões em bloco clandestino em SP
Reprodução/Redes sociais
Nada de trios elétricos, caixas de som ou cordões de isolamento. Guiadas pelos sons de trompetes, saxofones, tubas, caixas e xequerês, dezenas de pessoas caminham pelas ruas de um bairro residencial em São Paulo em plena manhã. Cantando clássicos do carnaval, os foliões ajudam os músicos a manter o ritmo do cortejo.
O local e o horário de saída do bloco são sempre uma surpresa. O aviso chega em cima da hora por mensagem no WhatsApp ou pelos stories no Instagram. A propaganda é pequena justamente para manter o ambiente controlado, sem muvuca e entre conhecidos.
É assim que funciona o modus operandi dos blocos não oficiais ou clandestinos na capital paulista, que não são inscritos na prefeitura e costumam ser organizados pelos próprios músicos.
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Além da diversão e curtição, esse tipo de bloco representa também uma forma de resistência política e cultural e vem ganhando força na maior cidade do país, segundo os organizadores e foliões que conversaram com o g1.
➡️ Neste ano, o carnaval de São Paulo terá o desfile de 601 blocos de rua oficiais, dos quais 100 blocos são patrocinados pela prefeitura, com um investimento total de R$ 25 milhões.
Nesta reportagem você vai descobrir:
Por que os organizadores optam pela clandestinidade?
Como funciona a organização dos blocos?
O que atrai os foliões nos blocos não oficiais?
Como os blocos são financiados?
O que dizem as regras da prefeitura?
Por que os organizadores optam pela clandestinidade?
Movimento de blocos clandestinos ganham força em São Paulo
Reprodução/Arquivo pessoal
O excesso de burocracia para a regularização do bloco, o receio da repressão ao movimento, a autonomia para decidir o horário do cortejo e o trajeto, além da resistência política, são alguns dos fatores que levam os organizadores a optar pelo caminho da clandestinidade — como é o caso do Bloco Pirata.
Com oito anos de existência, o Pirata tem como lema: “Sai quando quer, vai para onde quer”. Como o próprio nome diz, o grupo age fora das normas estabelecidas pela administração pública e preza por sua autonomia.
O bloco nasceu de forma espontânea como um presente de aniversário criado por um grupo de amigos e vem crescendo a cada ano, inclusive com uma rotina de ensaios da fanfarra.
Atualmente, são mais de 30 músicos que costumam desfilar na semana anterior e posterior ao calendário oficial do carnaval da capital paulista, composto por oito dias de folia.
Para a regente da fanfarra do Pirata, que pediu para não ter a identidade revelada por temer eventual retaliação, São Paulo ainda está desenvolvendo a cultura de blocos de rua clandestinos — tradição já consolidada no Rio de Janeiro.
“Acho que o maior lance de não legalizar é a burocracia, e [há] o medo do que traz o burocratizar. A partir do momento que burocratiza, tem o documento de alguém [organizador], tem o caminho muito aberto para multa, para tudo de ruim que puder vir”, justifica a regente.
Ao g1, uma das organizadoras e musicista do Bloco Obscênicas, formado somente por mulheres, também contou que a escolha pela clandestinidade é um meio de fugir da burocracia e de resistência, além de uma alternativa à falta de recursos públicos ao carnaval de rua.
“Tem gente [dentro do bloco] que acha melhor não legalizar, porque dá muito trabalho, e tem outra vertente que acredita que é um direito nosso ocupar a rua. Por que a gente tem que fazer um cadastro e tudo mais para poder fazer isso?”
Blocos clandestinos desfilam à noite em SP
Reprodução/Arquivo pessoal
Para a organizadora do Obscênicas, fundado em 2019, os blocos estão mais interessados em organizar e dialogar sobre o carnaval de rua do que o próprio poder público.
“Muitas vezes eu acho que fica muito mais na mão deles [da prefeitura] do que na nossa. Então, como não há um interesse deles, eles mais repelem, criam burocracias e distanciamento do que aproximação. Geralmente o movimento [contra os clandestinos] é de muita repressão. É ir lá, procurar alguém [integrante do bloco], aplicar uma multa desproporcional e amedrontar”, critica.
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Como funciona a organização dos blocos?
Apesar de serem clandestinos, existe uma organização por trás desses blocos justamente para driblar possíveis multas, fugir da repressão policial e manter uma boa relação com a vizinhança.
No caso do Obscênicas, as organizadoras realizam um estudo de trajeto para avaliar o impacto do cortejo no bairro escolhido, que costuma ser residencial e com menor fluxo de trânsito.
“Quando a gente faz visita de trajeto, por exemplo, a gente costuma falar com a vizinhança. Informar o dia em que a gente vai passar com o bloco para tentar fazer esta ser uma boa relação, e também porque a gente sabe que pode incomodar. A gente contrata uma empresa para limpar enquanto a gente vai passando, e a empresa vai atrás limpando a rua para não impactar o bairro”, explicou a organizadora.
Além da empresa de limpeza, o bloco também espalha sacos de lixo pelo trajeto do cortejo e orienta os foliões a não comprar garrafas de vidro, já que podem se quebrar.
No Bloco Pirata, os integrantes optam por transmitir as orientações sobre a limpeza e a organização do bloco aos foliões por publicações nas redes sociais e por jograis no início do desfile.
