16 de novembro de 2024

Os segredos da região com uma das maiores longevidades do mundo

As chamadas Zonas Azuis são as regiões do mundo cuja população costuma viver com saúde até idade avançada. Nicoya, na Costa Rica, é uma das cinco ‘Zonas Azuis’ do mundo, onde as pessoas vivem por mais tempo do que a média global
Atlantide Phototravel/Getty Images/BBC
As Zonas Azuis são regiões do mundo cuja população costuma viver com saúde até idade avançada.
Existem apenas cinco Zonas Azuis em todo o planeta: Icaria (Grécia), Sardenha (Itália), Okinawa (Japão), Loma Linda (Califórnia, EUA) e Nicoya (Costa Rica).
As pesquisas indicam que a longevidade nessas regiões se deve a uma combinação de fatores, que incluem desde a alimentação e o clima até a religião.
Uma revista me pediu para descobrir por que a Costa Rica abriga uma dessas regiões excepcionais. Por isso, Dre (minha namorada, na época) e eu pegamos um avião na Califórnia e fomos até lá.
Da cidade de Puerto Viejo, no litoral caribenho da Costa Rica, subimos de canoa o rio Yorkin, atravessando a floresta na fronteira com o Panamá. Ali, fica o lar do povo nativo costarriquenho Bribri. Seu isolamento ajudou o povo a manter sua cultura viva após sucessivas invasões europeias.
A selva é repleta de vida e os Bribri usam essa riqueza para tudo, desde a seiva da cânfora como repelente de mosquitos até uma planta que eles mastigam para curar dor de dente.
Para os meus olhos não treinados, os jardins dos Bribri parecem muito similares ao restante da floresta, com diferentes espécies reunidas e borboletas voando entre os galhos. Mas esse caos aparente é pura ilusão.
“É porque você está acostumado a ver fazendas com um só cultivo”, explica nosso guia local, Albin.
Nós não praticamos monocultura porque as plantas evoluíram para trabalhar em harmonia. Os legumes colocam nitrogênio no solo e as bananeiras fornecem potássio, de forma que não precisamos de fertilizantes ou produtos artificiais.
“Cada planta atrai diferentes pássaros, de forma que existem centenas de espécies de aves por aqui, enquanto você encontra apenas uma dúzia na monocultura”, prossegue Albin.
“Cada espécie se alimenta de insetos diferentes. Existem também as jiboias e cobras-coral que matam roedores, de forma que não precisamos de pesticidas, nem de armadilhas”, acrescenta.
“E quanto às cobras venenosas?”, perguntou Dre.
“Nós matamos as jararacas e surucucus”, respondeu Albin. “Nossos jardins ficam perto das nossas aldeias e essas cobras podem ser muito perigosas, especialmente para as crianças curiosas. Ou para os turistas curiosos.”
O povo indígena Bribri mora na remota região de Talamanca, na Costa Rica
Massimiliano Finzi/Getty Images/BBC
A canoa parou em uma pequena praia de pedras. Duas crianças – um casal de irmãos, observados pelo pai enquanto pescava – riam e gritavam enquanto pulavam no rio.
Eles deixavam a corrente levá-los até um galho suspenso, que eles agarravam para se transportar de volta para a margem do rio. Depois, elas corriam e repetiam todo o processo.
O ar estava tomado pelo aroma de pedras da água do rio e pelo doce e quente perfume das flores e da grama. Enquanto caminhávamos em direção à aldeia, Albin colhia frutas das árvores, a maioria totalmente desconhecidas para mim.
“Este é jambo-rosa”, ele conta, logo pegando outra fruta. “Este é olosapo. E esta é carambola. Eles parecem diferentes dos que você encontra no supermercado porque têm menos cruzamentos.”
Ele se aproximou de uma árvore com cerca de seis metros de altura com frutos brotando diretamente do tronco e dos galhos. Eles pareciam bolas de rugby rugosas com o comprimento aproximado da minha mão aberta. A maioria tinha cor amarela ou verde.
“Este é o cacaueiro”, explica Albin, acariciando o tronco. “Nosso povo acreditava que era a árvore mais bonita do paraíso e as sementes eram usadas como dinheiro.”
Ele colheu um fruto amarelo com manchas laranja e o bateu contra o tronco. O fruto se dividiu ao meio para revelar sua polpa branca e o perfeito mosaico de sementes.
