25 de setembro de 2024

‘Medo, frustrado e constrangido’, diz homem detido por engano em estádio após erro do sistema de reconhecimento facial

O caso ocorreu na decisão do Campeonato Sergipano de Futebol. Especialistas fazem alerta e afirmam que esses programas, como estão, podem resultar em grande efeitos negativos para a população negra. Reconhecimento facial equivocado leva a constrangimento
O personal trainer João Antônio Trindade Bastos, de 23 anos, passou por um constrangimento diante de milhares de pessoas na decisão do Campeonato Sergipano de Futebol. A polícia o levou algemado porque um sistema de reconhecimento facial indicou que ele poderia ser um criminoso.
O sistema errou, o torcedor acabou sendo liberado e o governo do estado suspendeu o uso do programa. Especialistas defendem a eficiência do reconhecimento facial, mas este não foi um caso isolado. (Veja mais na reportagem completa acima)
O erro
Dez mil torcedores lotavam a Arena Batistão, em Aracaju. O Confiança enfrentava o Sergipe na final do Campeonato Estadual, semana passada. No intervalo, uma cena chamou a atenção: João, torcedor do Confiança, foi retirado da arquibancada por policiais militares.
“Estava mexendo no celular, não tinha mais ninguém passando pela escada, quando eu percebi os policiais se aproximando, dei passagem. E aí, foi quando o primeiro já veio, pegou no meu braço, disse para eu não reagir, para eu levantar, que eu iria descer com eles”, contou.
João Antônio conta que os policiais o orientaram a descer com as mãos para trás: “Com muito medo, frustrado e constrangido principalmente”, relembrou. Os policiais conduziram João Antônio pelo gramado até uma sala, para interrogá-lo.
“Sentei, e ele começou a me pressionar, dizendo que era para eu falar a verdade, porque eu tinha sido reconhecido por um sistema de reconhecimento facial, e que tinha um mandado de prisão em aberto para mim”, explicou.
João afirmou que os policiais só acreditaram na sua versão quando ele pegou e mostrou a identidade. Logo depois, ele foi liberado.
“Sentei na arquibancada novamente e aí desabei a chorar. Passei mais ou menos 35, 40 minutos do segundo tempo chorando”, relembrou.
“Ele não foi vítima apenas de um erro de procedimento da polícia, ele foi vítima, nesse caso, de um racismo estrutural, que está impregnado na nossa sociedade. Então, nós iremos acionar a Justiça para conseguir uma reparação dos danos que ele sofreu, danos esses de ordem moral e, também, material”, explicou João Gabriel Lima, advogado criminal.
Programas criticados
Especialistas criticam como estes programas são desenvolvidos. Nos EUA, por exemplo, uma pesquisa revelou que grandes algoritmos de reconhecimento facial erravam 34% a mais no caso de mulheres negras, em comparação com homens brancos.
“O nível de erro para homens brancos não chegava a 1%, né? Revelando exatamente como esses algoritmos são treinados majoritariamente com faces de pessoas brancas, o que faz com que esse algoritmo identifique mais facilmente rostos brancos do que rostos negros”, explicou Pablo Nunes, cientista político e coordenador do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania.

O especialista afirma que esses programas, como estão, podem resultar em grande efeitos negativos para a população negra.
Bahia e Rio de Janeiro são pioneiros no sistema de reconhecimento facial. Os testes no estado nordestino começaram em 2019. Atualmente, cerca de 800 câmeras operam em 81 municípios 24 horas por dia: um investimento de R$ 87 milhões, que levou à prisão de 1.523 pessoas.
Homem é detido por engano em estádio após erro do sistema de reconhecimento facial: ‘Medo, frustrado e constrangido’
Reprodução/Fantástico
Com as polêmicas recentes, o governo de Sergipe suspendeu o uso do sistema, e anunciou que vai revisar as abordagens, para evitar constrangimentos como os de João Antônio.
“A Secretaria de Segurança Pública aqui do estado de Sergipe criou a comissão e já está discutindo esse protocolo. E a ideia nossa é justamente essa, a gente diminuir, a gente acabar cada vez mais com a exposição do cidadão que está sendo abordado”, Ten. Cel José Luiz Ferreira dos Santos, relações-públicas da Polícia Militar.
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