O jogral é quando um “puxador” diz uma frase ou palavra de ordem a uma multidão que repete em uníssono a mensagem. A estratégia é educativa e útil para manter a atenção dos foliões e reforçar as orientações.
Uma das trompetistas do bloco contou ao g1 que os foliões em São Paulo têm procurado mais o carnaval de fanfarra, como o Pirata. Contudo, esse novo público, acostumado com a lógica dos megablocos de trio elétrico, ainda não sabe se “comportar” nos blocos menores, segundo a instrumentista.
“Tem uma galera que está vindo crua e sem noção nenhuma. Esbarra, passa no meio [da bateria] e bate no instrumento, não está nem aí. E aí eu paro de tocar, todo mundo para de tocar e faço jogral. Uma coisa legal é que muitos foliões também começaram a ajudar a gente. A gente não paga a corda, mas os foliões fazem corda para a gente”, relata.
O que atrai os foliões nos blocos não oficiais?
Ana Guimarães frequenta blocos clandestinos há cerca de 10 anos em SP
Reprodução/Arquivo pessoal
Atraída pelo tamanho e pela segurança, há cerca de 10 anos a pediatra Ana Guimarães, de 33 anos, frequenta os blocos clandestinos em São Paulo.
“São blocos em que a gente se sente mais confortável, consegue ouvir a música e andar tranquilamente. A gente não tem medo de ser assaltado, de levar golpe, não tem medo dessas coisas. As pessoas estão lá para curtir mesmo. Está todo mundo lá com o intuito de curtir o bloco e a rua”, afirma a médica.
Para ela, os blocos não oficiais também são uma forma de resistência cultural e de ocupação da cidade. “São Paulo tem uma dificuldade muito grande com o povo na rua. Normalmente eles não associam as pessoas na rua como algo bom. A gente tem uma dificuldade diferente do Rio de Janeiro e de Salvador, onde o povo têm uma relação muito forte com a rua.”
O fotógrafo Gustavo Menasce, de 30 anos, compartilhou com o g1 que, desde que descobriu os blocos clandestinos após a pandemia de Covid, não deixa de frequentá-los e foge dos megablocos, como Acadêmicos do Baixo Augusta e Casa Comigo.
“Vi que era uma experiência muito mais legal até pelo tamanho dos blocos, não era aquela coisa insalubre […] Esses blocos [não oficiais] são muito menores, mais tranquilos e confortáveis. Sinto que é uma galera um pouquinho mais velha, não tem pessoas de 18 anos”, descreveu Gustavo.
Para o fotógrafo, o movimento de ocupar a rua durante o carnaval também é uma forma de resistir à lógica de privatização da cidade.
“O governo não está facilitando o carnaval neste ano. E o carnaval sempre foi uma resistência, porque é ocupar a cidade, um evento grátis para o público, que vai contra tudo o que está rolando ultimamente em São Paulo. A privatização dos parques, a privatização de tudo. A gente quer ocupar a cidade, que a cidade seja livre e aberta para todos”, afirmou.
Tanto para a médica quanto para o fotógrafo, o ambiente dos blocos clandestinos ainda propiciou a criação de um senso de comunidade entre os foliões e de amizades que vão além do período do carnaval, já que as mesmas pessoas costumam participar dos cortejos.
Sem muvuca, blocos clandestinos atraem foliões em São Paulo
Reprodução/Redes sociais
Como os blocos são financiados?
Um dos maiores desafios dos blocos é o financiamento. Para conseguir colocar o cortejo na rua, os organizadores adotam diferentes estratégias, como vaquinhas virtuais, apresentações em festas privadas e doações de foliões durante os desfiles.
No caso do Obscênicas, as musicistas realizam alguns shows privados ao longo do ano e abrem a mão do cachê para angariar mais recursos para o bloco. Durante os cortejos no carnaval, as organizadoras também exibem placas com o número do Pix para os foliões que desejarem doar.
O Bloco Pirata também adota estratégia parecida nos desfiles e ainda faz jograis para pedir doações aos participantes. Neste ano, o grupo conseguiu um patrocínio do aplicativo de relacionamentos Tinder.
O que dizem as regras da prefeitura?
Para desfilar em São Paulo, os blocos precisam de autorização da prefeitura e devem respeitar as regras publicadas no Diário Oficial.
Neste ano, não foram aceitas inscrições para novos blocos nos períodos de pré e pós-carnaval nas Subprefeituras de Sé, Lapa, Pinheiros e Vila Mariana, circuitos mais consolidados e que já têm a maior quantidade de desfiles.
Já as solicitações de inscrição de novos blocos para desfiles durante o período do carnaval nestas subprefeituras foram avaliadas pela Comissão Especial de Organização do Carnaval de Rua 2025.
Em dezembro, a Secretaria Municipal de Cultura também abriu as inscrições para os interessados em participar do Edital de Fomento aos Blocos de Carnaval 2025.
Com um investimento de R$ 2,5 milhões, a iniciativa beneficiou cem blocos com até R$ 25 mil cada um, com o intuito de “apoiar e fortalecer os blocos de rua, além de reconhecer seu valor histórico e sua contribuição à consolidação da cultura do carnaval paulistano”, segundo a prefeitura.