“A polpa é doce”, disse ele, enquanto me oferecia uma semente para chupar, “mas a semente é amarga até ser preparada.”
Entramos em uma clareira de palafitas com telhados de palha e uma cabana de madeira branca que parecia um grande aviário. Dentro, havia prateleiras com sementes de cacau, já vermelhas e marrons.
“As sementes são retiradas dos frutos”, explica ele, “e deixadas para fermentar por uma semana. É quando o sabor do chocolate se desenvolve, graças às enzimas e aos micro-organismos. Depois, nós as secamos ao sol por cinco dias.”
Peguei uma das sementes secas e a mordi. Ela ainda era amarga, mas já tinha o característico sabor de chocolate.
Albin colocou um punhado de sementes em uma panela e aqueceu no fogão. Depois de alguns minutos, ele quebrou a casca e retirou a parte interna das amêndoas torradas, conhecida como “nib”.
O sabor era de chocolate amargo, café suave e castanhas. As amêndoas torradas foram partidas com uma pedra e agitadas para separar a casca mais leve dos nibs, que são mais pesados. Albin despejou os nibs em um moedor manual.
Enquanto ele girava a manivela, uma espessa pasta pingava do fundo do moedor. O rico e profundo aroma de chocolate amargo passou a dominar a cabana.
Aquilo era manteiga de cacau pura, salpicada de nibs torrados. Os Bribri secam a pasta e vendem para os turistas. Basta acrescentar leite condensado e surge o melhor chocolate que já comi na vida.
“Foi preciso ter visão para trazer o turismo para esta região”, conta Albin. “Mas é a única forma de manter nossa cultura viva.”
“Por quê?”, perguntei. “Desde que os europeus chegaram, nós, Bribri, vivemos sob pressão”, responde ele.
“Agora, o governo quer construir represas e nos pede para darmos a nossa terra, pelo ‘bem do país e por uma enorme compensação’. Mas o nosso povo já deu tudo para os invasores. Aonde eles nos levaram? Tudo o que temos é a nossa terra e as nossas tradições. E o nosso cacau.”
“Em alguns anos, a represa será esquecida, mais energia será necessária, novos rios serão represados e a selva será transformada em plantações de banana”, prossegue ele. “Mas esta aldeia e esta cultura terão desaparecido para sempre.”
“O turismo força as pessoas a olhar para nós. E, com a história do nosso cacau, as pessoas aprendem a história do nosso povo.”
“É estranho”, afirma Albin. “O cacau era importante para os nossos ancestrais. Era uma planta sagrada que nos fortalecia – não só fisicamente, mas espiritualmente. Agora, é uma das razões por que os turistas vêm e pode ser o que nos irá salvar do desenvolvimento.”
“O chocolate faz da Costa Rica uma Zona Azul?”, pergunta Dre.
“Se for produzido desta forma, o chocolate pode ser um superalimento”, responde Albin. “Cheio de antioxidantes e flavonoides, que reduzem as inflamações. Ele pode ajudar a evitar o câncer e também tem propriedades espirituais esotéricas para o nosso povo.”
“Mas uma vida saudável vem de muitas coisas”, prossegue ele. “Comunidade, senso de propósito, viver ao ar livre, estilo de vida ativo. E boa assistência médica, é claro, o que é difícil nestas comunidades remotas.”
“Mas, na verdade, nem toda a Costa Rica é uma Zona Azul. Para encontrar a verdadeira Zona Azul, vocês precisam ir para Nicoya.”
Naquela noite, enquanto nos deitávamos nas nossas redes acima das árvores, Dre e eu começávamos a planejar a próxima etapa da nossa viagem.
“Eu nunca teria vindo para esta aldeia apenas para passar um feriado”, disse ela. “Mas é uma experiência incrível estar neste belo local e aprender pessoalmente sobre a cultura. Fazer perguntas, conhecer pessoas fascinantes… parece um grande privilégio.”
Senso de comunidade e trabalho duro
Nicoya fica no lado oposto à terra dos Bribri, em uma península que avança sobre o Oceano Pacífico.
A cultura Chorotega, nativa de Nicoya, tem mais em comum com os mesoamericanos do México do que com os Bribri da selva, devido à geografia da América Central.
