10 de novembro de 2024

Caso Roberto Jefferson: investigação da PM não consegue descobrir de qual batalhão foram desviadas granadas de luz e som usadas para atacar agentes da PF

Perícia da Polícia Federal descobriu que acionadores dos explosivos têm um chip que permite seu rastreamento; fabricante informou que artefatos foram vendidos para PM do Rio em 2010. Caso Roberto Jefferson: investigação em beco sem saída
A investigação aberta pela Polícia Militar para descobrir como duas granadas de luz e som da corporação foram parar nas mãos do ex-deputado federal Roberto Jefferson está emperrada. O motivo: a PM sequer sabia que cada granada pode ser identificada individualmente, e por isso ainda não conseguiu apontar para qual batalhão foram enviados os explosivos – que depois acabaram desviados.
Em setembro do ano passado, o blog do Octávio Guedes noticiou que uma perícia da Polícia Federal tinha descoberto que duas das três granadas de luz e som que Roberto Jefferson jogou contra os policiais federais que foram prendê-lo em outubro de 2022 tinham sido compradas pela Polícia Militar do Rio em 2010.
Os peritos da PF descobriram que os acionadores das granadas têm um chip que permite o rastreamento dos explosivos, inclusive depois de detonados. O chip de cada granada contém um código único, que pode ser lido com um equipamento de radiofrequência – o que permite identificar cada explosivo individualmente.
Em 23 de outubro de 2022, a uma semana do segundo turno das eleições presidenciais, Roberto Jefferson atacou os policiais federais que foram prendê-lo em casa por ordem do Supremo Tribunal Federal. O ex-parlamentar deu mais de 50 tiros de fuzil e jogou três granadas de luz e som contra os agentes. Dois policiais ficaram feridos por estilhaços. Depois de resistir por 8 horas, Jefferson resolveu se entregar e foi preso.
Em depoimento à Polícia Federal logo após a prisão, o ex-deputado disse, sem dar detalhes, que sempre teve granada e que os itens foram comprados “no mercado”, cinco anos antes.
Roberto Jefferson na prisão
Reprodução
Em resposta a um requerimento da GloboNews via Lei de Acesso à Informação, a PM informou que não tem contrato com nenhuma empresa para descartar granadas de luz e som vencidas. A corporação disse ainda que utiliza todos os explosivos antes do vencimento, em cursos de instrução.
O inquérito policial militar aberto em outubro do ano passado pela Corregedoria da PM tenta descobrir, então, como duas granadas compradas pela PM em 2010 acabaram sendo usadas por Roberto Jefferson, 12 anos depois.
Segundo a investigação, em 2010 foram compradas 500 granadas de luz e som iguais às usadas por Roberto Jefferson. Os explosivos foram distribuídos para 29 batalhões e unidades de polícia pacificadora entre 2012 e 2015.
No inquérito, a própria PM admite que sequer sabia que era possível identificar cada granada individualmente, e que o controle do arsenal é feito apenas por lote.
Desta forma, não se sabe para qual batalhão as duas granadas usadas por Jefferson foram encaminhadas. Sem saber ao menos de qual batalhão os artefatos foram desviados, fica ainda mais difícil apontar quem foi o responsável pelo desvio.
“Historicamente a gente tem comprovado que a Polícia Militar, até pela dimensão do efetivo e pela quantidade de material bélico utilizado, tem tentado superar dificuldades no controle do armamento, munição, armas, granadas… hoje a gente já conseguiu avançar bastante nesse sentido. Algumas reservas de material bélico são digitalizadas, tudo digital. Outras, nem tanto. Mas em 2010 ainda se usava a tecnologia da escrituração em livro”, explica o promotor Paulo Roberto Mello Cunha Júnior, que acompanha a investigação interna da PM.
“Então, refazer os passos de objetos específicos (uma granada, um cartucho), tendo em vista o lapso temporal e a forma como isso era feito naquela época, é bastante difícil de se fazer quando você constata que houve esse desvio. A gente tenta, na investigação, ouvir testemunhas. Tentar recuperar, no nível da unidade, as escriturações da distribuição de armamento, pra gente tentar identificar quando aquela peça específica foi desviada. Mas é um trabalho bastante difícil”, acrescenta.
“Esse caso mostra essa falta de cuidado com o arsenal das instituições públicas. Não só com o estoque físico, mas também com os controles da distribuição: quais unidades estão recebendo esses materiais, quais os policiais responsáveis por eles enquanto estão na unidade, quais materiais já foram consumidos e quais estão em estoque, quais estão para vencer e precisam ser descartados… tudo isso é um gerenciamento que precisa ser feito com muito mais cuidado, porque esses casos de desvio acabam vitimando a população. E nesse caso, agentes públicos também”, ressalta Natália Pollachi, gerente de projetos do Instituto Sou da Paz, especialista em controle de armas.
Em setembro, a Justiça Federal decidiu mandar Roberto Jefferson a júri popular por tentativa de homicídio com dolo eventual, ou seja, quando se assume o risco de matar.
Outro lado
A Assessoria de Imprensa da Secretaria de Estado de Polícia Militar disse que, à época, a Corregedoria da Corporação instaurou um Inquérito Policial Militar que já foi remetido ao Ministério Público. O comando da corporação segue integralmente ao dispor para colaborar com os demais trâmites investigativos relativos ao caso.
A defesa de Roberto Jefferson foi procurada, mas não se manifestou.

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