Seu legado mais claro está na alimentação. As estradas de Nicoya são ladeadas por espigas de milho amarelo e roxo que são secas ao sol, da mesma forma que você encontraria no México.
“A Zona Azul é real”, afirma o ceramista tradicional Ezekiel Aguirre Perez, do povo Chorotega, que mora na aldeia de Mutambu.
Nesta região, as pessoas costumam viver até os 80 ou 90 anos, sem acesso a assistência médica regular. Elas não tomam vitaminas e remédios. Sua própria forma de viver é saudável.
Os pesquisadores da Zona Azul identificaram a importância da alimentação, com ênfase em muitos alimentos vegetais e baixo consumo de carne.
Em Nicoya, o milho é usado para tudo, desde massas até sopas. Ele é fermentado para produzir bebidas alcoólicas como chicha e chicheme. O milho também é torrado e moído na forma de pinol, para fazer uma bebida parecida com leite maltado.
Os Chorotega também têm um forte senso de comunidade. Toda a cidade se reúne para construir cada uma das novas casas. É um conceito chamado de mano vuelta, ou “trabalho para o benefício coletivo”.
As pessoas procuram truques para viver mais, mas você não pode viver uma vida de consumo e ganância e, depois, equilibrar com superalimentos. Você precisa viver de forma integrada: uma vida ativa, uma vida gentil, uma vida em comunidade.
“Quando alguém da aldeia precisa de uma nova casa, todos nós nos reunimos e a construímos. Quando alguém abate um porco, todos nós nos reunimos e o compartilhamos. Ninguém come demais, mas todos temos o suficiente. E provemos a tudo em turnos.”
Ezekiel nos contou sobre um homem chamado Pachito que morava próximo e havia recentemente comemorado seu 100º aniversário. Ele nos deu seu endereço e sugeriu que fizéssemos uma visita a ele.
A fazenda de Pachito fica em um vale raso, rodeado por arbustos floridos. Ezekiel havia avisado que estávamos indo, mas precisamos esperar com a neta de Pachito até que ele voltasse, já que ele havia saído para visitar alguns amigos.
Mas não esperamos por muito tempo. Pachito chegou cavalgando no seu cavalo branco, que ele prendeu no quintal, descendo com habilidade. Enquanto entrava, ele me deu um forte aperto de mão e puxou Dre para um beijo no rosto.
“Que galante”, riu-se ela. Ele respondeu piscando o olho e se sentou em uma cadeira.
“Desculpem pelo atraso”, disse ele. “Eu precisava visitar um amigo meu que não estava se sentindo muito bem. Mas ele tem 102 anos, o que se pode esperar?”
“O sr. cavalga todo dia?”, perguntei.
“Quando fico parado, as coisas começam a doer”, respondeu ele. “Trabalhei toda a minha vida como sabanero [vaqueiro], de forma que [cavalgar] é mais natural para mim do que andar. Nunca fiz nenhum tipo de exercício separado, mas é uma vida muito ativa.”
Pachito se sentou em uma cadeira baixa de vime, com fotografias de muitos de seus descendentes na parede atrás dele. Sua neta serviu a ele uma xícara de pinol quente, beijou-o na cabeça e saiu para o jardim.
“Esta nunca foi uma região de educação e sabedoria”, disse Pachito, “mas sempre um lugar de trabalho duro.”
A maior diferença de hoje é que nós sabíamos de onde vinha a nossa comida. Nós cultivávamos arroz e milho, criávamos bois e porcos. As galinhas se alimentavam dos nossos restos. Não era uma grande variedade, mas era puro e saudável e comíamos três vezes por dia. É o suficiente.
“E o que o senhor acha que é importante, Pachito?”, perguntei. “O que o sr. diz aos seus filhos, netos e bisnetos?”
“Durante a minha vida, não fui uma grande pessoa – alguém importante ou algo assim – mas sempre fui um bom amigo”, ele conta.
“Você precisa amar a si mesmo e aos demais. Porque, se você ama um amigo, você não pode desejar nada de mal para outras pessoas. Isso impede as coisas de irem mal para você, de dentro para fora.”
Enquanto saíamos, ele tocou a minha mão e acenou em direção a Dre. “E é muito importante amar uma boa mulher”, ele disse.
Segui o conselho de Pachito à risca. Dre e eu nos casamos.
Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Travel.

Mais Notícias